A arte da guerra da Shein, muito além da vantagem fiscal
Estudo da consultoria Heartman House estima que vendas da varejista de moda vão mais que quintuplicar até 2027
Raquel Brandão
Repórter Exame IN
Publicado em 19 de setembro de 2023 às 09:15.
Última atualização em 19 de setembro de 2023 às 20:53.
Na disputa por território, a plataforma asiática Shein ganhou seu espaço e dificilmente vai perdê-lo – para dor de cabeça das varejistas de moda nacionais.
A consultoria de gestão Heartman House calcula que os US$ 23 bilhões de GMV (volume bruto de vendas) obtidos em todo o mundo em 2022 vão quase quintuplicar até 2027, chegando a US$ 100 bilhões. Num cenário moderado, esse GMV chegaria a US$ 76 bilhões e, no mais pessimista, a US$ 48 bilhões.
O relatório antecipado ao EXAME IN considera diferenciais da Shein como preço baixo e catálogo intenso, a forte atuação nas redes sociais e a cadeia de suprimentos e vantagens fiscais com que a empresa conta.
Essas vantagens competitivas são o que a consultoria chama de o “Tesuji” da Shein, a estratégia da empresa para sair vencedora nesse “Weiqi”, nome chinês dado a um jogo de tabuleiro similar ao WAR, em que o que importa é ocupar mais e mais territórios.
Criada em 2008, a Shein já se tornou a mais valiosa varejista de moda do mundo em 2022, com distribuição em 150 países e um reinado inquestionável no TikTok, Youtube e Instagram. Apenas no Brasil, a marca é a mais seguida no TikTok e no Instagram, com 11,8 milhões de seguidores. A estimativa da equipe de analistas de varejo do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME) é de que a empresa tenha faturado R$ 8 bilhões no ano passado no país e gerado um quarto das vendas online de moda.
O ponto que tem atraído mais atenção com o avanço acelerado é o que o varejo vem alegando como falta de isonomia fiscal. A indústria e o varejo de moda alegam que o valor final de impostos pagos pela Shein não é, nem de longe, a média paga pelos fabricantes e comércio nacionais, já que boa parte dos pacotes da varejista chegam ao país isentos do imposto de importação.
Mas a vantagem fiscal é apenas mais dos aspectos na estratégia da Shein, segundo a Heartman House. A companhia conseguiu fortalecer o tripé de sua estratégia em uma forte cultura de data analytics, o que lhe permite engajar mais e também reagir mais rapidamente diante da demanda e das tendências -- os cálculos são de que de 5 mil a 8 mil SKUs são lançados diariamente no site da Shein.
“A marca da Shein foi quase que construída ‘embedded’ no Tik Tok. É uma integração perfeita do público, interesses e dinâmica de negócio para criação de desejo e consumo”, observa Vinicius Garcia, sócio-gestor da Heartman House.
A estratégia da Shein é produzir muitos produtos em menores lotes. Os estoques da plataforma são de 15 a 20 dias, a média da indústria da moda é de três a seis vezes maior. E nisso, observa Garcia, a plataforma opera isolada, como a única marca real-time.
“Em termos de cadeia produtiva, vantagem tributária e preço, acreditamos que a vantagem enorme atual deve diminuir nos próximos anos, mas não no curtíssimo prazo”, diz o consultor.
Mexer na cadeia requer tempo e ir para a batalha do preço é estratégia arriscada e que coloca as margens, já apertadas das varejistas, em risco.
Mesmo sendo o terceiro país mais caro para se comprar entre os que a Shein opera, os preços para os clientes brasileiros da marca ficam bem abaixo de todos os competidores nacionais.
Enquanto uma cesta de produtos com vestido, camisa, jeans, saia e bolsa saía por R$ 649 na Shein em 2022, na Renner a mesma sacola não era vendida por menos de R$ 1090. “As marcas devem criar outros diferenciais e aproveitar a estrutura física para isto, que a Shein não possui”, argumenta Garcia.
A empresa assumiu o compromisso de produzir 85% com fornecedores brasileiros, investindo R$ 750 milhões, até 2026, o que deve ter impactos para a questão dos preços. Isso porque aumentará a incidência de tributos, além dos próprios custos de produção que são mais altos no Brasil do que na China, como os salários.
A empresa anunciou uma parceria com a Coteminas, comandada por Josué Gomes, presidente da Fiesp, para trabalhar com 2000 fornecedores da empresa têxtil brasileira. Hoje, segundo a Shein, já existe um piloto com nove fábricas produzindo para ela. O desafio, diz Garcia, está no controle e fiscalização dessa produção local. Por exemplo, se parte do processo produtivo estiver no Brasil, considera-se que ele foi feito aqui?
“Ainda assim, acreditamos que por maior que seja o expertise em cadeia de produção da Shein, ela perderá parte da vantagem”, diz ele. O impacto, porém, é só uma redução no ritmo de crescimento, mas não um recuo na disputa pelos espaços vazios do tabuleiro.
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Raquel Brandão
Repórter Exame INJornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado