Magalu: o balanço de Fred Trajano sobre 7 anos como CEO e o plano em detalhes para 23
Animado com a demanda de dezembro e janeiro, executivo está pronto para lidar com juro elevado e ser - ainda mais - eficiente
Publicado em 24 de janeiro de 2023 às 11:23.
Última atualização em 24 de janeiro de 2023 às 15:00.
Frederico Trajano completa neste mês de janeiro sete anos à frente do Magazine Luiza (MGLU3). O aniversário, curiosamente, ocorre com a repetição do cenário macroeconômico nacional desafiador: inflação alta, juro elevado e queda de renda da população. Há nuances, é claro. Contudo, naquilo que mais impacta o varejo, porque afeta a vida do brasileiro, o drama é bastante semelhante. O que está realmente diferente é a companhia.
Quando assumiu, em janeiro de 2015, o Magalu era o quarto do país no mercado de eletroeletrônicos, não tinha marketplace — ou seja, só vendia o que tinha de estoque próprio (1P) — no online ou na loja, e o e-commerce representava 20% da receita. Movimentava, então, R$ 10 bilhões em vendas. Agora, é uma companhia líder tanto em seu segmento, quanto no marketplace (o 3P, com vendas de varejistas parceiros) e movimenta cerca de R$ 60 bilhões ao ano em vendas totais. De tudo que a empresa comercializa, mais de 70% é online. Antes da pandemia, esse percentual era de 50%.
O negócio não tinha diversificação e, para completar o desafio do cenário nacional imposto, tinha dívida líquida e não caixa líquido. O Magalu de 2022 é caixa líquido, ou seja, tem mais dinheiro do que compromissos financeiros. “Encerramos o ano com mais de R$ 10 bilhões em caixa”, conta Fred, como é conhecido, em entrevista exclusiva ao EXAME IN. O número considera, como de praxe, os recebíveis de clientes. Questionado quanto era esse total quando chegou, ele responde rápido: R$ 1,3 bilhão. Portanto, as vendas foram multiplicadas por seis e o caixa, por quase dez. A conversa ocorreu dois dias antes de a Americanas reportar ter encontrado problemas contábeis da ordem de R$ 20 bilhões, em passivos não listados no balanço corretamente.
Para se ter uma ideia da mudança, além de eletroeletrônicos, a empresa está no ramo de esportes e moda, após a compra de Netshoes, que trouxe junto a Zattini. Tem ainda a Época, de cosméticos e, por fim, também entrou no segmento de games. Mesmo com todas essas novidades, o marketplace do Magalu, ou seja, o que a varejista vende de varejos parceiros, já é maior do que a operação de suas lojas físicas. “Levamos 60 anos para sermos líderes no 1P e quatro, no 3P”, comenta o executivo, nessa conversa que contém um balanço de 2022 e vários detalhes para a estratégia futura.
Esse dado é relevante não apenas pelo que significa hoje, mas pela aposta de futuro da companhia. “Apesar de o comércio online como um todo ter recuado um pouco em 2022, o futuro do varejo no Brasil não é mais analógico. Estou convicto de que o crescimento da empresa virá agora principalmente da digitalização do varejo que por enquanto é apenas físico, dentro do nosso marketplace”, disse e repetiu mais de uma vez durante a entrevista. "E para isso, terá de haver expansão em categorias com tíquetes menores."
Se em vendas a gestão de Fred foi uma curva de crescimento contínuo, na bolsa, foi uma montanha russa, acompanhando o cenário macro nacional e, dessa vez, mundial. Quando o executivo assumiu, a empresa valia R$ 155 milhões — outro número que ele não esquece. Na pandemia, quando a taxa de juros no Brasil foi a 2% ao ano e o mundo digital era venerado, a companhia chegou a valer R$ 165 bilhões. Agora, está avaliada em R$ 27 bilhões, com o Brasil na liderança planetária do juro real e um mau-humor global com tudo da economia digital.
Considerando o aniversário, Fred teria muito a comemorar. Mas o ano de 2022 foi muito desafiador. O executivo destaca que mesmo assim a companhia vai conseguir, no balanço anual, apresentar crescimento nas vendas totais, de um dígito alto, o que não é pouco em um ano como o passado. Mas os desafios foram maiores do que só expansão de vendas. “Estou há sete anos como CEO. Nos seis primeiros, a companhia cresceu, deu lucro e gerou caixa. Isso sendo predominantemente digital. No último ano, tivemos uma virada econômica muito séria. Cerca de 25% das nossas vendas são voltadas para o consumidor de baixa renda e sempre foram o grande motor de caixa do negócio. O ambiente teve redução do poder de compra, inadimplência em alta. E os juros elevados também acabam encarecendo o financiamento das vendas”, explica ele.
Com isso, os trimestres de 2022 foram de prejuízo. No acumulado do ano até setembro, apesar de uma expansão de quase 18% no Ebitda, para R$ 1,45 bilhão, a última linha do balanço saiu de lucro para prejuízo de R$ 357 milhões. O vilão? As despesas financeiras líquidas, que subiram 156%, para R$ 1,47 bilhão. No varejo, essa conta piora de duas formas: aumento do serviço da dívida, ou seja, dos juros pagos, e também no custo da antecipação de recebíveis.
Após todas as mudanças implementadas pelo Magalu no ano passado, em busca de melhoria de margens, Fred está otimista, em especial com a melhoria na demanda que viu no fim de 2022 e começo de 2023. Sua preocupação maior, para o Brasil, é a taxa de juros. "A inflação é um câncer para o brasileiro, mas a quimioterapia pode matar o paciente."
A seguir, a conversa com detalhes inéditos da estratégia de Fred Trajano para aumentar a eficiência e lidar com o ambiente de Selic salgada:
O ano de 2022 foi muito difícil para o varejo. Como você viu o período para o Magalu?
Frederico Trajano: Nós fomos a primeira empresa a anunciar que o inverno estava chegando. Não tínhamos visibilidade de quanto tempo iria durar. Mas sabíamos que estava vindo. Por isso, anunciamos ao longo do ano uma série de medidas, que tínhamos de fazer, para corrigir e passar por esse momento difícil. Terminamos 2021 com 45 mil funcionários e reduzimos para 35 mil. É algo muito significativo. Diminuímos substancialmente as parcelas sem juros. Quando a Selic estava 2% ao ano, as vendas sem juros chegaram a representar a 70%. Já levamos esse percentual para 50% e, meu plano, é que caia para baixo de 40% neste ano. Passamos a cobrar frete, que antes não cobrávamos. Aumentamos as taxas dos sellers, os take rates, e começamos a cobrar pelas entregas realizadas. Otimizamos rotas de logística e reduzimos marketing. Foi o ano de monetizar. Estabelecemos uma série de metas para ampliar o lucro operacional, dado que a despesa financeira iria aumentar. O objetivo era compensar o efeito do aumento dos juros.
E deu certo, compensou?
Fred: Já estamos colhemos bons frutos, mas ainda não conseguimos repassar para a margem operacional todo o aumento de despesa financeira. E 2023 vai ser o primeiro ano cheio com todas essas medidas ao mesmo tempo. Mas o que me deixa feliz é que conseguimos fazer tudo isso expandindo vendas. Ainda não publicamos resultado, mas devemos trazer um dígito alto de expansão no acumulado de 2022, mesmo com todas essas medidas que podemos chamar de restritivas, no sentido de crescimento. Ah, e ainda cortamos crédito, porque a inadimplência subiu. Mas ainda assim, mesmo com todo contexto ruim e com uma base comparação muito forte, como foi o ano de 2021, nós conseguimos crescer dígito alto no ano. Conseguimos expandir porque ganhamos participação de mercado e mantendo boas notas de NPS. Normalmente, quando você aumenta margem, perde venda ou atende pior seu cliente. Não foi o nosso caso. No último trimestre, nosso lucro operacional cresceu 50%, mas ainda não foi suficiente para compensar essa taxa de juros.
Mas, de certa forma, essa crise é conhecida. Quando você chegou era um Brasil parecido, não? O IPCA de 2015 ficou acima de 10% e a Selic superou os 14%.
Fred: Sim e não. Eu tinha um cenário, de uma certa maneira, muito parecido com o atual. Vínhamos de um ano muito bom, que foi 2014, mas daí 2015 foi difícil. Tivemos aumento da inflação que também puxou a taxa de juros. Só que lá nossa posição competitiva era muito mais delicada. E nossa estrutura de capital também. Mas, no Brasil, existe ciclicalidade sim, e o mundo não acaba. Agora, sete anos depois, vivemos uma crise também. Em magnitude da crise, os juros aumentaram muito mais, saíram de 2% para 14%, o que traz impacto muito grande no custo de capital. Para você ter uma ideia, a mesma margem Ebitda do terceiro trimestre do ano passado [6%], com uma venda muito menor, gerou lucro líquido no terceiro trimestre de 2020 de R$ 220 milhões. Só que o juro estava em 2%.
Como você via varejo há sete anos e como vê agora? Teve alguma mudança?
Fred: Quando eu assumi a empresa, eu tinha uma convicção que não mudou até hoje. Mesmo nesse contexto em que as empresas digitais não estão tão bem vistas. Essa convicção era e é que o varejo vai se digitalizar cada vez mais. A penetração do e-commerce no Brasil, naquela época, era menos de 5% do total. Nesse pós-pandemia, já estamos falando em torno de 20%. É muito mais alta do que antes, mas ainda bem mais baixa do que países como Estados Unidos e China, onde é 35%. E a China, se olhar a renda per capita, ainda tem muito para evoluir. Mas o crescimento não foi linear. Houve expansão relativamente alta antes, mas exponencial durante a pandemia. De certa maneira, isso antecipou os anos futuros de crescimento. Agora, estamos vivendo uma ressaca desse período em que teve expansão um pouco anabolizada. Só que a queda deste ano é mais uma correção de rota do que uma mudança estrutural. Uma aposta que tenho falado muito é que o Brasil não vai ficar mais analógico, embora algumas empresas de e-commerce tenham tido queda de receita.
Mas nada mudou em sete anos, além da penetração?
Fred: Sim. Agora é uma expansão que se dará, necessariamente, por meio da digitalização do varejo analógico. Esse ciclo agora que vivemos nos últimos anos foram de empresas só online ou vendedores focados no e-commerce. Para chegar no nível da China, vamos ter que fazer o varejo online se digitalizar. Então, a expansão vai estar no marketplace, porque ele é que ajudar na digitalização do varejo. E vai ter um crescimento com uma base de categoria mais diversificado. Se você olhar a penetração do digital por categoria, as mais altas estão nas nossas, de bens duráveis, produtos de tecnologia, eletroeletrônicos. Para chegar no próximo patamar, categorias como beleza, moda e produtos de consumo mais imediato terão de crescer. Será ainda mais necessário um modelo multicanal, em comparação com o que ocorreu até agora.
Sua gestão foi marcada pela diversificação. Afinal, foram mais de 20 aquisições. O que essa diversificação tem de importante e qual o limite disso dentro do Magalu?
Fred: Quando passamos de 50% da nossa venda total no on-line, entendi que havíamos alcançado a digitalização. Nosso próximo passo, então, era ajudar o varejo brasileiro a se digitalizar, em um modelo menos 1P e mais 3P. Passamos a almejar ter impacto maior. Criamos um modelo de expansão do marketplace, sistemas e plataformas, e lançamos na pandemia o parceiro Magalu para pequeno lojista. Criamos modelo de marketplace e essa é nossa visão daqui para frente. Crescer ajudando os outros e com a ajuda dos outros.
Mas e a diversificação?
Fred: Para a próxima fase de crescimento, o e-commerce como um todo — e nós também no Magalu — terá que entrar e ampliar penetração em produtos de tíquete menor. Mas qual o problema disso? A questão é a unidade econômica. Quando tem tíquete baixo, qualquer segmento, ainda que tenha potencial alto de vendas e GMV, tem uma operação de lucro mais baixo. Para essas categorias, a multicanalidade é essencial. Você precisa vender essa categoria próximo de onde o consumidor está. Não tem outro jeito. Importante trazer o estoque regional e local das redes de lojas físicas que são próximas do consumidor final. Você consegue vender um celular nacionalmente com margem positiva, mas isso não vale para produto de limpeza, por exemplo, ou até para moda, em alguns casos. É por isso que aposto muito no Parceiro Magalu, que digitaliza o seller local.
O que isso significa, em detalhes?
Fred: Com exceção do ano passado, sempre crescemos no online, geramos caixa e tivemos lucro líquido. Para fazer a mesma coisa no 3P, a estratégia é também a multicanalidade. Na nossa operação de 1P online, quase 50% é retirado da loja ou a entrega é a partir da loja. O custo de última milha é muito baixo. No nosso 3P, cerca de 30% de tudo que eu vendo online já é retirado na minha loja. Nesse mês, está em 35%. Isso reduz significativamente meu custo de entrega. Nossa aposta no 3P, é a mesma. Para ele ser rentável, ele necessariamente tem que explorar a multicanalidade, seja do meu ativo, que é a loja, seja do ativo dele.
Vender sua estrutura de entrega é, portanto, um jeito de também ampliar sua margem?
Fred: Isso. Nós habilitamos três centros de distribuição para dividir a infraestrutura com os vendedores da nossa plataforma. A nossa operação foi desenhada para ser multicanal. O mesmo CD que eu uso para mim, uso para terceiros de forma praticamente agnóstica. O mesmo caminhão que leva o produto do 1P para loja, leva o do 3P, e o mesmo para entrega final. Isso dá um diferencial muito grande. É isso que torna viável o 3P ser rentável.
Você se preocupa, então, que seu seller da plataforma esteja perto da sua loja?
Fred: A ironia é que hoje metade dos vendedores da plataforma vieram do esforço de hub das próprias lojas. Nós preferimos que ele esteja próximo justamente para otimizar nossa infraestrutura logística. Nossa loja hoje, funciona quase como uma agência dos correios. Chamamos até de Agência Magalu. Boa parte dos nossos sellers pode usar a loja como ponto de coleta para o CDs, na nossa logística reversa. E isso torna o custo mais barato.
Enquanto ainda se fala que o comércio online não dá lucro, os seus negócios só digitais, como Netshoes, Zattini e outros já dão resultado. Como você fez isso?
Fred: Demos lucro seis dos meus sete anos, mostrando que on-line é sim lucrativo se você cresce ele com modelo correto. E para mim, a chave disso é a multicanalidade, como já reforcei. Na grande maioria, o e-commerce não dava lucro para quem era só online. Mas também porque os investidores, durante muito tempo, não exigiram dessas empresas lucratividade. Eles queriam só crescimento. E obrigavam, praticamente, as companhias só a crescer. No ano passado, Netshoes deu lucro, Kabum deu lucro, Época também. Porque elas se beneficiam da nossa infraestrutura e o “Magalu Entrega” já é o principal serviço para elas. Kabum já dava lucro antes do Magalu, porque tem característica de tíquete médio muito alto. Mas, Netshoes e Época só passaram a dar lucro ao serem inseridas no ecossistema Magalu e se beneficiarem da nossa estrutura de pagamentos, de gestão de custos administrativos, mas principalmente da redução do custo logístico. Todos esses negócios deram lucro ano passado. Na verdade, se pensarmos nas 20 empresas que adquirimos recentemente, elas geraram caixa ano passado e não precisamos fazer aporte — na verdade, até recebemos um pouco. A dificuldade que tivemos do ponto de vista de última linha do balanço foi muito mais em loja física do que no e-commerce, pelo contexto econômico.
Mas quais são os sinais mais recentes das lojas, depois de um 2022 tão complicado?
Fred: No fim do ano, as vendas voltaram a crescer. E a liquidação agora [de 6 de janeiro] foi um sucesso absoluto. Crescemos duplo dígito alto nessa liquidação. Nossas margens nessa liquidação foram maiores do que em 2022 e do que na Black Friday. E essa megapromoção é uma tradição de 30 anos na casa. Nosso quarto trimestre foi o melhor do ano, crescemos em todos os canais. Fechamos o ano passado com estoque 20 dias menor do que em 2021. Tivemos excelente geração de caixa. Para nós, essa liquidação é um bom jeito de começar o ano. Sempre que ela vai bem, o ano costuma ser bom.
Mas o cenário não mudou, ou mudou?
Fred: Para mim isso traz um sinal de consumo represado. Pessoas que ficaram um ano, um ano e meio sem comprar. Deu para sentir claramente cliente visitando as lojas. Na sexta-feira, não foi só um efeito de loja. Praticamente, nesse dia, de cada dois produtos vendidos no e-commerce brasileiro, um era Magalu. Já vejo um efeito da duração dos R$ 600 no bolso do brasileiro. Mas vou estar contente mesmo quando, além de crescer e gerar caixa, voltarmos ao positivo na última linha do balanço, que é nossa tradição aqui. E em 2023 ainda contamos com contexto de juros muito alto, o que torna isso um desafio muito grande.
Mas dá para ter bottom line positivo com esse cenário de renda e demanda?
Fred: O que eu posso dizer sobre isso é que estou menos preocupado com a demanda do que com a manutenção dos juros elevados.
Por que o juro te preocupa mais, se percebe que tem mais gente comprando?
Fred: É preciso ter sabedoria para entender que o momento é esse: provavelmente, não haverá queda de taxa muito significativa em 2023. Então, você precisa mudar seu modelo de negócio. A nossa estratégia é tentar aumentar significativamente a venda à vista, dos canais online e offline, e também vender com juros em loja. Para você ter ideia, a modalidade do PIX atingiu 30% no nosso canal online no último trimestre do ano passado. E na Kabum, já está em 40%. É possível você aumentar a venda à vista para diminuir o desconto de recebíveis, o que reduz a sua despesa financeira. Dá para compensar parte da manutenção dos juros altos, trabalhando seu mix de pagamento. Outra coisa que nós fizemos, foi relançar em loja física o parcelado emissor, um modelo que praticamente não existia no Brasil. Nesse caso, você vende com prazo, mas quem financia o cliente não é você, é o próprio banco. Para o cliente é um parcelamento. No Brasil, praticamente 100% das vendas parceladas são financiadas pelo lojista, o que representa uma mudança e tanto.
Estamos fazendo um conjunto de iniciativas para reduzir o desconto de recebíveis, principalmente quando você não tem receita financeira sobre isso. Dá para atenuar o impacto e ainda manter os esforços de ampliar a margem operacional. Parte das iniciativas que fizemos, inclusive, só implementamos no segundo semestre deste ano. Então, a maturidade delas vem agora, anualizada. A ideia é continuar ampliando rentabilidade operacional e reduzir despesa financeira, com aumento da venda à vista ou com juros em loja. E o crédito vai voltar.
Mas você acabou de falar do PIX, o que quer dizer com isso do crédito voltar?
Fred: Quando você financia seu próprio cliente, isso traz rentabilidade. Nesse ano que passou, por exemplo, a Luizacred não agregou ao Ebitda do Magalu. Mas em anos bons, contribui significativamente. Com a redução das provisões, ela vai voltar a agregar aos resultados. Tem uma série de iniciativas que vão ajudar a monetizar, como publicidade e crédito para os varejistas parceiros.
E o que acontece quando os juros baixarem?
Fred: Quando eles caírem, e não necessariamente isso vai acontecer nesse ano, você vai ter impacto muito positivo. A empresa estará muito mais eficiente e com capacidade de geração de caixa ainda maior do que no pré-pandemia.
Onde tem, daqui para frente, ganho de eficiência para fazer?
Fred: Hoje, 85% do que nós entregamos do 3P é ‘Magalu Entrega’. Explicando melhor: compramos quatro empresas de logística, integramos elas em uma plataforma de logística chamada “Magalu Entrega” e hoje essa estrutura tem 220 cross dockings, 23 CDs e todas nossas 1.400 lojas são mini-hubs. O que ainda podemos crescer muito é o fulfillment do Magalu. Hoje ainda é em torno de 5% das nossas vendas e acredito que podemos ampliar isso significatimente nesse ano. Isso significa ter o estoque do varejista parceiro dentro do meu centro de distribuição. Daí, eu consigo ter prazos de entrega muito menores do que quando coleto.
E sua vantagem é que o varejista vai pagar por isso?
Fred: Ele vai pagar por isso. Mas a nossa vantagem maior é que consigo melhorar muito o prazo de entrega para o consumidor final. E nós queremos habilitar todos os nossos CDs e poder aproveitar esse prazo menor. Hoje está em três: dois em São Paulo, Louveira e Guarulhos, e um em Minas Gerais. Queremos expandir para todos os centros ao longo de 2023 e começo 2024. Mas os principais neste ano.
Mas quanto essa eficiência de prazo de entrega te traz em ganho de conversão?
Fred: Quando estamos no fulfillment, a entrega em até um dia praticamente triplica. E ela tem uma conversão cinco vezes maior do que a conversão média. O impacto é muito grande. Mas o bonito disso é que vai melhorar as vendas e com custo marginal muito baixo para o Magalu.
O varejo multicanal precisou educar o investidor que o parceiro, o seller, vem para otimizar sua estrutura de custo, mais do que gerar receita. Esse conceito permanece?
Fred: O 3P me dá a possibilidade de crescer com muito menos capital. Porque o principal emprego de capital do varejista é o capital de giro. E quando você expande o 3P, o capital de giro é do seller e não seu. Com isso, crescemos de maneira mais consistente.
Mas daí é só um fee da venda, não é a venda cheia, correto?
Fred: Sim, mas do ponto de vista de retorno sobre capital investido, ele faz a conta melhorar muito. É muito mais alto. O que é importante para uma empresa é o retorno de capital. E o 3P tem um modelo econômico que traz uma margem de contribuição com pouco emprego de recursos. Se bem operado, o marketplace gera bastante valor.
Do ponto de vista de diversificação, o ciclo Magalu está concluído ou ainda existem oportunidades?
Fred: Na verdade, o início desse processo começou em 2019, com a Netshoes, que veio com a Zattini. Depois veio a Kabum. É um processo de menos de quatro anos. Evoluímos bastante, mas ainda há muito para fazer. Ainda tem um ciclo muito longo pela frente. Eu comemoro muito o fato de que metade do meu GMV de 2022 foi de novas categorias, o que é super significativo, uma vez que temos e-commerce há 22 anos. E em menos de quatro anos, essas categorias já atingiram 50% da venda online. A tendência é continuar nessa diversificação.
Ou seja, trazer novas categorias?
Fred: Eu chamaria de novas linhas de receita. Seja ela take-rate marketplace, fintech, novas categorias. Originalmente, nós, que éramos uma empresa analógica que vendia bens duráveis, hoje temos base muito mais diversificada. Receita de publicidade para sellers (ads), crediário, tudo isso é diversificação, mesmo se vier de categorias que você já operava no 1P. É uma maneira de diversificar porque não são o seu estoque. Mas, de novo, a diversificação é importante desde que seja rentável. Entrar em tíquetes muito baixos e malha nacional, com unidade econômica negativa, não é uma boa estratégia — mesmo se o mercado achar que é.
Vimos uma correção muito no setor de varejo e também em Magalu. O que você acha que o investidor não entendeu do teu negócio?
Fred: Acho que você mesma disse que isso ocorreu para todas as empresas de e-commerce no mundo. Mas nesse cenário de taxa de juros muito alta, e no Brasil o juro real está em 8%, a correção de valor é natural. Não é que o investidor entendeu ou deixou de entender alguma coisa. Hoje existem opções de investimento, muito mais de curto prazo, como em um título do governo brasileiro, por exemplo. Acho que é só uma questão de conjuntura das opções de financiamento. Não creio que seja falta de entendimento. No caso do Magalu, nós sempre crescemos com geração de caixa e lucro líquido. Entendo que na medida que implementarmos nosso plano, conjuntural, não é nem estrutural, de fazer a empresa crescer, como no ano passado, e a gerar caixa e ter lucro como sempre fez, o valuation vai responder. Mas acho que para a bolsa em geral, é preciso vermos os juros baixarem. Não acho que exista um problema de entendimento da empresa, especificamente.
Mas você não acha que exista algo particular das varejistas, com o cenário altamente competitivo e o custo de aquisição de cliente (CAC)?
Fred: Todos os custos baixaram. O lado bom dessa crise é que todo mundo aplicou seus recursos de forma mais inteligente. Todo mundo investindo em marketing de forma mais racional. E mesmo a precificação dos produtos. O ambiente competitivo está muito melhor do que antes. O problema agora é muito mais macro do que micro.
Quando reduziu teu CAC?
Fred: O custo por clique ou por instalação de aplicativo caiu aí pelo menos de 30% a 50%, dependendo do veículo e do indicador. E isso foi com a racionalização dos marketings. Tem menos gente investindo e como o sistema dessas empresas é por leilão, o custo ficou mais baixo. E não acho que vamos voltar naquela irracionalidade do momento de juros muitos baixo.
O que é uma taxa de juros saudável para o varejo? E para o Brasil?
Fred: Eu não sou economista. Não sei responder isso. Mas acho que uma taxa de juro real de 8% ao ano, a maior do mundo, é salgada. Só que costumo dizer que a inflação é um câncer, em especial para um país como o Brasil, em desenvolvimento, no qual as pessoas passam fome quando perdem poder de compra. Então, é preciso controlar a inflação e o juro é, sem dúvida, a forma de tratar isso. Só que precisamos atenção porque a quimioterapia pode matar o paciente. E a grande maioria dos negócios vai sofrer muito com essa taxa de juros, que é maior do que de países africanos com dívida superior a 150% do PIB. Mas quanto ela precisa estar, eu não sou economista para responder. Eu só sei que precisamos de um ambiente de confiança maior.
E o Brasil? Você está mais otimista ou mais pessimista, em especial após o que vimos em Brasília?
Fred: Eu estou mais otimista que a média. Até porque para ser varejista no Brasil, é preciso otimismo. Nós temos uma população gigantesca, um consumo represado muito grande. Conseguir vender o que estamos vendendo, com a maior taxa de juro real do mundo e com o poder de compra da população ainda machucado, deixa claro o potencial do país. O que precisamos é de uma normalidade institucional, mas acredito que teremos apesar das cenas do último domingo [8 de janeiro]. Entendo que o produto de tudo isso que vivemos será esse maior equilíbrio institucional, a união dos três poderes. Se o governo novo conseguir passar uma perspectiva de responsabilidade fiscal — e ele já tem demonstrado respeito às instituições —, nós vamos conseguir atrair investimento. Existe um desejo de diversificação da matriz industrial, com menor dependência da China. O Brasil pode ser um beneficiado desse processo também. Do ponto de vista do varejo, sigo apostando na digitalização e digo que estamos bem posicionados para essa realidade.
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