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Cimed quer ser “a Natura do setor farmacêutico” e gerar R$ 3 bi em receita

Companhia vai mais que dobrar produção de medicamentos e espera duplicar faturamento em dois anos

João Adibe Marques, CEO da Cimed: planos de crescimento passam por atividade de influencer para fortalecer e divulgar a marca (Cimed/Divulgação)
João Adibe Marques, CEO da Cimed: planos de crescimento passam por atividade de influencer para fortalecer e divulgar a marca (Cimed/Divulgação)
Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Publicado em 19 de abril de 2022 às 15:58.

Última atualização em 10 de janeiro de 2024 às 14:12.

Quem nunca precisou usar Neosaldina, Dorflex, Buscopan ou Novalgina ao longo da vida, que atire a primeira pedra. Os medicamentos, amplamente conhecidos pelo público brasileiro, são perfeitos para demonstrar como o setor farmacêutico vai na contramão dos demais. Enquanto você deve conhecer a marca das roupas que usa ou do computador que tem, dificilmente irá se lembrar, de bate-pronto, quem fabrica cada um desses remédios. De olho em mudar esse cenário e mostrar que o setor pode ser pop, a Cimed (que não fabrica nenhum dos citados acima) alia o investimento em produção ao branding para se tornar “a Natura do setor farmacêutico”, segundo o CEO, João Adibe Marques. A popularidade precisa, é claro, se converter também em dinheiro: a meta é dobrar a receita nos próximos dois anos, saindo de um patamar de R$ 1,5 bilhão para R$ 3 bilhões. O caixa, que está em R$ 216 milhões, deve ir para R$ 1 bilhão no mesmo período.

A meta traduz em boa parte o estilo de gestão do CEO: João Adibe é um executivo acelerado, que inclui em uma hora de conversa aspectos como a convivência em família, o crescimento da empresa, o lançamento do livro novo, planos futuros para a Cimed, rotina dos funcionários e conselhos sobre liderança. A empresa reza na mesma cartilha. “A Cimed é isso mesmo, tudo junto. A gente acaba de lançar um produto e já está pensando no próximo. Mal lançamos a fábrica nova e já estamos pensando no que vem pela frente”, diz o executivo, que vem de uma agenda lotada de entrevistas para contar mundo afora as novidades do negócio.

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Até agora, tem dado certo. Nos últimos dez anos, a Cimed passou do 36º lugar no ranking entre as empresas do setor para o terceiro. Em 2021, a companhia cresceu duas vezes a média do setor, tomando como base dados da IQVIA, consultoria de dados para a área da saúde. E o ritmo continua. Em 2021, a companhia se tornou uma sociedade por ações, mas de capital fechado (sem listagem em bolsa), e realizou sua primeira emissão de debêntures, no valor de R$ 450 milhões. O objetivo é usar o dinheiro para pagamento de dívidas de curto prazo e para acelerar a estratégia de expansão. 

Para atrair investidores (mesmo sem ter acionistas de mercado), a empresa divulgou no último ano um relatório nos moldes do que é feito por companhias abertas e fez uma teleconferência com analistas para explicar mais sobre a empresa e sobre o setor. “A transparência é um traço muito forte da Cimed e a gente quis explicar mais para os analistas. Tivemos 120 pessoas no call e mais de 1,5 mil acessos ao documento”, diz José Roberto Lettiere, CFO da Cimed. A empresa já está pavimentando seu caminho até o mercado, para além da estreia com essa emissão de debêntures, ainda que uma oferta pública inicial (IPO) ainda não esteja no horizonte. 

Questionado a respeito da posição de caixa para os próximos dois anos e uma possível relação com aquisições, João afirma que a ideia é comprar empresas já estabelecidas, caso esses ativos eventualmente apareçam. “Eu quero comprar do meu tamanho. Menor do que isso vai estressar a cadeia. Hoje, minha demanda é maior que minha capacidade produtiva, então não vou comprar para ‘fazer número’”, diz. 

A maior parte do caminho percorrido pela Cimed nos últimos anos foi pautada na trajetória da companhia de fornecer medicamentos acessíveis, cujo preço seja competitivo o suficiente para ser escolhido pelas classes sociais com renda mais baixa. Isso depende, é claro, de escala: fabricar muito para diluir o custo em uma base grande de produtos. 

Para isso, a Cimed investe em verticalização desde os anos 1990 e, hoje, afirma ser a única empresa do setor no Brasil sem intermediários para levar os produtos ao varejo. “Em um país com 80 mil pontos de venda, eu atendo cinco mil pontos, não tenho dependência de distribuidor”, diz o CEO. 

Hoje, a capacidade produtiva da companhia é de 40 milhões de unidades por mês, número que deve passar para 100 milhões nos próximos dois anos, com a inauguração da nova fábrica da companhia, em Pouso Alegre, que levou um investimento total de R$ 500 milhões. Apesar de já estar operando, os medicamentos fabricados nela só poderão ser vendidos em 2023, por causa de regras da Anvisa para avaliação dos produtos finais. Traduzindo em prazos: um medicamento que fica pronto hoje, dentro dessa planta, deve ser avaliado só daqui a seis meses. 

“Quando o Lettieri [CFO da companhia] viu que os juros estavam baixos, em 2020, me avisou que seria a oportunidade perfeita para tomar crédito dos bancos e terminar a construção da fábrica em pouco tempo. Eu desconfiei no início, sou muito conservador em tomar dívida [risos]. Mas deu certo, está aí o projeto pronto. Enquanto os concorrentes ‘travaram’, a nossa empresa cresceu”, diz João. 

O principal ramo da Cimed é o dos OTCs (Over the Counter, ou no popular, remédios vendidos no balcão, sem necessidade de receita). Na pandemia, um baque: o segundo produto mais vendido da empresa, o Cimegripe, despencou 70% em vendas em 2020. Para segurar a queda, a companhia investiu pesado em produtos para a imunidade — ampliando a liderança em vitaminas no país. 

Com a reabertura e a vacinação, que trouxe casos de Covid-19 mais parecidos com uma gripe forte, o estoque da companhia de dezembro e janeiro, que era destinado ao inverno de 2022, já foi totalmente consumido. Os estoques de segurança caíram pela metade. E o resultado é que a companhia já praticamente superou o ano passado em vendas.

“Daqui para frente, nós temos um mega desafio. Eu estou passando por um momento inédito de ‘fugir’ dos clientes porque não tenho como entregar mais produtos. A principal dificuldade é a cadeia de insumos, que tem que ser trabalhada com muita antecedência, como sempre fizemos”, diz João.  

Além disso, a companhia aposta em medicamentos genéricos. “Por que eu acredito nisso? Porque só 35% do mercado brasileiro consome [genéricos], sendo que nos Estados Unidos esse percentual é de 90%. Quem tem mais poder aquisitivo? O americano. E por que ele compra? Educação. Daí vem a estratégia de fortalecer o branding da Cimed”, afirma João. A escolha por um medicamento genérico depende quase que exclusivamente de uma combinação entre preço e confiança do consumidor no laboratório fabricante. 

Produtos “no espaço”, mais tecnologia e marca reconhecida

A estratégia de tornar a marca mais conhecida vem de dentro para fora, por assim dizer. O escritório da empresa, todo amarelo, lembra mais o ambiente de uma startup do que de uma companhia de um nicho tão tradicional. 

Da porta para fora, o CEO tem uma estratégia e um comportamento de influenciador, com mais de 1,1 milhão de seguidores no Instagram. Com lives diárias às 6h, aborda conselhos sobre carreira e discute temas em parceria com pessoas influentes em outros segmentos. O exemplo mais recente foi um bate-papo com o empreendedor Kondzilla, produtor conhecido pelos clipes de Funk e cujo foco é fornecer conteúdo para o jovem de Favela, segundo a descrição da própria produtora. 

Além das lives, João lançou recentemente um livro sobre a trajetória da Cimed, “Meu Sangue Amarelo” e, em vez de uma tradicional noite de autógrafos, fez um evento sobre vendas e empreendedorismo para 7 mil pessoas no Ginásio do Ibirapuera. Colaboradores, admiradores da empresa e até mesmo concorrentes puderam comparecer ao local, que teve convidados como Thiago Nigro, Alfredo Soares, Larissa Manoela e Thelma Assis.

Com o propósito de tornar a marca uma inspiração para gerações mais jovens e aliar essa percepção à inovação, a Cimed passou também a investir no teste de produtos realizado no espaço. A oportunidade veio, segundo João, do Instagram. O dono da empresa responsável pelos testes encontrou o CEO da Cimed e, em seguida, falou com o marketing da companhia. Depois de vários trâmites com NASA e SpaceX, em negociações que demoraram nove meses para serem concluídas, as coisas vão sair do papel.

“Todo mundo quer envelhecer com qualidade de vida. Quando começamos a falar sobre isso, na empresa, entramos no papo de antioxidantes e a narrativa que essa empresa nos apresentou foi de que, no espaço, todos os astronautas perdem muitos radicais livres. Aí vimos algum sentido em levar produto para o espaço. Isso sem falar no desenvolvimento acelerado, por causa da diferença na gravidade”, diz João. A parceria terá duração de quatro anos e vai completar os esforços do instituto de P&D mantido pela Cimed há vinte anos. 

Com o processo de produção acelerado, a ideia é que a Cimed possa testar e desenvolver novas moléculas mais rápido. Esse é um ponto-chave para que avance na competição contra outras empresas que fabricam genéricos, segundo o executivo.

“Meus concorrentes têm três vezes mais moléculas do que eu tenho. Um medicamento leva três anos para ser feito, mesmo depois da quebra de patente, então quanto mais cedo a gente conseguir ter acesso a novas moléculas, melhor”. Hoje, a empresa tem 150 produtos sendo estudados no país. Em 2021, foram lançados 55. A taxa da empresa para as pesquisas é de 98% de assertividade, a fim de evitar o desperdício de recursos, principalmente financeiros.

Além de estudar mais moléculas continuamente, a Cimed planeja, para o futuro, entrar de forma cada vez mais significativa no segmento de consumo, responsável por 35% da receita da companhia hoje. A meta é aumentar o percentual para 50%, principalmente em razão do aumento de margem. Para chegar até lá, a farmacêutica firmou um contrato com uma startup, a fim de rever toda a metodologia de PDVs nas farmácias — já que os produtos não são vendidos em supermercados.

A ideia é que o acordo também dê à Cimed mais capacidade para explorar tecnologia e entender melhor quem são os clientes que consomem a marca hoje. “Eu entrei em uma conversa com a Anvisa sobre bulas de remédio recentemente, por exemplo. Vejo a oportunidade de transformá-la em algo digital e que eu consiga acoplar um CRM a ela, trazer dados sobre os clientes para a gente, porque hoje, isso ‘morre’ na farmácia”, diz João.

O olhar atento ao futuro é o que move a companhia, fundada há 45 anos. Na quarta geração de líderes, o que a Cimed quer, cada vez mais, é se transformar em uma companhia querida pelos brasileiros — tanto pelos preços baixos quanto pela admiração à marca. A comparação com a Natura vem daí, ao acreditar que uma empresa de medicamentos pode ocupar seu filão entre as companhias consideradas “orgulho nacional”.

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Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Formada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.

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