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Linx: Stone e Totvs só mostram os dentes na disputa, mas sem morder

Totvs diz que disputa pode se tornar hostil e avalia diversos movimentos para tentar sair vitoriosa

Laércio Cosentino, fundador da Totvs: acabou disposição para tentar negociação amigável (Germano Lüders/Exame)
Laércio Cosentino, fundador da Totvs: acabou disposição para tentar negociação amigável (Germano Lüders/Exame)
GV

Graziella Valenti

12 de outubro de 2020 às 14:45

Stone e Totvs estão mostrando os dentes na disputa pela Linx. Porém, até agora, não passou disso. Até se tornar alvo de aquisição, a empresa de software que chegou à B3 em 2013 era avaliada em 4,5 bilhões de reais na bolsa. Nesse momento, estão na mesa ofertas superiores a 6 bilhões de reais. Mas briga de preço mesmo que é bom, por enquanto, nada. Ninguém partiu para as mordidas de fato. Nessa semana, a Totvs, mais uma vez veio com pressão no discurso, mas sem nenhuma novidade concreta a respeito de sua oferta. Apenas estendeu a validade do lance, que iria vencer na segunda-feira, até 17 de novembro.

Já a companhia de adquirência fundada por André Street está pronta, de caixa cheio, para o cenário em que a Totvs resolva iniciar uma guerra de ofertas, conforme o mercado tanto sonha. Esse é o recado que tem passado aos investidores: “se a Totvs vier, não ficaremos quietos”. Mas, tudo indica que não tomará nenhuma medida defensiva de subir sua oferta na frente — até mesmo porque não há nenhum incentivo para tanto.

O cenário é bastante diverso das duas disputas mais acirradas conhecidas do mercado de capitais brasileiro: a briga entre Vivendi e Telefônica pela GVT, em 2009, e a guerra pela Eletropaulo, em 2018, protagonizada por Enel e Neoenergia (Iberdrola). Nesses casos, o investidor mal tinha tempo de acompanhar os preços. Era lance atrás de lance. Mas na disputa pela Linx, tudo que se tem é promessa, possibilidade. Aos investidores, resta a esperança de que a partir de novembro, a coisa toda possa esquentar de verdade.

Tanto Stone quanto Totvs querem fazer a aquisição por meio de uma incorporação, o que torna o negócio dependente da administração da Linx — é necessária a assinatura de uma coleção de documentos prévios antes que o negócio possa ser submetido aos acionistas, em assembleia. Os valores oficialmente divulgados avaliam a Linx em 6,28 bilhões de reais (Stone) e 6,1 bilhões de reais (Totvs).

A expectativa de uma guerra de preços é alimentada, em boa medida, pela própria Totvs, que segue bastante ruidosa em seus posicionamentos  — mas com poucos ou quase nenhum passo concreto. Pelo discurso da empresa, que decidiu romper o silêncio dois meses após tudo começar, essa passividade pode mudar daqui para frente. “Até agora, estávamos nos esforçando para um diálogo amigável. Só que vai ser diferente daqui para frente”, afirma Dennis Herszkowicz, presidente da Totvs e ex-executivo da Linx.  A companhia tenta manter a chama viva para ver se consegue, ao menos, ser considerada uma alternativa.

Em entrevista ao EXAME IN, Herszkowicz diz que todas as possibilidades serão estudadas para que possam alcançar o objetivo e ganhar a briga. Isso inclui aumentar preço, transformar a incorporação em uma oferta (OPA) não-solicitada, provocar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entre outros.

Se fosse lançar uma OPA de aquisição de controle em dinheiro, a Totvs sequer precisaria de autorização da CVM. Mas a Instrução 361 torna a OPA dependente de registro quando envolve troca de valores mobiliários — o que tira parte da agilidade que esse formato poderia oferecer e o elemento surpresa. A OPA, contudo, seria uma forma de a Totvs se livrar de algo que ela alega ser um de seus maiores entraves: a falta de engajamento real em uma negociação por parte dos membros independentes do conselho de administração da Linx, a dupla João Cox e Roger Ingold.

Os demais conselheiros, o trio de fundadores Nércio Fernandes, Alberto Menache e Alon Dayan, aceitaram um contrato de exclusividade com a Stone e estão proibidos de fazer qualquer negociação. Para eles, o negócio é interessante, pois receberão um valor extra por um contrato de não competição durante cinco anos: são 185 milhões de reais a mais, equivalente a cerca de 20% a mais do que já ganharão com a própria venda.

Na prática, pessoalmente para eles, só seria interessante uma outra operação que elevasse a oferta pela Linx acima desses 20% extras, para cobrir o que deixam de ganhar com o contrato de não-competição. Na vida prática, mas pouco provável, precisaria aparecer alguém disposto a pagar 7,5 bilhões de reais pela Linx.

Sinergia

Na tentativa de convencer os investidores a se mobilizar e pressionar a Linx para garantir que ambas as ofertas sejam avaliadas em uma assembleia de acionistas, a Totvs tornou pública sua expectativa de sinergia com a operação: 3,2 bilhões de reais. Em tese, essa é a margem de ampliação de proposta que tem. Pode decidir antecipar esse ganho para os acionistas da Linx. Em uma matemática imperfeita, tem um espaço de pouco mais de 750 milhões de reais para isso — já que os acionistas da Linx ficariam com cerca de 24% da empresa combinada na proposta anunciada. Qualquer coisa acima desse percentual, significaria tirar dos acionistas da Totvs — o que poderia desencoraja-los a aprovar a operação.

Quando questionado por qual motivo ainda não fez nenhum movimento prático mais agressivo, Laércio Cosentino, fundador e presidente do conselho de administração da Totvs, ressalta que além de defender a compra da Linx é preciso cuidar de seus próprios acionistas. E que, durante todo o tempo, a empresa preferiu uma tentativa de negociação, sem ser hostil. Agora, contudo, já não há mais preocupação em ser pacífico.

Além de uma diferença teórica inferior a 5% na avaliação da Linx, as estruturas das ofertas rivais que estão na mesa são bastante diversas. O pagamento da Stone será 90% em dinheiro. Já o da Totvs, tem a proporção oposta: mais de 80% do negócio será feito com pagamento em ações.

Descolamento

O tempo transcorrido e a volatidade dos mercados estão afastando as propostas tanto de Stone quanto de Totvs dos valores equivalentes originalmente divulgados. A razão disso é a presença da troca de ações em ambas as transações, mesmo que em proporções completamente diversas. Nesse período, o pêndulo favoreceu a Stone.

Tomando como base os fechamentos de sexta-feira, a oferta da Stone está em mais de 35,6 reais por ação da Linx: 31,56 reais em dinheiro (atualizado até fim de setembro) mais 0,012677 ação. Ocorre que os papéis da empresa, listada na Nasdaq, subiram de 50 dólares para mais de 58,5 dólares desde o anúncio da operação.

Já a oferta da Totvs sofreu com a volatilidade do mercado brasileiro e a pressão na mão contrária: equivalia a 33,20 reais por ação da Linx no fim da semana, já que é composta por uma ação própria mais 6,20 reais.

E na B3, quando vale a Linx? A companhia terminou a sexta-feira avaliada em 6,1 bilhões de reais ou 35 reais por ação. Até a assembleia marcada pela Linx para 17 de novembro — para avaliar apenas a oferta da Stone, por enquanto — muita água pode passar por debaixo da ponte, seja por iniciativa das companhias, seja pela própria volatilidade das bolsas. O intervalo até lá é superior a 30 dias.

Governança

Ainda que a Stone saia vencedora da disputa, a estrutura completa do negócio está atravessada na garganta dos investidores da Linx. Não caiu bem com ninguém — nem mesmo entre aqueles que preferem a segurança e o prêmio da oferta. Muito menos de quem só assiste o legado que ficará para o mercado. E todos se sentem pressionados entre a mensagem de aceitar o negócio e o risco de deixar na mesa um prêmio de 35% em relação ao valor da empresa anterior à proposta.

O grande veneno da transação, na percepção do mercado, está na combinação entre os administradores e fundadores da Linx terem aceitado um acordo de não competição e, ao mesmo tempo, a imposição de uma multa que penaliza a empresa e seus investidores caso resolvam rejeitar o negócio. Ou seja, criaram uma amarra indireta para que o mercado aprove aquilo que é mais vantajoso a eles.

A Totvs, por outro lado, sem colocar mais dinheiro na mesa, dificilmente vai conseguir mobilizar a base da Linx ou mesmo constranger suficientemente Cox e Ingold para que tenham incentivo de colocar em votação as duas propostas ao mesmo tempo. “Embora os pareceristas todos contratados pela Linx afirmam que não há ilegalidade na multa imposta pela Stone, nenhum deles considerou sua proporção ao Ebitda da empresa. Todos só compararam com o valor total do negócio. Ocorre que são dois anos de geração de resultado”, afirma Herszkowicz.

Caso a Linx feche acordo com outra companhia, a multa prevista é de 453 milhões de reais. Nos seis primeiros meses deste ano, o Ebitda da empresa foi de 86,8 milhões de reais, uma queda de quase 18% sobre os 105,7 milhões de reais de janeiro a junho de 2019.

Todos aguardam algum posicionamento da CVM sobre a circunstância. Não está claro, porém, se a autarquia vai mesmo se posicionar antes da assembleia marcada para 17 de novembro. O EXAME IN apurou que há consultadas pré-encontro sobre se o trio de fundadores, dono de 14% do capital da Linx, pode votar — pois seu pagamento de não competição pode ser entendimento como um eventual benefício particular. A questão foi levada tanto pela Fama Investimentos, única casa que se posicionou publicamente contra o negócio, ainda que a insatisfação com a governança e o exemplo sejam gerais, como pelos próprios interessados na matéria.

A Totvs tem indiretamente provocado a CVM. No posicionamento dessa semana, foi muito dura ao criticar o que qualifica como falta de independência dos conselheiros da Linx. Na visão da empresa, Cox e Ingold ficaram comprometidos com a Stone também, pois aceitaram a multa do acordo. Logo, não estariam verdadeiramente buscando um aumento de preço. “É como se um cadáver tivesse sido colocado em frente à xerife do mercado, no aguardo de providências”, afirma uma pessoa próxima à situação.

O fato de a proposta da companhia poder ser percebida como equivalente ou até inferior à da Stone contribui para que Cox e Ingold tenham considerado a oferta da empresa de Street mais vantajosa e segura. Não há nenhum desconforto explícito em deixar de lado a Totvs, pois a sensação é de não haver nenhum prejuízo aos investidores da Linx, até o momento. A dupla de independentes não apenas recomendou a aceitação da incorporação pela Stone como também solicitou uma assembleia para avaliar apenas essa transação. Foi a partir daí que a Totvs decidiu avaliar uma estratégia mais hostil — que ainda não se materializou, contudo.

Por enquanto, a companhia criada por Cosentino poucos anos antes da fundação da Linx não pode ter sua oferta submetida à assembleia, pois não obteve os certificados necessários da SEC, a CVM americana. E a expectativa é que os documentos não estejam concluídos e liberados até a data da assembleia, em 17 de novembro. Por isso é que, em seu comunicado, Totvs fomenta que os acionistas solicitem da Linx a paralisação do encontro, logo após sua instalação.

Se outubro está morno, a expectativa é que novembro pode ser muito quente: pelo menos quando o que se avalia é o termômetro da briga (ou futura briga) pela Linx.

 

 

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