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ESG

Contra queimadas, Votorantim aposta em créditos de carbono no Pantanal

Projeto pioneiro na Fazenda Bodoquena (MS) quer colocar conservação na lógica econômica, conciliando preservação e agropecuária

Bodoquena, no MS: Icônica, fazenda de criação de gado já recebeu até os Rolling Stones e tem metade da sua área conservada (Reservas Votorantim/Divulgação)
Bodoquena, no MS: Icônica, fazenda de criação de gado já recebeu até os Rolling Stones e tem metade da sua área conservada (Reservas Votorantim/Divulgação)
Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 25 de outubro de 2024 às 16:30.

No mesmo ano em que o Brasil teve recorde de queimadas, escândalos envolvendo projetos de conservação levaram os créditos de carbono de ‘desmatamento evitado’ (ou REDD+) a uma crise de reputação que se traduziu numa menor procura e em preços deprimidos.

Mas um dos maiores conglomerados empresariais do Brasil segue apostando forte neste tipo de solução para incentivar os esforços conservacionistas.

Pioneira em REDD fora da Amazônia, com créditos de desmatamento evitado no Cerrado e na Mata Atlântica, o grupo Votorantim agora está desenvolvendo um projeto semelhante também para uma fazenda do grupo no Pantanal.

“Vai ser uma grande oportunidade para poder aumentar a geração de recursos para conservação do bioma e que pode ajudar principalmente na defesa contra o fogo”, afirma David Canassa, diretor da Reservas Votorantim, braço do grupo criado ha três anos para reunir e desenvolver seus ativos ambientais.

O palco do novo projeto é a Bodoquena, uma propriedade icônica no Mato Grosso do Sul, próximo às divisas com a Bolívia e o Paraguai. Trata-se de uma das principais e mais respeitadas fazendas de gado no país, pioneira na aplicação do melhoramento genético desenvolvido pela Embrapa.

Com 70 mil hectares, dos quais a metade preservada ela fica na fronteira entre o Cerrado e o Pantanal e já atraiu até celebridades como os Rolling Stones na década de 60, encantados pela paisagem pantaneira (neste bioma, a fazenda é praticamente toda preservada).

A iniciativa nasce como uma referência nacional ao mostrar a geração de crédito de carbono como uma oportunidade para fazendas que possuem áreas florestais conservadas, sendo uma alternativa de receita que pode ser conciliada com atividades convencionais.

“Entendemos que o agronegócio é uma das principais atividades econômicas do país e, justamente por isso, ações de conservação e atividades produtivas podem e devem ser complementares”, diz Canassa.

Desbravando

Até pouco tempo atrás, os projetos de REDD+ do Brasil eram exclusividade da Amazônia – não só pela pressão de desmatamento no bioma, mas também porque eles só se viabilizavam economicamente em áreas amplas de floresta tropical, com muita vegetação em cima do solo e, consequentemente muito carbono.

A Votorantim já tinha desbravado o Cerrado, conseguindo enquadrar o bioma – cheio de particularidades, como muita biomassa abaixo do solo – na metodologia da Verra, principal certificadora.

Na Bodoquena, 8,9 mil hectares de preservação no Cerrado irão gerar mais de 45 mil crédito de carbono referentes ao período de 2021 a 2023.

O Pantanal também tem seus próprios próprios. Há vários anos trabalhando na metodologia, a Reservas Votorantim, em parceria com a consultoria ambiental Eccon, está submetendo a metodologia a Verra e aguarda aprovação.

“A primeira questão é que um lugar em que parte do ano fica alagado. E tem uma questão que são os solos turfosos, com muita matéria orgânica e não temos muita pesquisa sobre isso”, diz Marcelo Stable, gerente da Eccon.

(Não à toa, os incêndios no Pantanal são difíceis de apagar, porque é solo, rico em matéria orgânica, que pega fogo.)

Os mais de 36 mil hectares em processo de certificação devem gerar, na primeira emissão, cerca de 133 mil créditos de carbono referentes ao período de 2021 a 2023.

A título de ilustração, se cada crédito for vendido a US$ 5, preço pelo qual tem rodado alguns projetos de REDD+, trata-se uma receita potencial de R$ 3 milhões.

Nem tudo, no entanto, são complicações. A regularização fundiária do Cerrado e do Pantanal é muito mais pacificada. “Pode ter questões a serem pontualmente resolvidas, mas é muito diferente da situação do caos fundiário amazônico que nós temos no Brasil”, pontua Canassa.

Os resultados de conservação

As práticas adotadas na Bodoquena serão modelo para as empresas que desejarem gerar créditos de carbono no Pantanal. A fazenda monitora o fogo de maneira automática, por meio de um sistema de satélite que sobrevoa a área da propriedade e adjacências.

Quando um foco de fogo é identificado, o sistema gera um alerta e identifica o proprietário.

“Estamos monitorando isso há algum tempo e mais de 95% dos alertas que geramos até hoje são em áreas próximas a nossa propriedade e não na propriedade em si” diz Canassa.

“Conseguimos mostrar o resultado dos esforços de conservação. Se eu tenho, reincidentemente, fogo perto da propriedade e dentro da propriedade não tem nada, alguma coisa certa estamos fazendo.”

Além da parte ambiental, há preocupação também com a questão social – um fator crucial para os compradores de créditos de carbono.

“No Pantanal, vimos que tinha um aspecto importante que é a valorização das mulheres e a criação de cadeias produtivas inclusivas”, diz Canassa. No Pantanal, as famílias costumam morar nos chamados retiros, pequenos bairros dentro da fazenda.

Há ainda a preocupação com a melhoria na educação nas cidades. A Reservas já começou um programa importante em Miranda, na parte do Cerrado, em parceria com o Instituto Votorantim, que ajuda os gestores públicos a melhorar a qualidade do ensino.

Vencendo a resistência

Apesar de toda a crise do REDD+, a Reservas tem conseguido vencer a resistência.

Neste ano, vendeu todos os créditos de carbono do Cerrado, gerados no Legado Verde, em Niquelandia, num território da Companhia Brasileira de Alumínio, e também o PSA Carbonfloor, criado por ela e pela Eccon para remunerar a preservação na Mata Atlântica.

A empresa não abre preços, mas admite que os valores ainda ficaram abaixo do necessário para competir, de fato, com outras atividades econômicas.

As vendas foram feitas em parte para brokers e em parte diretamente para empresas, especialmente de serviços.

Com “capital paciente”, o grupo deve continuar fomentando e levantando à frente essa agenda.

“Na agenda climática, o que ouvimos sempre é que precisamos de atitude, projetos, engajamento, ambição, financiamento. E esse projeto entrega isso”, diz, Yuri Rogai, sócio fundador da Eccon.

“Colocar a conservação no modelo de negócio é um desafio altíssimo. E, com mídia negativa, morosidade da Verra, desafio metodológico, muitas das empresas acabam quebrando no meio do caminho”, acrescenta. “Precisa de alguém com esforço, paciência e credibilidade, como a Reservas Votorantim. Não vamos parar.”

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Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.

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