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As dúvidas (e o otimismo) do mercado com a nova lei de debêntures de infraestrutura

Com mercado de crédito em recuperação, bancos, gestoras e wealth veem nova modalidade com bons olhos

Crédito: mercado ganha novo instrumento - mas 2024 ainda deve ser só o começo (Getty Images/Getty Images)
Crédito: mercado ganha novo instrumento - mas 2024 ainda deve ser só o começo (Getty Images/Getty Images)
Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Publicado em 14 de janeiro de 2024 às 11:58.

Última atualização em 15 de janeiro de 2024 às 11:06.

Depois de um intenso vaivém entre Câmara e Senado desde 2020, a lei nº 14.801, que regulamenta as debêntures de infraestrutura, foi finalmente sancionada na última semana. O novo tipo de emissão traz como característica principal o benefício fiscal aos emissores, em contraste às debêntures incentivadas, nas quais esse benefício fica com o investidor, com a isenção de imposto de renda principalmente para pessoas físicas. O texto foi recebido com otimismo pelo mercado, que vislumbra a possibilidade de engordar o mercado de crédito privado com emissões mais atrativas para uma gama maior de fundos de investimento — com destaque para fundos de pensão. 

Nesse cenário, é um consenso que as emissões incentivadas (destinadas principalmente a pessoas físicas e a fundos de infraestrutura) não vão deixar de existir da noite para o dia — mas paira, por enquanto, a dúvida a respeito de como ficará a liquidez de cada um desses mercados.

O mercado de crédito privado cresceu e se desenvolveu principalmente ao longo dos últimos cinco anos, com a redução de linhas subsidiadas do BNDES e o consequente financiamento de projetos por meio do mercado de capitais. Mas ainda há um longo caminho a trilhar. De acordo com os dados mais recentes da Anbima, as ofertas primárias de debêntures totalizaram R$ 196,5 bilhões no acumulado de janeiro a novembro, quase três vezes mais do que há dez anos atrás (R$ 69,4 bilhões). 

Trata-se de um mercado em desenvolvimento. Com uma particularidade importante: ao contrário do mercado de ações, em que não existe uma parte para pessoas físicas negociarem e outra para o mercado institucional, o mercado de crédito privado se comporta exatamente dessa forma. É uma característica ligada a um segmento ainda em expansão: hoje, dos R$ 5 trilhões de portfólio em renda fixa, o crédito privado responde por apenas 5%. Em outros mercados mais maduros, como os Estados Unidos, essa segmentação fica menos evidente, com todos os agentes fazendo parte do mesmo bolo.

Daí vem a dúvida do papel que o novo formato de captação introduzido pela nova lei deve desempenhar. E de como vai se relacionar com o mercado de debêntures incentivadas, voltado principalmente para pessoas físicas. “O ponto prático de atenção é a fragmentação ainda maior de um mercado que está em franca expansão, que é o mercado de títulos corporativos, mas que ainda não é ultra líquido. Criar um novo nicho de ativos de crédito hoje é financeiramente eficiente para o emissor, mas pode demorar para ganhar tração por causa das incertezas sobre segmentação adicional e o que fazer com o legado de isentos no mercado atual”, diz Odilon Costa, head de renda fixa do Grupo SWM. 

Para além dos efeitos às pessoas físicas, entram nesse ‘bolo’ também os fundos de infraestrutura. Na visão de Ulisses Nehmi, gestor da Sparta, o novo dispositivo não deve (ao menos por enquanto) ser abraçado por esse público, por dois motivos, como apontou em um post no LinkedIn. Primeiro, pelo fato de que as debêntures de infraestrutura não contam para o enquadramento mínimo de 85% de debêntures incentivadas que esses fundos precisam ter e, em segundo lugar, se os fundos de infraestrutura (FI-Infra) comprarem debêntures desse tipo, essa aplicação vai ser tributada na carteira do fundo em 10%. 

“[A compra desses ativos] só deve acontecer se tiverem uma taxa pra lá de atrativa, que mesmo considerando esses dois pontos, o gestor ainda ache que vale a pena. Eventualmente num momento de stress no mercado secundário, o gestor que trabalha com gestão ativa pode garimpar algumas oportunidades”, diz.

Mais otimismo do que pessimismo

Ambas as visões, entretanto, não significam um pessimismo com o novo instrumento de captação. A percepção do texto aprovado é essencialmente positiva, na medida em que traz um benefício fiscal relevante aos emissores e pode, no final das contas, tornar o mercado de crédito privado ainda maior. 

Se por um lado, os fundos de infraestrutura não devem se interessar, à primeira vista, por esses títulos, as expectativas estão redobradas com todos os demais fundos de investimento, incluindo os fundos de pensão. 

O racional é o de que, com as deduções no imposto de renda realizadas por emissores, os títulos sob a nova lei de debêntures de infraestrutura devem trazer remunerações mais atrativas a esse público — excluído, até então, das debêntures incentivadas.

“Um ativo que esse tipo de investidor adora comprar é a NTN-B com vencimento em 2050, que estava pagando em torno de IPCA+6% ao ano, já acima dos patamares de rentabilidade que eles tinham de entregar aos cotistas. Caso as novas debêntures de infraestrutura entreguem uma rentabilidade significativamente mais alta do que isso, esse público com certeza vai entrar”, diz Leonardo Ono, gestor de crédito privado na Legacy.

Na visão dele, o novo formato de título não representa uma disrupção em relação aos dois grandes grupos do mercado de crédito privado atual (ativos isentos de imposto de renda e não isentos de IR) e, portanto, não deve eliminar outras classes de ativos.

Nehmi, da Sparta, afirma que a gestora segue acompanhando o tema de perto, acreditando em uma visão neutra ou, no limite, positiva. “Considerando os extremos: (a) caso as empresas não adotem o novo instrumento, nada muda nas debêntures incentivadas; (b) se houver substituição total no pipeline de emissões pelo novo instrumento, a redução na oferta de novas debêntures incentivadas poderia valorizar as existentes até que se alcance um novo equilíbrio”, diz.

A percepção também é compartilhada do lado de emissores. Para Rafael Garcia, head de DCM do Bradesco BBI, as debêntures incentivadas continuarão tendo seu espaço no mercado, principalmente por causa do prêmio de risco pequeno que exige. “Além disso, são prazos muito alongados, difíceis de conseguir em outros instrumentos. Se emissores têm acesso a uma captação incentivada, é melhor que tomem esse dinheiro. É muito barato”, diz Garcia.

Dentro do banco, a procura por emissores dentro dessa nova categoria de títulos já começou. Em meio ao cenário de queda de juros, a expectativa do executivo é de um ano aquecido para o segmento, tanto para as debêntures incentivadas quanto para as de infraestrutura. Ainda assim, Garcia acredita que o interesse dos fundos de pensão sobre o segundo grupo não deve ser algo imediato. 

“Em muitos fundos de pensão, a gestão é terceirizada, muitos deles não têm interesse em prazos tão longos e, em muitos casos, ainda precisam construir a capacidade de fazer a análise de crédito necessária. Esperar um volume monstruoso para 2024 é algo irreal, mas o otimismo existe”, afirma.

Ainda do lado da emissão, empresas menores também estão indo atrás de oportunidades. A Bloxs Capital Partners, focada principalmente no financiamento de usinas fotovoltaicas, acredita que o middle market (operações de R$ 100 milhões a R$ 200 milhões) também pode ganhar um empurrão com a nova legislação. Hoje, a plataforma reúne 340 investidores institucionais em seu pool de compradores e trabalha em R$ 1,4 bilhão em operações de infraestrutura (com cada uma na casa dos R$ 200 milhões).

Do lado do wealth management, que já aproveitava os benefícios fiscais das emissões incentivadas nas carteiras administradas, a visão é de que o ponteiro deve mexer pouco com a nova lei. “O que deve mesmo exercer impacto em relação ao crédito é o come-cotas dos fundos exclusivos, levando o investidor para os títulos incentivados”, diz Renan Rego, sócio da G5 Partners, que administra mais de R$ 30 bilhões.

Daqui para frente: o que ainda falta definir na nova lei

O otimismo vem após um ano difícil para o segmento de crédito privado. Com as crises de Americanas e Light, o setor  teve um forte solavanco no último ano, mesmo com a reversão dos saques no segundo semestre. De acordo com estimativas do Banco ABC Brasil, os resgates somaram R$ 40,5 bilhões no último ano. Os dados consideram 2.086 fundos, com R$ 1,62 trilhão de patrimônio líquido e pelo menos 15% alocados em crédito privado. 

O argumento de que há apetite para infraestrutura fica claro. Mesmo nesse cenário crítico, ainda segundo estimativas do banco, fundos de infraestrutura fecharam 2023 com uma captação líquida de R$ 9,5 bilhões. A amostra é de 371 fundos, que somam patrimônio de R$ 73,7 bilhões.

O momento é mais do que propício, portanto, para aumentar a gama de interessados nesse tipo de ativo. Para além do benefício tributário, a nova lei traz atualizações importantes em relação à de debêntures incentivadas, aprovada em 2011. Entre esses pontos, destaca-se o ‘rito automático’ de aprovação de projetos por ministérios. Resumidamente: com a lei anterior, era necessário submeter os projetos candidatos a uma captação incentivada à aprovação do respectivo ministério a que se subordinava (exemplo: para uma captação de rodovias, era necessário ter o ok da ANTT). A partir de agora, tanto para as debêntures de infraestrutura quanto para as incentivadas, esse rito fica dispensado. 

Além disso, a nova lei prevê, ainda, que as debêntures de infraestrutura tenham um componente cambial — que, espera-se, ajude a atrair a atenção de investidores estrangeiros. "Não tinha essa possibilidade para as incentivadas e é algo que deve abrir mais oportunidades para o investidor estrangeiro", diz Rodrigo Petrasso, sócio do Toledo Machetti Advogados.  O formato como isso poderá ser feito, entretanto, ainda deve ser definido pelo Executivo. 

Outro ponto que ficará claro em breve (mais precisamente, daqui 30 dias) é a definição clara de quais tipos de emissores poderão captar dinheiro via debêntures de infraestrutura. 

“É uma repetição do caminho seguido na época da regulamentação da lei de debêntures incentivadas, em 2011. Pouco tempo depois da lei 12.431 — que trouxe ao mercado os títulos com isenção de imposto de renda para pessoa física —  veio o decreto nº 8.874, que trouxe as especificações de quem poderia ter acesso a esse tipo de instrumento”, diz Thiago Giantomassi, sócio de mercado de capitais do Demarest Advogados.

A expectativa do mercado é de que haja pouca variação em relação aos emissores das debêntures incentivadas, com destaque para o setor elétrico (que terá de investir R$ 100 bilhões em projetos ao longo dos próximos dez anos, segundo dados da EPE) e para o de saneamento (diante da meta de universalização dos serviços imposta pelo marco legal do setor). 

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Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Formada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.

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