Mobly: em tempos difíceis, empresa faz 'operação de guerra' e zera consumo de caixa
Companhia reduziu a queima de caixa de R$ 30 milhões para R$ 2 milhões, de olho em preservar recursos em meio às vendas em queda
Publicado em 12 de novembro de 2022 às 10:00.
Última atualização em 14 de novembro de 2022 às 13:21.
Em tempos difíceis, disciplina. É o que a Mobly mostra no balanço do terceiro trimestre, em que teve uma queima de caixa praticamente zerada (de R$ 2 milhões, em comparação aos R$ 30 milhões gastos no trimestre anterior). Com forte atuação em um mercado que explodiu na pandemia — e cuja demanda foi ‘antecipada — a empresa ainda enfrentou juros mais altos e inflação, uma receita para trazer um 2022 difícil em crescimento, com quedas de vendas consecutivas. No terceiro trimestre, não foi diferente: a receita líquida encolheu 14,3%, fechando o período em R$ 159,6 milhões. Para contornar o mercado mais fraco, a empresa cortou custos e a “faxina geral” trouxe resultados na última linha. A empresa conseguiu reduzir o prejuízo no 3º trimestre em relação ao mesmo período do ano anterior, ficando no vermelho em R$ 19,2 milhões (ante R$ 25,7 milhões negativos).
Em meio a todos esses desafios, a empresa segura qualquer plano de expansão e permanece com a estratégia de seguir, daqui para frente, apenas com os recursos captados no IPO para fornecer qualquer tipo de apoio. É uma ‘operação de guerra’ para segurar as pontas em meio aos tempos mais difíceis, de olho na volta do crescimento da companhia, previsto para 2023.
Antes de seguir para o futuro da empresa, um tanto de presente. No meio de toda a turbulência macroeconômica, a Mobly teve de arregaçar as mangas para cortar todo tipo de custo considerado não essencial para a companhia. Uma parte veio de demissões em setores da empresa, é claro, mas o maior efeito foi de despesa operacional. Renegociar contratos, devolver centros de distribuição e lojas foram pontos que, no fim do período, trouxeram o maior efeito positivo para o balanço da empresa.
“Além disso, arrendamos algumas lojas, parte delas para terceiros alugarem, então também diminuímos o custo por metro quadrado. Também fizemos isso para os CDs. Como a demanda está menor, conseguimos alugar parte da nossa capacidade para terceiros que tinham interess”, afirma Victor Chunques, coordenador de RI da Mobly, ao EXAME IN. O pente fino da empresa chegou até mesmo aos detalhes, como a troca da empresa de segurança e renegociações de contas de luz e de água.
Todas essas mudanças também trouxeram um impacto significativo sobre o consumo de caixa da empresa, que ficou próximo de zero. Para chegar a esse patamar, a companhia contou com um tripé: alterações no prazo médio de recebimento, de estoque e de pagamento. Em estoque, a empresa tem diminuído a quantidade dele vertiginosamente — o que acelera o ciclo de conversão em dinheiro. Na parte de pagamento, a Mobly renegociou dívidas com fornecedores, tanto de matéria-prima quanto de produtos e serviços, para dilatar prazos de pagamento. A empresa também aderiu ao FINIMP, programa do governo que permite pagar por produtos importados somente no momento em que chegam ao armazém da companhia, o que trouxe uma melhora de 220 dias em prazo médio de pagamento para produtos de fora do Brasil. Isso veio com um custo financeiro de R$ 4 milhões no terceiro trimestre - um valor ínfimo diante dos R$ 200 milhões que a companhia mantém em caixa.
Finalmente, na frente direcionada aos consumidores, a empresa colocou em prática duas iniciativas. A primeira, no fim do segundo trimestre, foi firmar um acordo para antecipar recebíveis a 90% do CDI, um dinheiro que entrava na companhia e era aplicado a 100% de um CDB, o que, de largada, já trazia alguma receita financeira. Além disso, a empresa incentivou consumidores a pagarem com PIX, trazendo descontos de até 20% em linhas de produção própria, na qual a elasticidade da margem bruta é mais alta.
As ações da companhia visam ao máximo a sobrevivência da empresa em patamares saudáveis até a recuperação de demanda, prevista para acontecer no ano que vem. Daqui até lá, a Mobly deve rodar somente com o dinheiro que tem hoje em caixa, uma vez que captações não estão nos planos da companhia. Para trazer algum fôlego em meio aos tempos mais duros, a empresa vê com bons olhos as ofertas da Black Friday para este ano. “Historicamente, sempre geramos Ebitda positivo nessa época do ano. O máximo que aconteceu era, dentro da estratégia de queimar muito caixa, ficarmos neutros. A gente espera que, agora, segurando as pontas, consigamos ficar positivos”, diz Chunques.
O efeito sazonal é apenas a ponta do que a empresa tem feito para garantir que a retomada da demanda no ano que vem seja plenamente aproveitada. Duas iniciativas se destacam, ambas relacionadas à venda em marketplaces. A primeira é expandir o número de plataformas como essa em que a Mobly está presente hoje, agregando pelo menos outras 10 ao portfólio da companhia. São plataformas pequenas, nichadas, mas que, em conjunto, trazem ganho de receita, na visão da empresa. O segundo passo é uma aproximação com o Mercado Livre para aumentar vendas dentro da plataforma, uma vez que, no passado, problemas com tecnologia impediram a empresa de fazer a ponte entre o próprio estoque e o atendimento ao cliente com o maior marketplace da América Latina da melhor forma possível. Hoje, depois de ajustes, 95% dos problemas técnicos estão resolvidos.
Do mundo digital para o físico, a Mobly tem um plano de expansão de lojas para 2023. Cauteloso, é claro. Em 2022, a empresa abriu apenas cinco lojas até agora e deve inaugurar a segunda no fim de dezembro — com risco de ser aberta somente no início de janeiro. O plano de congelar as inaugurações veio, mais uma vez, como uma tentativa de preservar caixa em meio ao mercado mais duro. Para 2023, ainda não há um número exato fixo, sendo a única certeza o fato de que ficará abaixo do plano inicial da empresa, de inaugurar até seis lojas por ano.
Hoje, a Mobly trabalha com três modelos de loja: a megastore (alvo da segunda inauguração deste ano e dos planos do ano que vem). o modelo Zip, de franquias, e o Outlet, usado principalmente para vender produtos devolvidos — em 2022, com a queda de compras e, consequentemente de devoluções, ficou menos interessante investir nele de modo geral. Em relação às franquias, o que a empresa defende é que está esperando a redução do prazo médio de retorno do investimento para o padrão de dois anos antes de firmar novos contratos, bem como o olho atento às localizações em que clientes pretendem abri-las. "Basicamente, vamos focar em poucas aberturas de lojas e na melhoria das que já temos abertas”, diz Chunques.
Falar em loja física para uma empresa que nasceu no digital pode até soar como exagero, mas os números da Mobly ajudam a comprovar por que esse formato ainda segue interessante. A empresa faz um mapeamento periódico do custo de aquisição de cliente e do primeiro gasto dos clientes adquiridos, de olho em mapear essa proporção. Enquanto no online, ela é de 100% — ou seja, o investimento se iguala ao que o cliente gasta na primeira compra — no offline é de 300%, com um gasto três vezes maior do cliente em relação ao investimento da empresa. Além disso, a cada loja inaugurada, há um aumento de 20% nas vendas on-line da região, em um raio de três a quatro quilômetros da loja.
De olho nos planos mais próximos de serem concretizados em relação às novas lojas – as megastores – Chunques explica que há uma adaptação importante a ser feita. Enquanto na capital paulista essas lojas têm de 2 mil a 3 mil metros quadrados, a expansão delas fora de São Paulo deve ser em modelos ligeiramente menores, de 1.500 a 1.700 metros quadrados. A primeira megastore de tamanho reduzido foi a inaugurada no início do terceiro trimestre, em São José dos Campos. Além dela, a companhia mantém uma loja de formato similar em Sorocaba. Ambas, segundo Chunques, têm apresentado uma relação de custo benefício excelente, apoiada na experimentação dos clientes nas lojas e na compra deles tanto por lá quanto pelo totem instalado nelas, que permite a compra de itens pelo próprio site da Mobly também. A próxima loja nesse formato, do fim desse ano, será inaugurada em Santos.
Junto a toda essa operação de guerra, a companhia conta com um fator importante: não tem dívida contraída com bancos. Na época do IPO, a Mobly tinha empréstimos de R$ 74 milhões, que foram quitados com o dinheiro dos investidores. Daqui para frente, a meta é seguir com esses recursos até que a situação como um todo melhore. Questionado a respeito das perspectivas para 2023, Chunques afirma que a empresa espera crescer e que segue atenta à parte política e de como os novos planos devem afetar a companhia. “Estamos considerando o macro, mas não dependendo dele para continuarmos”, diz.
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