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No venture capital, um longo (e tenebroso) inverno

Captação de fundos de VC caiu 60% nos Estados Unidos em 2023; no Brasil, o cenário não é muito diferente

Venture Capital: 2024 deve ser mais um ano de 'secura' para o setor (Getty Images /Getty Images)
Venture Capital: 2024 deve ser mais um ano de 'secura' para o setor (Getty Images /Getty Images)
Karina Souza

Karina Souza

8 de janeiro de 2024 às 16:52

A disparada dos juros esfriou o dinheiro para as startups e trouxe um 'inverno' doloroso após o auge de 2021. Em 2023, o que já estava difícil, ficou ainda pior. Um levantamento feito pelo PitchBook mostra que o volume de recursos captados por esse tipo de fundo mergulhou 60% nos Estados Unidos, chegando a US$ 67 bilhões, contra o recorde de US$ 170 bilhões de 2022 e voltando ao mesmo patamar de 2017.

Não é uma exclusividade dos EUA: a fonte secou globalmente, com investidores de venture capital levantando o menor montante desde 2015.

Num dos exemplos das dificuldades do setor, a Tiger Global Management – uma das grandes companhias globais de VC – reduziu duas vezes o objetivo final de captação para seu último fundo. A empresa terminou 2022 com a meta de levantar US$ 8 bilhões, depois passou para US$ 6 bilhões e, finalmente, para US$ 5 bilhões em fevereiro do ano passado, por exemplo, além de reconhecer baixas contábeis.

E o fundo do poço ainda parece estar distante, disse Kyle Stanford, analista de VC do PitchBook ao Financial Times. "Muitas das companhias que ainda são privadas vão ter dificuldades e vemos muito mais down rounds [rodadas de investimento com valuations menor do que em aportes anteriores) e os fundos vão ter problemas para sair [das empresas]. Vai ter muita competição pelo dinheiro que está disponível."

O montante gerado pelos exits, no jargão, foi de US$ 61,5 bilhões no ano passado, menos de 10% dos US$ 797 bilhões gerados em 2021, no auge do setor, ainda nos Estados Unidos.

Além da escalada global dos juros, o setor foi influenciado pelo saldo acumulado da ressaca tech no pós-pandemia, guerra entre Rússia e Ucrânia, desaceleração na China -- além da quebra do Sillicon Valley Bank.

Na América Latina, a situação também não é das melhores. Em termos de captação, os fundos na região – pouco representativa na indústria global – captaram US$ 2 bilhões, volume maior do que o de 2022 (US$ 1,4 bilhão), mas pouco abaixo do de 2021 (US$ 2,3 bilhões), ainda de acordo com o PitchBook.

Mas as startups da região sofreram: em 2023 foram raealiados 864 aportes, que somam ao todo US$ 4 bilhões, queda de 58% em relação ao ano anterior (e de 77% em relação a 2021). Foi, também, o ano com menor número de saídas para os investidores, com 55 no total -- comparável apenas a 2019. Apesar disso, em volume, o número ficou similar ao de 2022, com US$ 1,4 bilhão.

No Brasil, dados compilados de janeiro a setembro pela Associação Brasileira de Venture Capital (Abvcap) em parceria com a TTR Data mostram que os fundos de VC alocaram R$ 5 bilhões, um terço do realizado no período equivalente de 2022. Aqui, diante, de uma base de comparação já espremida: em 2022, o volume total de investimentos em venture capital foi de R$ 16,9 bilhões, ante R$ 52,2 bilhões em 2021, segundo o mesmo relatório.

Na América Latina, uma pesquisa da Lavca, inserida no The Latam Tech Report, mostra que, até o terceiro trimestre, foram arrecadados US$ 2,7 bilhões na região, valor que fica entre os US$ 2 bilhões de 2018 e os US$ 5 bilhões de 2019. Entre os maiores deals do ano passado, estão a rodada de captação da fintech Nomad, de R$ 301 milhões, seguida pela startup de aluguel de motos Mottu, que captou outros R$ 243 milhões, e pelo app de entregas rápidas de mercado Daki, com outros R$ 242 milhões.

Depois de dois anos duros, para 2024, não está previsto, ao menos por enquanto, um reaquecimento do setor. "Esse ano deve ser de estabilização depois das quedas acentuadas, mais próximo de um novo normal", diz uma fonte próxima a investidores de venture capital.

O que deve, sim, ficar cada vez mais evidente -- caso o mercado local siga as tendências projetadas nos Estados Unidos -- é a realização de cada vez mais down rounds, uma péssima notícia, especialmente para os fundadores.

Cláusulas comuns para esse tipo de situação preveem dois tipos de situações: que o fundador entregue parte de sua posição para fundos que pagaram mais caro (como forma de evitar a diluição da fatia deles) ou cláusulas de preferência em liquidação -- caso a companhia seja comprada por um valor abaixo de rodadas anteriores, o dinheiro vai primeiro para os investidores, antes de ir para os fundadores.

"Em 2023, as pessoas estavam envergonhadas de ter esse tipo de conversa [de down rounds] e, agora, todo mundo está num cenário diferente, mais construtivo", diz Peter Hébert, co-fundador do fundo de venture capital Lux Capital, ao Financial Times. Só no segundo semestre do ano passado, segundo a empresa de análises Preqin, a quantidade de down rounds entre as rodadas foi de 15,6%, um recorde desde 2017.

Na pesquisa da empresa americana, realizada em novembro de 2023, 71% acreditam que insolvências devem aumentar ao longo dos próximos doze meses.

No Brasil, de novo, um cenário similar -- mas já mais adiantado. Uma pesquisa feita pela ACE Ventures com o Softbank ouviu 25 gestores e, para 21% deles, os down rounds se tornaram uma realidade desde 2021, e não devem se alterar tão cedo. De acordo com dados da Canary, a média de dissolução de startups, em torno de 20% a 25%, não se alterou ao longo do último ano.

Ainda assim, 2024 parece mais um ano em que boa geração de caixa e rentabilidade vão continuar sendo as palavras de ordem para o setor. A era de crescimento a todo custo fica cada vez mais para trás.

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Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Formada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.