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Criptomoedas

'RJ modelo': A FTX perdeu US$ 8 bi, mas achou US$ 14 bi – e ainda torrou uma fortuna

Em plano de recuperação aprovado na semana passada, corretora símbolo da euforia do mercado cripto vai devolver 100% do valor devido; seu fundador Sam Bankman-Fried está condenado a 25 anos de prisão

Sam Bankman-Fried: empresário cogitou pagar US$ 5 bilhões para Trump não concorrer à Casa Branca (Bloomberg/Getty Images)
Sam Bankman-Fried: empresário cogitou pagar US$ 5 bilhões para Trump não concorrer à Casa Branca (Bloomberg/Getty Images)
Lucas Amorim

Lucas Amorim

Diretor de redação da Exame

Publicado em 15 de outubro de 2024 às 11:05.

Última atualização em 15 de outubro de 2024 às 11:06.

Duas notícias publicadas na última semana assentaram mais dois tijolos na história da FTX, a corretora de criptomoedas que virou símbolo da euforia tresloucada do mercado cripto.

Na terça-feira (8), um juiz aprovou o plano de recuperação judicial da companhia, incluindo o ressarcimento total para seus clientes.

Depois, na sexta, um ex-co-CEO da FTX nas Bahamas, Ryan Salame, ganhou notoriedade ao atualizar seu perfil no LinkedIn para informar que estava começando "uma nova posição como detento na FCI Cumberland", após se declarar culpado por doações ilegais e lavagem de dinheiro.

A frieza de uma decisão judicial, sucedida pelo deboche de Salame, são simbólicos de uma das histórias de negócios mais inacreditáveis das últimas décadas.

O caso de ascensão e queda da FTX é tão sui generis que o livro que narra o episódio, “Going Infinite”, do jornalista Michael Lewis, parece uma peça de ficção.

Começando pelo fim, que ficou fora da obra: a companhia vai devolver 100% do que ficou devendo a seus clientes, mais juros, um grau de recuperação raríssimo.

"Eu acredito que este seja um caso modelo sobre como lidar com um processo muito complexo de recuperação judicial", disse o juiz John Dorsey, responsável pelo plano, em sua decisão.

"Aplaudo todos envolvidos no processo de negociação". “É o melhor acordo que vi na minha vida", disse um especialista em recuperação judicial à revista Wired.

O diabo, como sempre, mora nos detalhes. O CEO designado para assumir o negócio, John Ray, passou deliberadamente por cima de uma série de preceitos caros ao mercado cripto.

Precificou a zero, por exemplo, a criptomoeda da própria FTT, por dizer que "não tem fundamento de valor", um cruzado na própria teoria que sustenta esse tipo de ativo.

Ray também deixou de fora dos pagamentos a valorização das criptomoedas desde novembro de 2022 – o Bitcoin quadruplicou de valor desde então.

No fim daquele ano, uma derrocada nos valores das criptomoedas levou a uma onda de resgate pelos clientes da FTX. Mas a empresa, de forma surpreendente, simplesmente não tinha cerca de US$ 8,7 bilhões de dólares para devolver a seus clientes.

O dinheiro, como mostra Lewis, tinha "sumido". Ninguém, nem dentro nem fora da empresa, sabia com exatidão o paradeiro dos recursos.

O fundador Sam Bankman-Fried (ou SBF, como ficou conhecido), virou o suspeito de uma fraude sem precedentes. A tese principal é que ele tinha desviado os recursos para sua gestora de ativos, a Alameda, e sumido com eles.

Foi um deus-nos-acuda no suntuoso escritório da FTX, nas Bahamas. Em poucas horas, milhares de funcionários desapareceram de volta para seus países.

Sam ficou, e foi visto pelo jornalista vagando pelos prédios vazios da companhia, de camiseta puída e cabelos ainda mais desgrenhados que de costume.

Pouco a pouco, os principais executivos foram se declarando culpados de algo semelhante a fraude e conspiração, embora nenhum deles tivesse a menor ideia do que tinha acontecido, mostra Lewis.

As verdades do caso

A verdade, ou parte dela, foi vindo à tona aos poucos. Os recursos dos clientes tinham sido usados em marketing, em lobby e em investimentos ilíquidos.

O curioso é que, quando o novo CEO John Ray raspou o tacho desses investimentos, descobriu que a empresa falida na verdade estava sentada em algo entre US$ 14,5 bilhões e US$ 16,3 bilhões, graças à valorização dos ativos.

Isso descontados os US$ 500 milhões que Ray e seu time receberam pelo serviço – e as centenas de milhões de dólares que SBF e seu time de fato torraram.

O empresário se tornou um dos maiores financiadores de campanha de candidatos democratas e republicanos, a ponto de gastar US$ 10 milhões na campanha de um único deputado, que perdeu.

Ele ainda pagou US$ 5 milhões por um almoço online com um jurado do programa Shark Tank, e tinha um acordo multimilionário com o ex-astro da NFL Tom Brady – que nunca era de fato chamado para as campanhas ou eventos de marketing.

SBF é um tipo raro. Gênio dos cálculos e estatísticas, precisou treinar expressões faciais na frente do espelho porque admitia não sentir empatia como as outras pessoas.

Assumiu o compromisso de doar sua fortuna para projetos sociais porque era a coisa matematicamente certa a se fazer. Não aparecia para compromissos como o baile da Vogue ou reuniões com chefes de estado.

Megalomaníaco, chegou a pensar em pagar sozinho a dívida externa das Bahamas, de US$ 9 bilhões, com receio de que o país ficasse insolvente – e atrapalhasse seus negócios. E cogitou pagar US$ 5 bilhões para que Donald Trump não concorresse à Casa Branca em 2024.

Foi o empresário com menos de 30 anos que produziu mais riqueza na história da lista de bilionários da revista Forbes – antes, é claro, dessa riqueza se esvair. Isso sem o mínimo de “supervisão adulta”.

SBF dizia que a principal função de seu CFO era “Docusign”, ou a disponibilidade de assinar todo tipo de contrato 24 horas por dia. Tanta falta de controle cobrou seu preço.

Como Lewis mostra, é possível taxar SBF de sociopata, ou ter piedade do jovem bilionário.

Seu lado da história, que aparece no sensacional livro de Lewis, talvez esteja sendo contado por ele mesmo ao rapper P. Diddy, indicado por tráfico sexual num caso que virou um frenesi midiático. Nas últimas semanas, eles dividem uma cela do Metropolitan Detention Center do Brooklyn, onde SBF cumpre sua sentença de 25 anos de detenção.

É só mais um desdobramento surreal de sua história de 32 anos.

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Lucas Amorim

Lucas Amorim

Diretor de redação da Exame

Jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina, começou a carreira no Diário Catarinense. Está na Exame desde 2008, onde começou como repórter de negócios. Já foi editor de negócios e coordenador do aplicativo da Exame.

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