Valim e Zarlenga se unem em busca de inovações industriais para SPAC
A Qell LATAM Partners é a primeira subsidiária da holding homônima, fundada por Barry Engle nos EUA, ex-GM América do Norte
Publicado em 7 de outubro de 2021 às 05:00.
Última atualização em 7 de outubro de 2021 às 08:00.
Falta de peças, aumento de gastos com energia elétrica, impactos negativos em vendas por causa da pandemia. Esses são alguns dos problemas que o setor automotivo enfrenta atualmente no Brasil, fatores que colaboram para contrariar as expectativas de crescimento do setor, mostradas em 2020. De olho em oportunidades de solucioná-los e, ao mesmo tempo, fomentar o desenvolvimento de tecnologia aplicada à indústria na América Latina de forma geral, os executivos Barry Engle (ex-presidente da GM América do Norte), Carlos Zarlenga (ex-presidente da GM América do Sul) e Francisco Valim (ex-Oi, Net, Serasa e Via Varejo) se juntaram à frente da Qell Latam Partners (QLP).
A plataforma de investimentos terá sede em São Paulo e é uma controlada da Qell, onde fica Engle, uma companhia de "cheque em branco" que levanta dinheiro junto a investidores privados para adquirir uma companhia de capital fechado e, então, torná-la de capital aberto. Esse tipo de companhia é chamado de Special Purpose Acquisition Company (ou SPAC, no jargão de mercado). Por aqui, Zarlenga e Valim vão cuidar da operação latino-americana.
A QLP, assim como a controladora, deve ter seus olhares voltados inicialmente a empresas que usem tecnologia para aprimorar processos industriais dentro do setor automotivo. Os valores ainda não estão definidos. A carteira de investidas pode variar de negócios de R$ 2,5 bilhões a R$ 15 bilhões. Para financiar esses aportes, a Qell recorrer a investidores privados no Brasil e no exterior.
Segundo Francisco Valim, o plano é colocar tudo isso em prática em, no máximo, dois anos, e a QLP está de olho em aportes em mais de uma empresa. Questionado a respeito de um IPO local, o executivo se limitou a dizer que “a discussão de onde e como captar ainda não está totalmente definida”, ao EXAME IN.
Enquanto essa discussão ainda não sai do papel, fato é que as boas perspectivas da Qell “mãe” dão algumas pistas sobre o caminho que a holding pode trilhar por aqui. Nos EUA, a SPAC captou US$ 380 milhões por meio de IPO realizado na Nasdaq em setembro do ano passado e, pouco tempo depois, com uma captação privada (PIPE, ou private investment in public equity, na sigla em inglês) de mais US$ 450 milhões, a companhia realizou uma fusão com a startup alemã de aviação via baterias Lilium. Com a operação, realizada em 2021, o valor de mercado combinado das duas ficou em US$ 3 bilhões. Do lado da companhia alemã, a maior expectativa é ter uma operação comercial nos Estados Unidos em 2024. No Brasil, a empresa firmou recentemente uma parceria de US$ 1 bilhão com a Azul e deve entregar 220 “carros voadores” (aeronaves eVTOL, no jargão) que devem começar a operar a partir de 2025.
De fato, o objetivo inicial na América Latina está em encontrar outras companhias de sucesso, cuja tecnologia possa ser desenvolvida em escala e, se possível, exportada. Isso tudo, é claro, sem perder de vista a sustentabilidade e sem esquecer que o setor escolhido para começar a operação no Brasil será o automotivo. Traduzindo em termos práticos, os executivos estão de olho em um ponto que consegue reunir todas essas prioridades ao mesmo tempo: o etanol.
“Nos Estados Unidos, em que não há uma alternativa clara como o etanol, o investimento em carros elétricos, com a construção de estações para carregá-los em tomadas, parece fazer mais sentido. O Brasil não está atrás nessa disputa, mas sim à frente. Não temos essa urgência porque podemos migrar para frotas mais limpas a partir de algo que já existe e é amplamente adotado”, diz Valim. Esse será o primeiro passo da SPAC no Brasil: olhar para a indústria automotiva e ver quais empresas estão desenvolvendo tecnologias para promover o desenvolvimento do setor.
Eles estão seguindo os caminhos que as próprias montadoras já apontaram. Pablo Di Si, da Volkswagen, anunciou este ano que o etanol é o principal biocombustível a se apostar no Brasil. Na prática, a estratégia da companhia está baseada no desenvolvimento de uma tecnologia que converte o etanol líquido em células de combustível capazes de abastecer carros elétricos, o que eliminaria a necessidade de tomadas. É um jogo amplamente vantajoso, considerando que o Brasil é o maior produtor de etanol do mundo.
A oportunidade já foi notada pelas concorrentes também, é claro. Em junho deste ano, a Nissan renovou a parceria com o IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) ligado à USP, com o objetivo de conseguir obter, a partir do etanol, o hidrogênio que é necessário para ativar a célula movida a combustível.
Ainda assim, a disseminação rápida dos veículos elétricos movidos a etanol está longe de ser um consenso. Em entrevista à EXAME em julho deste ano, Paulo Puterman, doutor em biotecnologia pela Universidade de São Paulo e fundador da CorNatural, empresa de tecnologias para reciclagem, afirmou que o etanol deve ser eliminado como um combustível para carros a partir de 2026.
Futuro
Apesar de focar em mobilidade primeiro, a QLP não pretende parar por aí, mas sim desenvolver um olhar gradualmente maior para outras indústrias em todos os países da América Latina. Mas, um passo de cada vez.
“Com exceção do México, que produz muita coisa só para os Estados Unidos, não descartamos identificar oportunidades de investimento em outros setores. Nosso foco é olhar para segmentos, na América Latina, em que a tecnologia não anda na mesma velocidade dos avanços globais. Olhar para os processos dentro da indústria que, por razões históricas e por razões de dinâmica de investimento, acabaram perdendo a prioridade e nos quais a gente acredita que há escala para exportação. O automotivo parece ser o ponto de partida ideal para esse investimento”, diz Francisco.
Motivos para acreditar que essa “mira” está correta, não faltam. Em agosto deste ano, a produção industrial caiu 0,7% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Segundo André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, além dos aspectos macroeconômicos relacionados à perspectiva mais frágil da economia, do lado micro, a desarticulação das cadeias produtivas por causa da pandemia tem sido um forte limitador da atividade industrial.
Pensar em investir nisso pode trazer efeitos positivos para diferentes setores, especialmente para o automotivo -- de olho em uma retomada com a normalização do fornecimento de peças e em mais inovação para o setor em longo prazo, como fomentar o desenvolvimento de fábricas inteligentes e indústria 4.0, por exemplo.
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