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Reforma tributária

“Reforma tributária é benéfica, mas traz alguns 'senões’”, diz sócio da Jive

Para Bruno Gomes, advogado tributarista, o excesso de demandas a serem definidas posteriormente via Lei Complementar coloca em risco a simplificação proposta pela PEC

Bruno Gomes: reforma é necessária, mas desdobramentos terão de ser acompanhados de perto (Jive/Divulgação)
Bruno Gomes: reforma é necessária, mas desdobramentos terão de ser acompanhados de perto (Jive/Divulgação)
Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Publicado em 7 de julho de 2023 às 20:01.

Última atualização em 8 de julho de 2023 às 09:21.

A aprovação do texto-base da reforma tributária pela Câmara dos Deputados foi o assunto da semana. Entre todos os — muitos — pontos trazidos pela Proposta de Emenda à Constituição, a perspectiva de simplificação de impostos no país e a manutenção da carga tributária atual foram alguns dos mais evidenciados desde segunda-feira. E que colaboraram para o ânimo do mercado nesta sexta-feira, com o Ibovespa caminhando na contramão de bolsas internacionais e fechando em alta de 1,25% aos 118.898 pontos. A euforia vem na esteira de um primeiro passo para uma discussão que se arrastava há 30 anos, mas, para Bruno Gomes, advogado tributarista e sócio da Jive, maior gestora de investimentos alternativos do país, a proposta aprovada pela Câmara ainda deixa algumas dúvidas.

Em entrevista ao EXAME In, o executivo ressalta que o sinal verde da Câmara nesta semana é um passo positivo para o país em sua intenção de simplificar a tributação brasileira, mas que a grande quantidade de temas a serem definidos via Lei Complementar é um ponto que deve ser observado com atenção. “É uma decisão que pode trazer dois caminhos. Na ponta otimista, nós podemos realmente ter uma simplificação de tributos com uma boa lei, mas, caso contrário, teremos um regime tão complexo como o atual”, diz.

Entre as pautas que ficaram para ser definidas posteriormente, estão pontos como os critérios de divisão do Fundo de Desenvolvimento Regional, que vai compensar o fim da 'guerra fiscal' entre estados, e o cashback para pessoas físicas de parte do imposto pago. "É uma situação que preocupa, dado o histórico brasileiro de criar limitações nas leis complementares", afirmou em comunicado Douglas Mota, sócio da área tributária do Demarest Advogados.

Leia abaixo a entrevista completa:

Como você vê a reforma tributária aprovada? Quais são os efeitos dessa proposta?

Conceitualmente, a reforma tributária é muito importante para o país e se for feita da forma correta, tem o poder de destravar um novo universo de investimento, de atrair investimento estrangeiro e doméstico no setor produtivo e no mercado como um todo. Em 2021, um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação mostrou que o Brasil tinha 29 mil normas tributárias em vigor, o que implicava que cada empresa precisasse observar em torno de 4,6 mil normas para estar em conformidade com a lei. E isso gerava um tempo gasto de mais ou menos 1.600 horas, o que certamente interfere em produtividade e custo.

Hoje, temos um cenário de normas que se sobrepõem, um Fisco muito combativo e, por outro lado, contribuintes procurando os buracos na legislação para pagar menos imposto. O que isso gera? Um contencioso tributário absurdo. Nesse contexto, um sistema mais simples, mais coeso, também tende a reduzir a litigiosidade tributária e isso também é um benefício a ser colhido. 

E como fica a aplicação prática dessas medidas? O texto ainda tem de passar pelo Senado, é claro, mas o que dá para concluir por enquanto?

De novo, na perspectiva de simplificação, a proposta é muito boa, conceitualmente. Tenho algumas críticas em relação à implementação, sim. Principalmente relacionadas a aprovar uma proposta muito aberta. O que quero dizer: vai passar uma matéria constitucional, que depois terá de ser regulada, em boa parte, por leis complementares. Nesse processo, podem ser geradas uma série de inconsistências que podem trazer de volta as discussões de contencioso. Pontos como os créditos presumidos de setores que têm regimes especiais, os regimes aplicados ao setor financeiro, o uso de crédito de ICMS acumulado quando o imposto for extinto ainda estão atrelados às leis complementares.

Por que isso é um risco?

No sistema tributário brasileiro, a gente, como país, tomou a decisão lá na Constituição de 1988 para que esse seja um assunto regulado de forma constitucional. Tudo que vem depois, Leis complementares, ordinárias, instruções normativas etc., têm de estar alinhadas com a Constituição. E esse já é um ponto comum de discussões tributárias no pais sempre que uma nova norma surge — a relação de aquilo ser constitucional ou não.

Quando uma lei complementar tem de ser criada para regular uma emenda constitucional, com vários elementos superimportantes, abre-se o risco de ela propor elementos inconstitucionais. O que vai fazer voltar à pauta essa discussão, deixando um cenário muito similar ao atual.

E qual é o efeito final desse possível cenário?

A insegurança jurídica. Ninguém viu o texto dessas leis complementares ainda, ninguém sabe como vai ser. Acho que pontos como esses estão sendo aprovados meio que "no escuro", algo que me preocupa e que, na minha opinião, poderia ser debatido de forma mais exaustiva. Eu, pessoalmente, preferiria que a gente tivesse agora um debate superamplo com relação à reforma tributária, endereçasse o máximo de pontos possível na proposta em si, ou ao menos estivesse debatendo a lei complementar junto com essa PEC. 

Mas, de novo, conceitualmente, a reforma é necessária, tem de ser feita. A gente pode, por outro lado, ser surpreendido e ter uma lei complementar muito bem estruturada.

Hoje, investidores ficaram animados com a notícia da reforma tributária. Até que ponto vai dar para sentir os efeitos da PEC?

No curto prazo, a reforma vai ter efeito positivo da forma que for aprovada, como vimos, mas na minha opinião esse efeito é marginal. É claro, não dá para ignorar que está sendo tratado um tema que circula há mais de 30 anos, com debate amplo, coalizão política, vai ter um otimismo sem dúvida, mas como os efeitos mesmo, no dia a dia das empresas, devem ser sentidos bem mais para a frente. 

Se a gente tiver entre agora e 2026 uma lei complementar excelente, os pontos que precisam ser esclarecidos de fato sendo endereçados de forma necessária, a conclusão de que realmente vamos ter uma simplificação tributária, os efeitos começarão a ser percebidos de forma mais concreta. De todo modo, em longo prazo tende a ser algo positivo, mesmo se algum setor acabar tendo algum aumento de carga, porque o sistema como um todo tende a melhorar. O que atrai mais investimentos. 

Outro ponto, ainda tributário, que também deve impactar o mercado será discutido no segundo semestre é a reforma do imposto de renda. Como você vê o tema?

Com certeza terá impactos mais diretos na bolsa e nas empresas, porque tem uma implantação de curto prazo. O efeito, no lucro líquido, ficará mais claro. Veja, se você tiver de fato a discussão dessa reforma em 2024 e de fato aprovada em 2025 para entrar em vigor em 2026, já neste ano será possível ver de forma concreta os efeitos do mercado de investimentos como um todo. Acho que a medida provisória da tributação dos investimentos no exterior é o prelúdio de alguns pontos que vão ser endereçados nesta reforma, prevista para o segundo semestre, com pontos como um regime de tributação regressivo pra um regime progressivo por tamanho do rendimento.

Enfim, tem um potencial muito relevante de influenciar o mercado, de mexer um pouco com os investimentos, com efeito mais imediato do que o desta reforma sobre o consumo.

Para quem decide. Por quem decide.

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Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Formada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.

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