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Pandemia, ESG e Guerra: a era da desglobalização

As três forças que estão empurrando o mundo para o desenvolvimento de cadeias de suprimento mais regionais e produções mais verticalizadas

Produção: venda segue globalizada, mas produção será verticalizada por regiões ou países (Getty Images/Getty Images)
Produção: venda segue globalizada, mas produção será verticalizada por regiões ou países (Getty Images/Getty Images)
GV

Graziella Valenti

4 de março de 2022 às 14:33

O ataque da Rússia à Ucrânia vai acelerar e aprofundar tendências que vinham se desenhando nos últimos anos, em especial, a partir da pandemia da covid-19. O mundo vai mudar para além da diplomacia e de uma esperada nova divisão entre Leste e Oeste. Das conversas com quem está tentando prever esse futuro, fica a percepção que os únicos ‘produtos’ realmente globais no mundo serão conhecimento, informação e força de trabalho.

Tudo aquilo que pode ser transportado na forma de bits e bytes seguirá global e cada vez mais rápido e eficiente. Mas a produção física, essa não. A fabricação de bens deve passar por uma desglobalização. O neologismo começa a ser cada vez mais adotado.

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O conflito na Ucrânia é mais uma força nessa direção. O país, fruto do fim da União Soviética, é um grande produtor de commodities — minerais e agrícolas, especialmente. Vem por aí, portanto, mais um choque na cadeia global de suprimentos que sofre de uma desorganização desde o início da pandemia.

A expectativa é que as companhias verticalizem cada vez mais e mais rapidamente suas operações dentro de países ou regiões. Depender de insumos que precisam cruzar mares e oceanos, apenas por serem mais baratos, está saindo de moda. Em situações extremas, como se viu na paralisação do mundo diante do novo coronavírus, isso se mostrou um problema com consequências mais duradouras que o desejável.

Essa é a força de desglobalização ligada à mitigação de riscos e que começou a ser melhor percebida com a circulação do novo coronavírus e suas mil variantes. O movimento russo, que já está abalando as relações comerciais entre os países, é a terceira dessas forças — a sanitária é a primeira.

Bem antes da temática bélica, começou a pressão derivada de fatores ambientais, sociais e de governança, o trio de letrinhas ESG. Entre as discussões e tendência mais fortes do trinômio está esforço de descarbonização de bens e serviços — ainda que algumas companhias adotem o compromisso com graus variados de empenho.

Entre as frentes a serem atacadas para esse objetivo, de redução da emissão de carbono, o encurtamento da cadeia logística é uma das mais eficazes. Quanto menos deslocamento uma produção exigir, menor é sua emissão. Assim, a busca por abastecimentos locais e não mais globais é uma tendência. Para completar, essa verticalização traz impacto também na frente social. Quanto mais uma produção é “internalizada” por um país, mais oportunidades de emprego são geradas.

Por trás de todos esses movimentos está a noção de que custo (o corte dele) não é a única variável que traz eficiência. Os últimos anos e os acontecimentos recentes deixaram claro que a sobrevivência e o sucesso dos negócios no tempo exigem um planejamento estratégico e talvez até menos óbvio a ser feito pelas companhias.

Não se preocupe, a internet entrega

Essa verticalização fruto da desglobalização, porém, nada tem a ver — exceto por consequências que surgirão da situação bélica — com restrição de acesso a produtos. A internet acabou com a fronteira para os bens já acabados, encurtou o caminho até o consumidor. Dessa forma, organizar e agrupar cadeias produtivas não significam mais barreiras de acesso. Que o digam as grandes empresas de comércio eletrônico — é possível hoje comprar de tudo e receber em casa, sem precisar sequer se movimentar.

O mundo dos dados e do foco no consumidor está vivendo apenas o início de sua revolução. A computação em nuvem tende a ser uma grande aliada nesse sentido e as empresas ainda convivem com sistemas legados gigantescos, ou seja, há muito por vir pela frente ainda. Com mais eficiência nas redes de transmissão, com fibra e tecnologia 5G móvel, tudo será mais simples do que foi no caminho da globalização. Com mais dados sobre os hábitos dos consumidores, mais fácil decidir onde instalar produção.

A era da inteligência artificial vai auxiliar tanto na busca por talentos, já que as fronteiras do trabalho foram derrubadas (no que diz respeito ao acesso à conhecimento) quanto na eficiência para alcançar o consumidor, esteja ele onde estiver.

Além disso, ter produções mais verticais e regionais significa ter diversas unidades fabris, em continentes diversos, para ficar mais próximo do consumidor. Não há razão nenhuma para se pensar que empresas brasileiras produzirão só no Brasil, ou italianas só na Itália e por aí vaí. A ideia é aproximar tudo, cadeia de suprimentos, fabricação, montagem e público consumidor.

As consequências

Assim como a globalização foi um processo que levou décadas para ocorrer, desmontar essa teia de relações também não será tarefa simples. Mas a tecnologia atual deve ajudar na busca de soluções e, portanto, em uma velocidade maior de execução dos objetivos.

No meio do caminho, é claro que haverá desequilíbrios. Assim como houve na rota até a globalização. Quem não se lembra do que a abertura econômica da era Collor (o ex-presidente Fernando Collor de Mello) trouxe de consequências para o setor têxtil nacional? Dezenas de empresas desapareceram, sem conseguir competir com o baixo custo dos produtos asiáticos.

Essa regionalização da produção é, inclusive, um dos componentes inflacionários que diversos economistas apontam. A globalização, de fato, trazia a vantagem do mundo em escala planetária. Entretanto, não está clara se seria um impacto transitório ou definitivo. Mas é uma importante vetor: seja pelo impacto que terá na distribuição do trabalho, como também no aumento de custo por redução de escala. Contudo, nesse momento, tudo indica que os benefícios no longo prazo são maiores.

É um mundo novo se desenhando.

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