Logo Exame.com
Bradesco

Entre a cruz e a caldeira: BC deve bancar a maior alta de juro em 18 anos

Confirmada a expectativa do mercado, o Copom elevará a Selic em 1 ponto, para 5,25%, maior nível desde setembro de 2019

Reunião do Copom volta a ter 8 membros, além do presidente Roberto Campos Neto; Fernanda Guardado já assumiu diretoria  (Copom/Divulgação)
Reunião do Copom volta a ter 8 membros, além do presidente Roberto Campos Neto; Fernanda Guardado já assumiu diretoria (Copom/Divulgação)

Publicado em 3 de agosto de 2021 às 08:54.

Última atualização em 4 de agosto de 2021 às 10:34.

Roberto Campos Neto tem um desafio e tanto nesta semana: preservar a credibilidade do Banco Central (BC) que preside, sinalizar que a autonomia conquistada em lei aprovada pelo Congresso e promulgada pelo presidente Jair Bolsonaro é para valer, contornar prováveis ataques ao Comitê de Política Monetária (Copom) e evitar eventual confronto com o Palácio do Planalto. A tarefa é pesada e exigirá extraordinário jogo de cintura porque a determinação do BC de conter maior deterioração das expectativas de inflação não está de mãos dadas com a disposição do governo de gastar com programas assistenciais, como o aumento do valor do Bolsa Família que, combinado a uma dívida bilionária de precatórios, pode estourar o teto de gastos em 2022 e minar a já frágil confiança dos investidores na política econômica – às vésperas da eleição presidencial.

O Copom deverá, na quarta-feira, promover o maior aumento da taxa Selic em 18 anos. Confirmada a expectativa de economistas de bancos nacionais e estrangeiros, o Comitê elevará a taxa básica brasileira em 1 ponto percentual, para 5,25% ao ano.

Nesta abertura de semana, o dólar declinou, de olho no suporte de R$ 5,10, e trai a avaliação de 10 entre 10 analistas sobre o que o Copom nos reserva. Ajuste de 1 ponto na Selic ocorreu em 2003, quando o comitê aumentou a Selic de 25,5% para 26,5%, informam Cassiana Fernandez e Vinicius Moreira, do J.P.Morgan, que aguardam a sinalização de nova alta de 1 ponto na Selic para setembro, desde que as condições atuais permaneçam até a próxima reunião do colegiado. Eles não estão sozinhos.

Em 18 anos, a maior ousadia do Copom foi elevar a Selic em 0,75 ponto percentual em três reuniões realizadas no período de 2008 a 2010, tempos para lá de turbulentos nas finanças internacionais pela crise subprime engrendrada nos Estados Unidos.

Nas estimativas do J.P.Morgan, o modelo econométrico do BC deverá apontar para inflação de 3,5% antes de 2022, um décimo acima da meta, considerando uma taxa Selic de 7% e dólar a R$ 5,15. Essas condições tornariam a mensagem da última reunião inconsistente, diz o J.P. Assim, o Copom precisaria ajustar sua comunicação e talvez apontar para juro "em torno de ou ligeiramente acima de neutro".

Os economistas também esperam que o comitê revele a sua projeção de 2023 com o IPCA ligeiramente abaixo da meta de 3,25%, considerando que o modelo preditivo do BC assume Selic neutra de cerca de 6,5%. “A declaração indicaria que a inflação do próximo ano traz mais peso [para sua decisão] que as projeções para o IPCA de 2023”, afirmam Cassiana Fernandes e Vinicius Moreira que trabalham com a seguinte escala de ajustes na Selic: mais 1 ponto em setembro, seguido de 0,75 ponto em outubro e 0,50 ponto em dezembro, encerrando 2021 a 7,5%. Nesse patamar, a taxa básica estará quase 4 vezes acima de 2% em março, quando o BC iniciou o atual ciclo de alta.

Questão fiscal

O BNP Paribas também projeta Selic de 7,5% ao final deste ano e de 8,5% em 2022. Inicialmente, as previsões eram de 6,5% e 7,5%, respectivamente, informam Gustavo Arruda, chefe de pesquisa para América Latina, e André Digiacomo, estrategista de juros e moedas também para a região. Eles vêem inflação de 7% em 2021 e trabalham com limite de 4% para o ano que vem e reconhecem que, embora a inflação em alta seja em grande parte explicada por choques específicos, o fato é que a inflação está se espraiando por toda a economia.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator, também vê aumento de 1 ponto na Selic nesta quarta, o que, na sua avaliação, torna praticamente inevitável outra alta idêntica em setembro. “A Selic vai a 7,5%, ou mais, a depender de como avance o Centrão sobre o Orçamento de 2022 e sobre as reformas em discussão no Congresso e de como a geada e a seca afetem a inflação. Lima Gonçalves alerta que alguns efeitos da ascensão do Centrão com sinais sobre a política fiscal, assustaram o mercado na semana passada, embora as indicações do Federal Reserve (o BC americano), mantendo os juros e as recompras de títulos, tenham sido bem recebidas.

“O risco fiscal segue em última análise como o determinante último, pois baliza do juro neutro. A melhora na relação Dívida/PIB e no resultado primário atual não é vista como melhora nos fundamentos”, pontua o economista. O cenário-base do Fator é Selic a 7,5% em dezembro.

O departamento de pesquisa macroeconômica do Itaú Unibanco, chefiado pelo ex-diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, revisou a projeção de inflação deste ano, de 6,1% para 6,9%. Para 2022, o IPCA deve chegar a 3,9%, ante 3,7% na leitura anterior. Por tabela, a Selic esperada deve chegar a 7,5% ao final deste ano – taxa que deve se estender em 2022.

Além da alta de 1 ponto na Selic na quarta-feira, o Itaú prevê rodada semelhante em setembro, 0,75 ponto em outubro e 0,50 ponto em dezembro por entender que o risco para inflação continua sendo alto porque duas condições sinalizadas pelo BC para uma “normalização mais rápida” da política monetária e materializaram: a evolução mais acelerada dos preços mais inerciais no setor de serviços; e as expectativas de inflação para 2022 continuam a subir.

Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, passou a projetar Selic de 7% ao final deste ano. E, informa no Relatório Macro da instituição, que alterou a estimativa de inflação também deste ano, de 6,4% para 7,1%. Honorato avalia que a dissipação de choques nos preços e a normalização da política monetária devem trazer a inflação de 2022 para 3,3%, abaixo do centro da meta, de 3,5%. O Bradesco reconhece que parte da inflação mais forte deriva da política econômica – por grande expansão fiscal e monetária, resultado na ampliação da demanda e depreciação cambial –, mas reconhece que o BC vem revertendo essas condições sendo uma das autoridades monetárias mais “tempestivas” entre seus pares em responder à inflação.

Alberto Ramos, chefe da área de pesquisas econômicas do Goldman Sachs, também vê alta de Selic acelerando a 1 ponto, para 5,25% nesta quarta, e espera que o comunicado do Copom e a orientação futura para a política monetária (forward guidance) sinalizem mais aumentos com o objetivo de alcançar a normalização total da política monetária. “Dada a deterioração das perspectivas de inflação, incluindo núcleo e serviços, o comitê poderá reconhecer no comunicado que poderá ter de conduzir a Selic acima do ponto ‘neutro’ para orientar a inflação para o centro da meta em 2022”, avalia.

Diretoria completa

Começa hoje, terça-feira, a reunião do Copom que termina amanhã com o anúncio da próxima Selic e do comunicado dos diretores do BC que compõem o colegiado. Desta vez, o quórum presencial estaria completo não fosse o diretor de Política Monetária, Bruno Serra, ter testado positivo para a Covid-19. Contudo, a diretoria colegiada é plena porque a economista Fernanda Guardado, já está no comando de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos.

Guardado teve sua indicação aprovada pelo Senado em 8 de julho e, na semana passada, 26, foi nomeada pelo presidente Bolsonaro. Desde o dia 27, a nova diretora integra a “Agenda de Autoridades” do BC. A economista – com graduação e mestrado em economia pela PUC-RJ e experiência de 10 anos no mercado financeiro – tem muito chão pela frente. O seu mandato expira em 31 de dezembro de 2023.

Fernanda Guardado substitui Fernanda Nechio que deixou a instituição.

Assine a EXAME e acesse as notícias mais importantes em tempo real.

De 1 a 5, qual sua experiência de leitura na exame?
Sendo 1 a nota mais baixa e 5 a nota mais alta.

Seu feedback é muito importante para construir uma EXAME cada vez melhor.

Para quem decide. Por quem decide.

Saiba antes. Receba o Insight no seu email

Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade

Continua após a publicidade
Citi descarta dominância fiscal, mas alerta para perda de força da política monetária

Citi descarta dominância fiscal, mas alerta para perda de força da política monetária

Galípolo deve se afastar de Lula: o conselho de um ex-diretor para o novo presidente do BC

Galípolo deve se afastar de Lula: o conselho de um ex-diretor para o novo presidente do BC