ENTREVISTA: Novo rali é improvável na China, mas tendência segue de alta
‘Bazuca’ de estímulos estanca desaceleração, mas médio e longo prazos ainda demandam cautela, diz economista do Bradesco que acompanha o país desde 2008
Rebecca Crepaldi
Repórter de finanças
Publicado em 2 de outubro de 2024 às 14:15.
Última atualização em 4 de novembro de 2024 às 15:32.
Acompanhando de perto a economia chinesa desde 2008, Fabiana D’Atri já viu vários ciclos: da euforia com o crescimento e o boom do mercado imobiliário à desaceleração mais recente que afeta toda a economia mundial.
Na nova rodada de estímulos anunciada nas últimas semanas, a economista da Bradesco Asset vê uma combinação poderosa. É o que o mercado vem chamando de “bazuca chinesa”: ações de política monetária, para o setor imobiliário e acionário, visando estimular o crescimento e a confiança das famílias, que vinha sendo o grande calcanhar de Aquiles da segunda maior economia do mundo.
“São medidas de curto prazo”, afirma, alertando, no entanto, que os anúncios ainda não pararam e os estímulos no front fiscal que vem sendo sinalizados podem ajudar a manter o sentimento vivo.
Ela ainda recomenda cautela e acredita que o rali de 20% na bolsa chinesa, como o visto na última semana, é improvável. “Mas devolver? Acho que não. A tendência continua favorável.”
Uma das maiores novidades nesse novo ciclo de estímulos, além da abrangência, é o foco no consumo interno e não na expansão da capacidade industrial, diz D’Atri.
Ela esteve no país no começo deste ano e já via um esgotamento do modelo puro e simples de expansão da oferta, visando o mercado externo.
Nesse sentido, as medidas voltadas para o segmento imobiliário, com redução das taxas de financiamento e redução para restrição de compra de novos imóveis, são o grande destaque.
A seguir, os principais trechos da conversa:
O quanto as medidas que vem sendo anunciadas são suficientes para estimular um crescimento mais sustentado?
Mais do que o pacote de medidas, é uma combinação bastante relevante. O que o governo chinês vinha adotando eram medidas espaçadas. Então anunciar medidas de política monetária, de política fiscal, ações voltadas para o setor imobiliário e para o mercado acionário, é diferente do que já vimos.
O objetivo final é resgatar a confiança e a renda das famílias e das empresas. Uma das medidas com mais relevância foi a redução da taxa do financiamento imobiliário, inclusive para o estoque. Isso acaba liberando renda para as famílias, à medida que elas refinanciam a uma taxa mais baixa.
Na minha visão, as medidas não acabaram, foram algumas rodadas. Na quinta-feira, 26, houve um anúncio de possíveis instrumentos e volumes de políticas fiscais. Isso ainda não tem um detalhamento, sobre qual instrumento vai ser usado, se vai ser o governo central ou local, o tamanho dessas linhas de liquidez, se vai haver aporte no capital dos bancos, mas ainda há notícias por vir.
Na virada do final de semana, houve um sinal importante na redução das restrições na compra de imóveis. Foi em uma cidade grande, em Guangzhou, e a expectativa é que outras cidades também façam.
Na China, há uma série de restrições, por exemplo, se você for financiar um segundo imóvel, tem que dar uma entrada maior. Na hora que essas restrições são derrubadas, as oportunidades para comprar um imóvel crescem. Então, sim, essas medidas são diferentes do que era observado, tanto na abrangência, quanto no objetivo final.
As ações voltadas para o mercado acionário também são uma forma de resgatar a confiança, porque parte do patrimônio das famílias está no mercado acionário, e na hora que a bolsa sobe, essa percepção de riqueza melhora.
Minha avaliação é que, por ora, o sinal é positivo e tende, pelo menos, estancar a desaceleração que vinha acontecendo.
Ele é suficiente para uma nova rodada de crescimento?
Antes de melhorar, precisa parar de piorar. É uma pré-condição para que essas medidas comecem a surtir efeito. No limite, as famílias vão gastar aquilo que podiam e vão deixar de poupar. Só isso daria uma possibilidade de crescimento em torno de 0,50 ponto percentual do PIB. E aí você prepara as condições para outras medidas mais estruturais que possam ter um efeito de médio prazo.
A pergunta natural nesse momento é se as medidas foram de curto ou médio prazo. São medidas de curto prazo. Tem notícia que ainda está para vir, o que pode ajudar a manter esse sentimento favorável vivo.
Quanto era sua projeção de crescimento do PIB antes e agora? Você acha que vai ser possível alcançar a meta de 5% para 2024?
Nossas projeções são de um crescimento de 4,6%, em 2024, e 4,2% para 2025. Quando eu disse que tem um potencial de melhora, é ao longo do tempo.
Se os dados começarem a mostrar uma reação positiva, tanto de consumo, quanto de vendas e lançamentos de imóveis, aí eu incorporo no cenário. Mas agora acho muito precipitado.
Em geral, o mercado financeiro antecipa os movimentos, então os preços dos ativos tendem a reagir antecipadamente, mas me parece que a cautela é necessária. Temos que esperar, e não uma semana, alguns meses, para reavaliar as projeções tanto para esse ano quanto para o ano que vem. Se as medidas surtirem efeitos, se a confiança das famílias e das empresas voltar a se recuperar, é possível que o crescimento deste ano seja mais próximo da meta de 5%.
E em 2025?
É o que é mais importante olhar: as projeções dos analistas estavam convergindo para números próximos a 4%, que é bem distante de 5%. Não sabemos a meta que vai ser estabelecida para o ano que vem, mas dificilmente o governo faria um ajuste para um número tão inferior ao deste ano. Me parece provável manter a meta de crescimento para 5% em 2025. Por isso que essas medidas têm que ter um alcance mais dilatado, não é resolver o problema deste ano. O governo está tentando preparar as condições para que esse crescimento seja mais sustentável.
O foco, então, é o consumo. E do lado da oferta?
A China, nos últimos anos, investiu muito em uma capacidade produtiva industrial para atender seu mercado interno e externo. E em alguns setores, aparentemente, não têm nem demanda interna ou externa suficiente para dar conta dessa capacidade produtiva. Carro elétrico é um exemplo.
O que nós observamos em termos de preços, que é uma deflação, é um desbalanceamento de oferta e demanda.
A grande questão hoje da China não é como investir mais – e talvez essa tenha sido uma das grandes mudanças nesses anúncios da semana passada. Porque o governo chinês vinha insistindo que a indústria era o que determinaria o crescimento, esse seria o guia. Mas a demanda das famílias foi ficando para trás. A China até vem tendo um crescimento das exportações, mas isso não é o suficiente para balancear.
Então o que se observava era a indústria muito bem, puxada pelas exportações, mas o consumo atrás. Essas medidas, como falei, tendem a favorecer a confiança das famílias, para que, dada a renda e as condições de trabalho, elas possam gastar aquilo que é compatível.
O que se observa ao longo dos últimos anos na China é que a poupança das famílias começou a desbalancear o consumo. A poupança cresceu, enquanto a demanda por empréstimos caiu e o consumo caíram.
Por isso que os mercados, os preços dos ativos, têm reagido de maneira bastante positiva a essas medidas. Eles mudam esse foco da política econômica, de ser menos oferta, menos indústria, para ser mais renda.
Tem algum dado crucial para ficar de olho sobre o real impacto dessas medidas sobre o consumo?
Acompanhar o dado de lançamento e vendas de imóveis – que conseguimos fazer semanalmente – me parece que é um bom indicador para ver se as famílias voltaram a comprar. Outro indicador que me parece importante é o desempenho dos mercados acionários. O quanto essa alta da bolsa, que ultrapassou 20% em uma semana, se sustenta. Esperar outra pernada dessa? Me parece bom ter cautela.
Outro indicador é a poupança e o volume de empréstimos.
Claro, muito desses dados, dificilmente você vai ver uma grande alteração em um mês. Então o governo vai monitorar o que seria a temperatura da confiança, por meio da bolsa e das vendas de imóveis.
Mas me parece necessário avaliar um trimestre, também como as vendas do varejo se comportaram ou se os dados de crédito reagiram. Leva algum tempo, dado que você quer mover a confiança que estava travada.
O próprio dado de confiança das famílias é mensal, então dá para ver se teve alteração. Dentro desse indicador, podemos abrir o componente de emprego, se as famílias estão com medo de perder o emprego (que vinha desacelerando bastante), o componente de renda, de consumo. Até o preço de commodities vai incorporar esse sentimento – e os dados de economia, que estamos monitorando.
Sobre oportunidade, esse rally da semana passada na bolsa, em sua visão, pode permanecer? É uma oportunidade para o investidor estrangeiro entrar agora?
Uma pergunta que as pessoas têm que fazer é: qual veículo, qual mercado, qual preço de ativo que eu posso ter a oportunidade de navegar nesse cenário? Como é um movimento mais macro, quanto mais amplo for o mercado, melhor. Por exemplo, a bolsa consegue capturar o preço das commodities.
Então eu posso apostar que o preço do cobre, do minério de ferro vai subir. Ou eu vou comprar a bolsa chinesa, ou uma bolsa correlata, ou uma moeda que tenha uma exposição à economia chinesa e possa capturar esse movimento.
Claro, depois das bolsas terem dado um salto, a pergunta é se fica, se tem outro avanço ou se devolve. Outro rally, como esse, não temos evidência ainda. Mas devolver? Acho que não. A tendência continua favorável.
Como o movimento é voltado ao consumo, os ativos ligados a ele parecem que podem ter um desempenho mais favorável, quando eu comparo as commodities que têm exposição ao setor imobiliário. Esse setor vai se recuperar, mas não é mais um instrumento para a economia chinesa. Esse ponto é importante.
As medidas anunciadas não mudam alguns parâmetros que o governo entende para China, o crescimento ainda vai ser puxado pela indústria, pelos investimentos em tecnologia. O setor imobiliário não voltará a ser o que era antes. O governo fala sempre que casa é para morar e não especular.
Mas, nesse sentido, pode-se desenvolver outros mecanismos para investimento chinês e que indiretamente pode beneficiar os investimentos estrangeiros.
O direcional da bolsa chinesa é uma alternativa, ou de bolsas que estejam bem ligadas à China como Hong Kong, que acaba sendo o espelho da bolsa chinesa. Outra opção são as commodities, como o minério de ferro, que foi bater quase US$ 110.
E as moedas de países que têm exposição da China, dentre eles o real e moedas da Austrália, da Nova Zelândia, da África do Sul e do Chile. Países que exportam muito para a China tendem a ter um desempenho positivo. E, claro, os preços dos ativos como um todo no mundo acabam tendo esse benefício, pelo menos de não ter um risco negativo vindo da China.
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Rebecca Crepaldi
Repórter de finançasJornalista formada pela Unesp, mestranda em Jornalismo Científico na Unicamp e especializada em Jornalismo Econômico pela FGV. Tem mais de 5 anos de experiência em redação com passagens pelo G1 e Estadão.