CVM abre processo sobre compra da Linx para avaliar risco ao mercado
Regulador confirmou ao EXAME IN abertura de processo para avaliar transação
Publicado em 13 de agosto de 2020 às 14:47.
Última atualização em 13 de agosto de 2020 às 17:48.
O negócio entre a Linx e a Stone caiu na rede de supervisão da xerife de mercado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A autarquia já abriu um processo administrativo para analisar a transação, de 6,04 bilhões de reais. A operação tem diversos elementos que fazem com que o regulador tenha de olhar o caso quase como por dever de ofício. A StoneCo vai comprar a Linx por meio de uma incorporação. O pagamento será feito 90% em dinheiro e 10% com ações da StoneCo, que é listada nos Estados Unidos A conclusão depende de aprovação das empresas em assembleia de acionistas. Só isso já levaria a uma análise da transação na rotina da casa.
Mas há outros componentes na operação. O que está tirando o sono de alguns investidores neste caso é que o trio de fundadores da Linx receberá 240 milhões de reais a mais para não concorrer com a empresa por 3 anos. E o presidente da companhia, Alberto Menache, vai levar outros quase 90 milhões de reais para ser presidente do conselho da operação de Software.
O EXAME IN consultou especialistas e a percepção é de que os pagamentos adicionais podem ser classificados como benefício particular para os acionistas e administradores da Linx. Pela lei, essa situação impediria o voto deles como sócios na assembleia de acionistas que precisa aprovar a incorporação. No contrato com a StoneCo — assinado antes desse debate surgir — eles se obrigaram de antemão a votar a favor, com uma participação conjunta de 14% do capital. A Linx é uma empresa de capital pulverizado na B3, sem acionista controlador majoritário.
Para completar o quadro de perda de independência na avaliação, o trio ainda enfrentaria uma espécie de pílula de veneno do contrato. Se a transação não for aprovada na assembleia, a Linx precisa pagar à Stone 151 milhões de reais.
Quando questionada sobre o caso e essas nuances, a CVM respondeu ao EXAME IN apenas que “o assunto objeto de sua demanda está sendo analisado no âmbito do processo administrativo 19957.005563/2020-75, em linha com o trabalho definido no Plano de Supervisão Baseada em Risco (SBR) da CVM. A autarquia não comenda casos específicos, e destaca que, por meio da Superintendência de Relações com Empresas (SEP), analisa, entre outros pontos, a regularidade das operações divulgadas, seja nos termos do SBR, seja em demandas do público em geral”.
Contudo, o caso prático se enquadra no que o SBR define como risco de inadequação à legislação e à regulamentação das propostas e decisões administrativas nas deliberações de assembleia e na condução dos negócios. Essa avaliação é feita pelo que o mercado chama de área técnica da CVM, seus superintendentes.
A operação enfrenta, portanto, um risco de execução. O tamanho desse risco, por enquanto, é pouco claro. Por parte dos acionistas, a primeira leitura é que eles aceitariam “deixar na mesa” esse prêmio extra que os fundadores receberão, uma vez que estão ganhando 34% de prêmio para seus fundos. Dessa forma, a menos que algum investidor decida abrir mão de seu ganho para brigar efetivamente pelo princípio da causa, não parece que surgirá algo “do mercado” que seja forte o suficiente para barrar o negócio. A Fama Investimentos, dona de 3% da Linx e uma das maiores acionistas, já se mostrou insatisfeita. Mas foi só ela ate este momento.
O entendimento é que o negócio tem tanto sentido estratégico que o acionista de Linx não pretende abrir mão dele por isso.
Tampouco se sabe se a CVM pode decidir dar uma avaliação prévia do caso, o que não é comum. É mais usual, estatisticamente, que o tema se transforme em um processo sancionador, quando são apuradas e confirmadas irregularidades na visão da área técnica do regulador. Ou seja, a apuração segue e depois o regulador vê se houve irregularidade. Quando há, é feita uma acusação, o chamado processo sancionador, e o caso vai para julgamento pelo colegiado da casa — ou é encerrado por meio de um termo de compromisso. Não se sabe ainda se há ou pode haver infração. Esse também é o primeiro negócio do universo da alta tecnologia em que as empresas têm valor e seus cérebros também — e muito.
No passado, a avaliação prévia da autarquia ocorreu em duas situações muito emblemáticas na casa, que acabaram paralisando reestruturações: um parecer do presidente Luiz Leonardo Cantidiano sobre incorporação da Tele Centro Oeste Celular pela Telesp Celular (por acaso, o advogado dos minoritários foi o atual presidente da autarquia, Marcelo Barbosa) e na primeira tentativa da Oi de migrar para o Novo Mercado, quando os controladores tentaram se atribuir um prêmio de 80%. Essa foi paralisada após parecer do presidente da xerife Marcelo Trindade.
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