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M. Dias Branco: no aniversário de 70 anos, ‘presente’ é o lucro 85% maior do que o de 22

Em tempo de juros altos, companhia reduziu estruturas de financiamento bancário e aumentou geração de receita com aumento de preços

Fábrica Fortaleza em 2023: sede é complexo industrial com fábrica de biscoitos, massas, torradas e moinho, com 365 palmeiras (Acervo M. Dias Branco/Divulgação)
Fábrica Fortaleza em 2023: sede é complexo industrial com fábrica de biscoitos, massas, torradas e moinho, com 365 palmeiras (Acervo M. Dias Branco/Divulgação)
Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Publicado em 15 de maio de 2023 às 10:43.

Última atualização em 15 de maio de 2023 às 10:44.

Faz 70 anos que Francisco Ivens Dias Branco começou a trabalhar com Manuel, seu pai, para transformar a Padaria Fortaleza na maior empresa de massas e biscoitos do país. No septuagésimo aniversário da M. Dias Branco, o número também marca um feito para ficar na memória da companhia: um lucro líquido de R$ 70 milhões, cifra 85% maior do que a registrada no período equivalente do ano passado -- lembrando que 2022 foi o ano com a maior receita para a companhia desde sua fundação.

A 'receita' para crescer mais do que no ano passado envolve um conjunto favorável de ingredientes: o efeito acumulado dos aumentos de preço praticados ao longo de todo o ano passado, queda nos preços de matéria-prima e despesas (operacionais e financeiras) sob controle. Os gastos, hoje, estão em 20% do faturamento da companhia, um percentual que era de 26% antes da pandemia.

Levando todos esses fatores em consideração, Gustavo Theodozio, vice-presidente da M. Dias Branco, projeta um 2023 de resultados semelhantes aos vistos neste início de ano. "Geralmente, por fatores sazonais, nosso primeiro trimestre é até mais tímido em relação aos outros, por causa das férias escolares. O segundo tende a ser melhor, o terceiro é o ponto mais alto para a empresa e, o quarto, um pouco pior, por causa dos itens de Natal", diz, ao EXAME IN. Nos próximos dois trimestres, o incremento de receita deve vir mais de aumento de volume do que de preços mais altos, o que deve manter as margens da companhia próximas aos níveis atuais, segundo o executivo.

No primeiro trimestre, mesmo diante do fator sazonal de uma demanda mais tímida, a receita líquida subiu 31,5% na comparação anual, para R$ 2,5 bilhões. Os reflexos de medidas de eficiência operacional adotadas desde a pandemia (com ênfase na redução do patamar de despesa operacional em relação à receita) fizeram com que o ganho de eficiência acontecesse em patamares superiores aos do aumento de vendas: o Ebitda quase dobrou em relação a 2022, para R$ 173,7 milhões, também com ganhos de margem Ebitda em 2,3 pontos percentuais, para 7% -- em março, a margem chegou a 13%, ante 6,8% em fevereiro.

Do lado financeiro, a companhia reduziu neste início de ano o nível de contratos de hedge, por causa do câmbio mais caro. Além disso, com a geração de caixa maior no início deste ano -- a M. Dias Branco gerou R$ 56,8 milhões, ante R$ 13,5 milhões -- a companhia também reduziu a necessidade de empréstimos, fatores que, combinados, ajudaram a empresa a ter uma estrutura de capital melhor.

Com mais caixa e menos contratação de dívida, o nível de alavancagem da empresa caiu em relação ao fim do ano passado, de 1,8 vez para 1,6 vez. A meta, segundo Theodozio, é terminar 2023 em um patamar ainda menor, de 1,2 vez. No ano que sucede as aquisições de Jasmine e da fabricante uruguaia de massas Las Acacias, a estratégia da M. Dias Branco é organizar a casa primeiro para pensar em aquisições depois.

"Hoje, não temos nenhuma aquisição nos planos. O raciocínio é trabalhar com as empresas que adquirimos para trazer escala a elas. Por exemplo, no caso da Jasmine, que está muito concentrada no Paraná e em São Paulo, trazê-la para o norte e nordeste. Um movimento similar deve ser feito com a Latinex [adquirida em 2021]. É um ano de olhar pra dentro", diz Theodozio.

Do nascimento à liderança em sete décadas

O crescimento mostrado pela companhia neste início de ano marca, à sua maneira, uma continuação da estratégia implementada por Ivens Dias Branco em sua trajetória para desenvolver a empresa. O olhar atento ao caixa da firma era tão presente que o fundador checava os números diariamente, segundo Delane Carvalho, gerente de investimentos da M. Dias Branco há 23 anos. 

A história da executiva na companhia começou em 2000, em uma época na qual a companhia passava por uma intensa transformação: em 1990 havia inaugurado a primeira fábrica para moer trigo (hoje são 15) e, em 2006, a empresa familiar estrearia na bolsa de valores.

"De 2000 a 2003 a gente passou por uma das revoluções mais acentuadas. A companhia construiu o moinho potiguar e uma fábrica de margarina e eu tive de aprender a fazer várias novas tarefas dentro da empresa, como importações. Algo que eu nunca tinha feito no banco onde trabalhava antes [o Equatorial, do qual Ivens era sócio]. Naquela época, a companhia tinha um faturamento de R$ 400 milhões e, hoje, está em R$ 12 bilhões. Me dá muito orgulho fazer parte dessa trajetória", diz Carvalho, em entrevista ao EXAME IN.

Presente na segunda geração da gestão da empresa, a executiva conta que a disciplina e o modo de trabalhar do fundador foram passados adiante. A rotina de checagem do caixa permanece em Ivens Jr. -- em vez de vê-lo todos os dias, o atual presidente da empresa acompanha os números semanalmente. O foco em preservar capital permanece e, nesse caminho, novas estratégias começam a tomar forma. Foi sob a atual gestão, por exemplo, que a empresa começou, na pandemia, a fazer contratos de hedge para compra de matéria-prima: antes, o fato de a companhia conseguir estocar quatro meses de trigo era a única proteção que a M. Dias Branco tinha contra as variações cambiais.

Essa mistura entre a memória do fundador e o olhar de futuro é o coração da companhia. Uma das figuras mais presentes nessa transição é Edílson Araújo, ex-assessor de Ivens (pai) e, hoje, analista de comunicação da companhia. Há 25 anos na empresa, o executivo começou na área de produtos da fábrica -- basicamente embalando as bolachas a serem comercializadas --, foi trabalhar como secretário do presidente da empresa e acabou cursando Jornalismo no meio dessa função, de olho em conseguir se aprimorar no trabalho.

O convívio de perto com o fundador é recheado de fatos anedóticos sobre o fundador. "Seu Ivens nunca deixava ninguém sem resposta. Ele respondia, por exemplo, todos os cartões de aniversário que recebia, mesmo que fossem muitos. Em um ano, chegaram a 500. Era uma figura de certa forma até folclórica, um 'super-homem' da companhia. Aos domingos, por exemplo, era comum que ele aparecesse na fábrica, mesmo que de bermuda e chinelo, para ver como as coisas estavam acontecendo", diz.

Fábrica Fortaleza em 1976: entre 1954 e 1960, companhia investiu de forma intensiva em máquinas, fornos e moldes para ampliar a produção (Acervo M. Dias Branco/biografia "Ivens Dias Branco: Simples, criativo, prático"/Divulgação)

A atenção à empresa é um dos fatores enumerados por ambos, Delane e Edílson, para o crescimento da companhia até hoje. A disciplina fica clara ao analisar os números públicos da M. Dias Branco: em 2005, a receita bruta da companhia era de R$ 1,6 bilhão, cifra que passou para R$ 12 bilhões em 2022.

Nesse meio tempo, a companhia enfrentou o desafio de preservar a cultura em meio a uma agenda acelerada de aquisições. Após o IPO, a M. Dias Branco acelerou a agenda de aquisições, comprando a Vitarella em 2008 -- aquisição responsável por consolidar a empresa no Nordeste -- além da Estrela em 2011 e o Moinho Santa Lúcia em 2012. Isso sem falar na Adria, comprada em 2003, e que marcou a entrada da companhia no sul e sudeste.

"Na época da compra [da Adria] fiz questão de levar nosso staff principal para demonstrar ao pessoal deles que tínhamos competência para assumir o negócio e aperfeiçoá-lo com êxito. No começo houve certa desconfiança, porque o presidente era uma pessoa daqui do Nordeste, e o conhecimento que se tem ainda é de um nivelamento por baixo. Não nos foi dito nada diretamente, mas sentíamos a diferença. O lado bom é que as fábricas tinham ótimos colaboradores - que, aliás, mantivemos. O que lhes faltava mesmo era comando", diz Ivens, em uma declaração ao jornalista Sérgio Villas Boas, que escreveu a biografia do fundador.

Dali para frente, a companhia comprou a Pilar, mais antiga indústria de alimentos do país em 2015 e, em 2018, adquiriu a carioca Piraquê, por R$ 1,55 bilhão. Ao se consolidar como uma referência nacional, a companhia já estava bem preparada quando Kraft Foods (hoje Kraft Heinz) e Nestlé, em 2010, começaram a fazer concorrência com investimentos massivos na região. A tese de que valia ficar de olho na M. Dias Branco foi defendida, inclusive, em um relatório do banco Raymond James, há treze anos.

Em 2023, sob o comando do filho Ivens Jr -- e contando com os outros dois filhos como diretores -- a companhia tem 22 marcas em seu portfólio e, recentemente, passou por uma intensa agenda de compras, incorporando Latinex (dona da Fit Food e Frontera, por exemplo), Jasmine, de produtos naturais, e até mesmo fez a primeira incursão fora do país, adquirindo a Las Acacias, de massas e biscoitos. Tudo em um intervalo de 12 meses. Reforçando a aposta da companhia em novos segmentos dentro dos que já atua, sempre de olho em expansão.

Em uma visão geral da trajetória da empresa, alguns fatores colaboraram para o sucesso, além da visão de gestão próxima à operação: o modelo de distribuição focado em pequenos e médios varejistas, a verticalização da produção e os incentivos fiscais fazem um bom resumo. Este último fator, há dez anos, respondia por 40% do lucro da companhia, segundo analistas ouvidos pela EXAME em 2012.

A ocasião da matéria, há onze anos, era outra: o incremento da fortuna do fundador da M. Dias Branco. Na época,  Ivens, aos 77 anos, era o homem mais rico do Brasil, "com patrimônio superior ao dos banqueiros André Esteves e Pedro Moreira Salles e ao dos empresários Elie Horn, dono da Cyrela, e Rubens Ometto, presidente do conselho da Cosan", diz o artigo.

Francisco Ivens (pai) faleceu quatro anos depois da publicação da matéria, em 2016. A sucessão, estudada com calma, deu lugar a Ivens Jr., já apontado antes como o favorito para assumir a cadeira ocupada por seu pai, graças ao estilo de gestão similar.

Hoje, sob o comando de seus filhos -- além de Ivens Jr., outros dois são diretores da companhia --, além de membros independentes no conselho e na diretoria, a companhia segue crescendo e aperfeiçoando a própria atuação, de olho em manter a posição de liderança conquistada ao longo das últimas sete décadas. Com fôlego de adolescente, essa 'senhora empresa' referência no Nordeste mostra que ainda tem espaço de sobra para crescer.

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Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Formada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.

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