Mitre compra imóveis do controlador (em Trancoso); ação despenca 16%
Empresa diz que fará um empreendimento flagship para lançar empreendimentos imobiliários com a marca Daslu, mas seu foco segue sendo São Paulo
Publicado em 5 de outubro de 2023 às 15:00.
Última atualização em 5 de outubro de 2023 às 17:07.
Uma transação pouco usual aprovada pelo conselho da incorporadora Mitre é um dos principais assuntos na Faria Lima nesta quinta-feira. A companhia comunicou ontem a compra de quatro imóveis do CEO e membro da família controladora Fabricio Mitre por R$ 13,5 milhões.
Se transações com partes relacionadas sempre costumam levantar sobrancelhas, esta tem um componente adicional: os imóveis ficam em Trancoso, na Bahia, muitos quilômetros distantes da área de atuação da Mitre, focada em construção de imóveis de média e alta renda na cidade de São Paulo. As ações caem mais de 15% desde o início do pregão de hoje.
“Se o controlador tivesse vendendo um terreno dele no Morumbi para a empresa, ainda vá lá, dá tentar para justificar. Mas a empresa sequer tem operação na Bahia”, diz um investidor.
A informação apareceu numa ata de reunião do conselho arquivada ontem, sem alarde, às 22h na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Hoje, por volta do meio-dia, quando a confusão já estava instalada, a companhia soltou um comunicado dizendo que a transação será voltada para um empreendimento de altíssimo padrão a ser lançado em 14 meses, com a marca Daslu, adquirida no ano passado.
"Toda marca precisa da sua flagship para traduzir o que é e o que a marca representa. Entendemos que esse primeiro projeto, já aprovado, reflete tudo isso”, disse a empresa.
Em entrevista ao Exame IN, Fabricio Mitre disse que ele já tinha a intenção de desenvolver um projeto de luxo, em Trancoso, na pessoa física. Mas, com a compra da marca Daslu, viu que esse poderia ser um bom empreendimento para a Mitre. "Seria conflito de interesse se eu passasse a concorrer com a empresa", diz. Segundo ele, o valor fechado ficou 10% abaixo do estipulado por um laudo elaborado pela S&P Global. "Não achamos que ia ter problema, é um valor pequeno, de 1% do patrimônio da companhia", aponta.
Segundo ele, o empreendimento é uma chance de fazer o rebranding e relançamento da marca Daslu com mais celeridade e num local "aspiracional". O projeto, já aprovado, inclui uma vila com três casas e Valor Geral de Vendas (VGV) estimado de R$ 45 milhões, e deve ser concluído em pouco mais de um ano. O foco, diz, segue sendo em São Paulo, com um empreendimento Daslu, possivelmente com hospitalidade e hotel associado às unidades residenciais, a ser lançado nos Jardins, mas o ciclo de construção é maior, de quatro a cinco anos e VGV estimado de R$ 450 milhões.
As informações foram recebidas com ceticismo pelos investidores: “Eles sempre disseram que queriam focar em São Paulo, inclusive com a marca Daslu”, afirma um outro gestor, que já foi acionista de longa data da empresa. Outra questão é que aprovação da transação no conselho aconteceu por um triz: segundo a ata da reunião, dos seis conselheiros, apenas dois votaram a favor da transação, um foi contra e outros três se abstiveram. O documento dá nome apenas aos conselheiros que se abstiveram: o próprio Fabricio Mitre, além de Rodrigo Coelho Cagali e Gabriela Canfora Roggero.
Uma das narrativas que tem corrido o mercado é que a família Mitre estaria precisando de liquidez, especialmente por conta da Mitre Agro, empresa de produção grãos e pecuária, que está com uma agenda de vencimentos de dívidas importante à frente. Fabrício refuta a informação. "Uma coisa não tem nada a ver com a outra, as empresas são totalmente separadas", diz.
Um gestor aponta que a distribuição de praticamente todo o resultado do segundo trimestre da incoporadora, de R$ 50 milhões, em dividendos, já tinha sido fora da curva. “A companhia está com o balanço pressionado, mais endividada que a média do setor e prestes a entrar num novo ciclo [de investimento], não fazia sentido distribuir tudo”, pondera. A família Mitre tem 50,19% da incorporadora. “Boa parte do resultado no trimestre veio da venda de um empreendimento, mas no operacional mesmo a empresa deu prejuízo”, diz a fonte.
De acordo com Fabricio, não houve mudança no payout. "A companhia tem alavancagem baixa, distribui dividendos desde que abriu o capital e nossos acionistas gostam disso", diz.
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.
Karina Souza
Repórter Exame INFormada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.