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Cinema

Candidato do Brasil à Palma de Ouro, 'Motel Destino' adentra o masculino em noir tropical

Sem a força de outros filmes de Karim Aïnouz, longa suarento traz alegria e paixão para a tela; conversamos com o diretor e o elenco, que concorrem ao prêmio máximo de Cannes

Aïnouz: “A força do feminino é muito presentes em todos meus filmes. Mas nunca tinha adentrado com profundidade no masculino" (Divulgação)
Aïnouz: “A força do feminino é muito presentes em todos meus filmes. Mas nunca tinha adentrado com profundidade no masculino" (Divulgação)

Publicado em 25 de maio de 2024 às 08:06.

CANNES – Karim Aïnouz faz um cinema quente, de texturas, sons, cheiros, atmosferas. Ele quer que o espectador se sinta como os personagens em seus espaços, seja a Lapa marginal (Madame Satã), uma cidade do sertão (O Céu de Suely), Berlim (Praia do Futuro), o Rio de Janeiro dos anos 1950 (A Vida Invisível) e a Inglaterra de Henrique 8º (Firebrand).

Não é diferente com Motel Destino, exibido em competição no 77º Festival de Cannes, e candidato à Palma de Ouro na noite de hoje. “É muito feliz estar em Cannes, um lugar da celebração do cinema”, disse o cineasta em entrevista na Riviera Francesa.  

Para quem esperava um trabalho com a força de filmes anteriores do cineasta, como Madame Satã, O Céu de Suely e A Vida Invisível, no entanto, Motel Destino é um tanto decepcionante.  

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Aqui, o ambiente é o motel de beira de estrada em uma cidade praiana do Ceará, o Estado natal do cineasta, que não filmava lá desde Praia do Futuro, lançado em 2014.

Não só Motel Destino foi rodado em terras cearenses, com apoio do governo do Estado, mas também partiu do Laboratório de Cinema da Porto Iracema das Artes, do qual Aïnouz participa. O elenco também é majoritariamente local.  

Heraldo (Iago Xavier) é um jovem que sonha em se mudar para São Paulo. Mas, antes, precisa fazer um serviço para Bambina (Fabíola Líper), líder do bando do qual ele faz parte. Quando a ação dá errado, Heraldo procura abrigo no motel gerenciado por Dayana (Nataly Rocha), que decide abrir o portão para o rapaz.  

Dayana é casada com Elias, um ex-policial do Rio de Janeiro que se refugiou no Ceará, comprando o motel. É um sujeito bronco, violento, por vezes engraçado, em uma atuação cheia de nuances de Fábio Assunção. Surpreendentemente, Elias deixa Heraldo ficar. O rapaz passa a fazer pequenos reparos e a ajudar Dayana na limpeza. 

O motel, território de suposta liberdade, é, na verdade, claustrofóbico, um bunker sem janelas em que gemidos e gritos viram mais uma camada de sufocamento. “É um espaço de confinamento e de opressão, porque o Elias exerce seu poder e consequentemente abusa dele”, disse Assunção.

A chegada de Heraldo bagunça o casamento precário de Dayana e Elias e promove uma desconstrução do reinado dele. “As consequências são trágicas e violentas”, disse o ator.  

Dayana lida com seu marido da maneira como consegue. Heraldo, perdido no mundo, serve como porto seguro. Ela se vê no meio de dois modelos de masculinidade. “Eu fiquei muito interessado em investigar o que é o masculino”, disse Karim Aïnouz.

“A força do feminino e a vulnerabilidade feminina são temas muito presentes em todos os filmes que já fiz. Mas nunca tinha adentrado com profundidade no masculino. Comecei com o Antenor, personagem de A Vida Invisível, e depois com o rei Henrique 8º de Firebrand. Mas aqui é como se eu pudesse fazer uma espécie de anatomia desses masculinos. Um que vem do desamparo e da exclusão, resultando em uma pessoa fraturada, que é o Heraldo, e outro vindo do tóxico, do abuso, que é o Elias.”

Para o cineasta, Motel Destino foi uma chance de fugir do conforto de falar de mulheres. “Seria muito fácil fazer um filme em que a Dayana se associa a outra personagem feminina para tentar escapar de uma situação da opressão. Queria ter os dois lados do masculino.”

Mesmo que haja pobreza, desespero, violência, Karim Aïnouz aposta na esperança, na saída. “Motel Destino para mim é um filme sobre recomeço, sobre segundas chances, que, mesmo que a nossa vida ande perdida por aí, e o destino seja cruel, a gente sempre tem uma chance de recomeçar”, disse o ator Iago Xavier, que estreia no cinema e encantou Cannes com seu carisma e dança no tapete vermelho e na sessão de gala no Grand Théâtre Lumière.  

Há também muita alegria, vida, paixão mesmo – um reflexo do brasileiro. Além de muito suor, transportando o espectador para aquela praia do Ceará. Uma das melhores cenas traz o trio se divertindo ao som de Pega o Guanabara, de Alanzim Coreano e Wesley Safadão. 

Para o diretor, Motel Destino busca apontar caminhos para a superação das divisões. “A gente pode se encontrar no outro enquanto ser humano, sem querer matar o outro”, disse. “Quando você abre uma porta, escancara uma fronteira e vê no outro algo que também está em você.”

Karim Aïnouz embala essa história de paixão e comentário social como um noir tropical, um thriller erótico (não faltam cenas de sexo), com toques de melodrama e fantasia. “Eu acho que você pode ter vários gêneros ao mesmo tempo, pode ser homem e mulher, ficção e documentário”, afirma o cineasta. 

Sua tentativa é de capturar a atenção do público. “A principal preocupação é o cinema”, disse Karim Aïnouz. “Queria ver como fazer um filme que interpele as pessoas para estarem nele, desejarem assisti-lo. Depois da pandemia, a gente passou por um momento muito sério de falta de fé no cinema. Antes de qualquer coisa, queria que as pessoas se esquecessem de que estavam vendo um filme. Mas não tem muito como fazer cinema no Sul Global sem falar de questões urgentes. O que nos une no Sul Global é a urgência. E ela não está no primeiro plano, mas no DNA do filme.”  

Motel Destino passa na tela com facilidade, mantendo um bom ritmo quase o tempo todo, com uma queda ali na metade. Os ótimos créditos iniciais e finais contribuem para elevar a energia.

Mas o roteiro tem certa dificuldade na finalização. O uso de uma solução quase fantástica para um problema que na vida costuma ser insolúvel nem é o problema. A questão é que o filme parece querer falar tudo no final – sobre a paixão, sobre a questão social –, enfraquecendo seus pontos.

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Mariane Morisawa

Jornalista e crítica de cinema, Mariane Morisawa tem mais de 25 anos de experiência, com passagens por Folha de S. Paulo, Elle, Marie Claire e IstoÉ Gente. Desde 2008 colabora com as editorias de cultura dos principais veículos do país

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