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De Lírio a Castello Branco: conselho da Vale vira disputa de R$ 500 bilhões

No auge de seu brilho na bolsa, mesmo com fantasma ambiental, companhia vira alvo de ativismo com lema de independência

Vale: gestão da maior empresa da bolsa brasileira vira alvo de disputa em seu primeiro ano "sem controlador" (Germano Lüders/Exame)
Vale: gestão da maior empresa da bolsa brasileira vira alvo de disputa em seu primeiro ano "sem controlador" (Germano Lüders/Exame)

Publicado em 14 de março de 2021 às 14:49.

Última atualização em 16 de março de 2021 às 10:47.

O mercado de capitais brasileiro está sendo convocado como nunca antes foi até esse momento na história. O que está em jogo é o futuro da Vale. Agora, esse coletivo sem rosto, nome ou telefone, é o único dono da mineradora. Desde novembro, sem nenhum acordo entre acionistas vigente, o capital da empresa está totalmente pulverizado na bolsa.

A assembleia anual de acionistas previstas para 30 de abril terá 16 candidatos para 12 vagas e uma disputa de nomes para a presidência do conselho de administração — o órgão máximo de governança e fiscalização de uma empresa, especialmente, de uma sem controlador. O que está em jogo não é nada pequeno.

Os nomes foram conhecidos na semana passada. O EXAME IN apurou com gestores de fundos de longo prazo de mercado que a lista de candidatos, de forma geral, oferece a perspectiva de formação de um conselho de qualidade. Contudo, será importante, apontam esses acionistas, que cada nome seja estudado e avaliado, junto com o contexto da empresa e o histórico de cada um.

Todas as empresas são importantes e têm uma função social. Mas com a Vale tudo é superlativo. Com o minério de ferro nas alturas, é hoje a maior companhia da B3, avaliada em R$ 500 bilhões. É a terceira maior empresa do país em receita líquida, com R$ 208 bilhões alcançados em 2020. Emprega 74 mil pessoas no mundo, 58,2 mil delas no Brasil.

É uma das maiores contribuidoras líquidas com a balança comercial brasileira. Dos US$ 40 bilhões arrecadados pela empresa no ano passado, só 7% foram vendas feitas no Brasil. Para completar tudo isso, a companhia guarda em seu histórico, as duas maiores tragédias ambientais do país (e humanas), com um saldo a cumprir ainda perante a sociedade da ordem de US$ 9 bilhões, conforme as provisões em seu balanço de 2020 para Brumadinho e Mariana.

Em uma companhia desse setor, que demanda investimento em inovação para mitigar o dano ambiental que está no cerne de sua operação e em segurança para o longo prazo, deixar tudo na mão de um conselho com eleição disputada pode ser um risco de que acionistas coloquem seus interesses à frente da empresa, a despeito de parecer altamente alinhado aos melhores princípios de governança.

Não poderá haver prevalência sobre as competências da discussão do bem contra o mal, de majoritários contra minoritários (até porque não existe nesse caso), do novo contra o velho.

A Vale colocou em marcha um amplo plano de mudança em sua governança em 2017, ao migrar para o Novo Mercado. Naquele momento, os controladores foram diluídos em seus poderes pela conversão das ações preferenciais em ordinárias. Firmaram um acordo de voto transitório que venceu em novembro passado.

Do grupo de ex-donos que lá estão como grandes sócios ainda restam Previ, Bradespar e Mitsui, que somam perto de 20% do capital juntas. BNDES era um grande acionista, mas vendeu o que tinha no ano passado. Junto com outros investidores menores, a fatia alcança quase 24%.

A eleição do conselho de 2021 é, portanto, encarada como ápice do processo de privatização e a real democratização do capital da mineradora. Contudo, não há agora entre os acionistas alguém que seja o principal representante pelos interesses de longo prazo do negócio. Não há um acionista de longo prazo que possa ser considerado de referência e prevalente na direção da gestão.

É dado como certo que, seja em maior ou menor velocidade, os ex-controladores devem monetizar ao menos parte do lucro que conseguiram com o ativo, do qual são sócios desde a privatização, em 1997.

Na Previ, por exemplo, que gere um total de R$ 240 bilhões, as ações da Vale representam nada menos uma fatia de quase 20% do patrimônio. A fundação responsável pela aposentadoria dos funcionários do Banco do Brasil (BB) é ainda hoje a maior acionista da mineradora, com aproximadamente 12% de seu capital. Ainda que o movimento deva ser lento, a direção é de saída, acredita o mercado.

Quatro nomes

Na sexta-feira, 12 de março, a Vale aprovou uma grande mudança em suas regras de governança corporativa, com a reforma de seu estatuto social, visando justamente se preparar para essa nova realidade de companhia sem dono. Entre as mudanças, que visam reforçar independência de sua administração e garantir profissionalismo, está a eleição individual para o conselho (não mais por chapa), a possibilidade de que os acionistas de mercado escolham o presidente desse colegiado, a previsão de um mínimo de sete membros independentes no coletivo (o que exige inclusive não ser vinculado a nenhum acionista).

Pois as medidas nem tinham sido ainda aprovadas em assembleia, e o atual conselho de administração da mineradora — que conduziu esse processo de transformação — já recebia a lista de quatro candidatos que alguns acionistas desejam incluir para a eleição deste ano, 24 horas depois de a companhia tornar pública sua proposta de 12 nomes.

A companhia facilitou a indicação de nomes para a concorrer com a permissão que fundos ou sócios com 0,5% do capital possam sugerir candidatos para o boletim de voto, nessa reforma estutária.

A proposta de nomes que partiu da Vale traz José Luciano Penido como sugestão para presidente do coletivo. O executivo, que já foi presidente da Samarco e da Votorantim Celulose e Papel (VCP), além de presidente do conselho da Fibria Celulose, está no conselho da Vale desde 2019 e agora ficaria para o mandato de 2021 a 2023. Junto com ele, mais onze nomes: seis que já estão no conselho e cinco novos.

A lista de quatro outros partiu do fundo Geração Futuro que cuida dos recursos do investidor e empresário Lirio Parisotto — mais alguns nomes de mercado como Victor Adler e ainda Tempo Capital, Argucia, Poland e Alaska,  mais RPS Partners  — e traz o mais novo mártir do mercado brasileiro para concorrer à presidência do colegiado: Roberto Castello Branco, ex-presidente da Petrobras, o homem demitido por Jair Bolsonaro por garantir que a petroleira mantenha paridade de preços de combustíveis no Brasil ao mercado externo. Antes de ser presidente da estatal, o executivo trabalhou na Vale por 15 anos, como economista e na área de relações com investidores.

A disputa pela presidência deve ser a mais quente de toda a lista de candidatos. A narrativa que pode viralizar no mercado é que será uma batalha entre o ex-Samarco Penido, ainda que ele tenha deixado a posição há 17 longos anos, 11 antes do acidente em Mariana, e Castello Branco, o mais novo herói da Faria Lima e Leblon.

Além de ser martirizado por Bolsonaro jogando contra o mercado, ainda tirou onda do presidente em sua última apresentação pública aos investidores na Petrobras, e adora atuar tanto sob holofotes quanto fazer costuras de bastidor — como a que levou à demissão de Fernando Musa, da petroquímica Braskem, que a sócia Odebrecht também queria trocar mas não se arriscava ao movimento.

Nessa corrida, o EXAME IN apurou que o calcanhar de Aquiles de Castello Branco — apesar de uma percepção muito positiva do mercado a respeito de sua capacidade de execução — pode ser a questão ESG, em especial o que diz respeito às temáticas ambientais e sociais, conforme a visão de investidores. Isso porque  a Petrobras está longe de ser um ícone do mercado nesse quesito, na visão de gestores de recursos. Além disso, alguns apontam que essas são as maiores carências de competências da Vale nesse momento, em especial na frente social,  devido à migração para o Novo Mercado e ainda às tragédias em Minas Gerais. Os fatores ambientais e de governança teriam avançado mais rapidamente do que a temática social, em amplos aspectos, dentro da empresa.

O grupo que adicionou quatro concorrentes à lista de candidatos ao conselho pede também que a votação seja feita pelo sistema de voto múltiplo, o que exige a solicitação de acionistas com pelo menos 5% do capital votante — que no caso da Vale é também o capital total, ou seja, donos de uma posição de ao menos R$ 25 bilhões.

A lista com nome de Castello Branco traz ainda Marcelo Gasparino, que já é conselheiro independente da Vale, mas não está na lista dos 12 propostos pela companhia para 2021.

O total fica completo com Mauro Rodrigues da Cunha, conselheiro independente com grande experiência, incluindo como ex-membro da Petrobras e atual membro da Eletrobras, Klabin e BR Malls e ainda um dos veteranos na defesa das boas práticas de governança corporativa no Brasil, e mais Rachel Maia, a ex-presidente da grife de luxo Lacoste e ex-diretora financeira da Tiffany que tem sido assediada por diversas companhias abertas desde que o Grupo Soma a colocou em seu colegiado.

Agilidade

A velocidade com que a lista de quatro nomes surgiu para rivalizar com a proposta da Vale indica que era um trabalho já anterior. Gasparino que já é conselheiro da Vale e que teve acesso à formação do grupo com antecedência, votou contra a lista de nomes na reunião do conselho realizada em 10 de março e se absteve de votar pela indicação de Penido à presidência do colegiado.

As informações constam da ata do encontro divulgada pela Vale. Foi a única resistência no conselho. A Vale colocou a íntegra de seu voto apenas ao fim do relatório sobre o trabalho de nomeação — página 87 de um relatório com 89 páginas. No texto, de uma página, ele destaca três argumentos principais para sua negativa: a falta de independência na formulação da lista, a não avaliação da disponibilidade de tempo dos indicados e a inexistência da indicação de candidatos "com perfil de especialista financeiro".

Gasparino também foi contra a sugestão da Vale para, nas mudanças de governança, incluir a possibilidade do voto negativo, para rejeição de candidatos. A mineradora não conseguiu implementar esse único item em sua proposta para o novo estatuto social após a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) apontar irregularidade na mecânica pretendida — devido à queixa levada ao órgão por ele mesmo.

A indicação à Vale foi levada pelo fundo de Lirio Parisotto, praticamente o berço da atuação de Gasparino no mercado como conselheiro de empresas abertas, há muitos anos, uma vez que sua especialização inicial é como advogado tributário. Mas, desde suas primeiras indicações, em 2012, pelo fundo Geração L Par, acumula uma experiência com 30 mandatos em conselhos de administração e cinco, fiscais. Tornou-se um reconhecido articulador de mercado.

O conselheiro encaminhou ao EXAME IN um posicionamento no qual nega vínculo ao investidor Parisotto. Afirma que é "indicado recorrente, desde 2013, de três grandes fundos, e, desde 2016, de seis — dois deles bem maiores que Geração L Par". Gasparino, reconhecidamente de confiança de diversos grandes investidores individuais, também afirma que nunca houve dúvida, por parte do atual conselho da Vale, de que seria um concorrente na eleição deste ano.

A disposição do executivo para competir por uma posição que tivesse mais candidatos seria clara, inclusive, desde a assembleia de 2020, quando nas articulações anteriores ao encontro se previa a indicação de dois nomes na eleição pelo processo de voto múltiplo.

Argumentos

A lista de quatro nomes sugerida para a Vale tem como argumento dos acionistas que a fizeram que a companhia precisa acelerar as mudanças em sua governança e cultura, uma vez que deixou de ter controladores, e ampliar a independência de seus membros.

Incomoda sobremaneira esse grupo de investidores, a forte presença ainda de Previ, Bradespar e Mitsui nas indicações ao conselho de administração com nomes não independentes — que, na visão deles, está na mão oposta do que o próprio novo estatuto da Vale prega. Especialmente, o fato de Coelho se colocar como candidato após a recusa do mercado à sugestão do voto negativo.

Importante lembrar, porém, que não se trata de uma disputa de chapas. O resultado final poderá ser uma mistura de nomes que partiram da companhia e do mercado — e outros ainda podem surgir. Os investidores serão livres para votar, nome a nome, em quem preferirem. E é nisso que o mercado aposta.

Conforme o EXAME IN apurou, ainda que nem todos vejam todos os candidatos dos ex-controladores como suas preferências, entendem como legítimas as indicações, dada as participações relevantes que esses acionistas ainda possuem. Não se trata, portanto, de uma revolta generalizada dos investidores e há comentários elogiosos ao trabalho de Coelho, da Previ, dentro do trio de nomes sugerido.

As análises estão ainda no começo, pois a convocação para a assembleia deve ocorrer somente na próxima segunda, dia 15, e o encontro, propriamente, no fim de abril. Tempo não faltará, há 45 dias para estudos.

Os nomes da Vale e a disputa

Além Penido, estão sugeridos para eleição do conselho pela Vale seis nomes que lá já estão: o atual líder do grupo José Maurício Coelho (presidente da Previ), Fernando Buso (Bradespar), Sandra Guerra (independente), Roger Downey (independente), Murilo Passos (independente) e Eduardo Rodrigues (ex-Vale). Desse grupo, cinco estão desde 2019. Já Buso chegou em 2015 e Sandra, em 2017.

Há cinco novos nomes propostos, quatro estrangeiros com experiência corporativa internacional: Clinton Dines (ex-CEO da BHP Billiton na China), Elaine Dorward-King (ex-líder de Saúde, Segurança e Meio Ambiente da Rio Tinto), Ken Yasuhara (ex-diretor da Mitsui e da Sumitomo no Brasil),  Ollie Oliveira (ex-executivo das mineradoras Anglo American e DeBeers) e Maria Fernanda Teixeira, que além de ter ocupado altos cargos de direção, foi fundadora do Grupo Mulheres Executivas de São Paulo e membro do Conselho de Diversidade e Desenvolvimento do Banco Mundial.

A sugestão desse coletivo partiu dos trabalhos de um comitê de nomeação, constituído em julho do ano passado e que contava com, além de Coelho, presidente do conselho de administração, os membros externos Pedro Parente e Alexandre Silva, ambos executivos com carreira em grandes companhias. O esforço contou ainda com a contratação de diversos estudos de consultoria que ajudaram na definição de uma matriz de competências necessárias para a gestão da Vale.

Independentemente do resultado, não se tem notícia no Brasil de alguma companhia que tenha feito trabalho tão profundo para formação de um conselho.

Como o grupo de ex-controladores da Vale garante, com voto múltiplo ou sem voto múltiplo, a eleição de seus representantes diretos e não independentes, a briga na mineradora deve ficar entre os nomes internacionais sugeridos pela mineradora e os quatro indicados pelos fundos liderados por Parisotto.

O fiel da balança poderão ser os investidores estrangeiros — com atuação tanto mais importante quanto mais omissa for a participação dos fundos nacionais. Juntos, BlackRock, Capital Research Global Investors e Capital World Investors somam cerca de 16% da mineradora. Mais uma vez, as agências de recomendação de voto ISS e Glass Lewis terão enorme capacidade de influência.

Pelas regras seguidas pela ISS, é possível que, das recomendações feitas pela Vale, Passos e Downey  não cumpram requisitos como, respectivamente, disponibilidade de tempo e independência. Passos conduz, atualmente (ainda não se sabe após as assembleias gerais deste ano), a presidência dos conselhos de Odontoprev, São Martinho e Tegma, além de integrar o colegiado da Suzano. Já Downey se desvinculou da Vale em 2017 e a consultoria consideraria que o ideal são cinco anos de afastamento para classificação como independente.

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