ENTREVISTA: A brecha nos planos corporativos de transição energética
Companhias precisam ser rigorosas no ‘due diligence’ de direitos humanos ou custo jurídico pode ser maior, diz jurista Damilola Olawuyi, da ONU
Raquel Brandão
Repórter Exame IN
Publicado em 10 de dezembro de 2023 às 13:29.
Última atualização em 11 de dezembro de 2023 às 11:36.
GENEBRA* – Palco da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP28, Dubai está cheia de representantes de empresas de indústrias do carvão, petróleo e gás, para quem o debate sobre a transição energética é assunto de primeira ordem. Um estudo da McKinsey calcula que de 2021 a 2050 os custos de investimento da transição para uma economia de emissão zero somarão US$ 275 trilhões.
Um preço salgado, mas que pode ser ainda maior caso “os planos das companhias não levem em consideração os direitos humanos”, argumenta, em entrevista ao EXAME IN, Damilola Olawuyi, jurista internacional e presidente do grupo de trabalho da ONU para direitos humanos e empresas desde julho deste ano.
Olawuyi foi um dos painelistas da abertura do 12º Fórum Global de Empresas e Direitos Humanos, promovida pelas Nações Unidas em Genebra, na Suíça, entre 27 e 29 de novembro – onde a agenda de transição energética dominou os debates poucos dias antes da COP28 levar o centro das atenções para Dubai, ironicamente um dos pontos nevrálgicos da produção de petróleo em todo o mundo.
“Para uma saída responsável das fontes de combustíveis fósseis, é preciso um começo responsável na outra ponta. É preciso que as companhias tenham processos rigorosos de due diligence e transparência. Caso contrário, vão perder ainda mais dinheiro com litígios”, diz o jurista nigeriano, cuja experiência acadêmica está nas questões de direito para os setores de petróleo, mineração, energia e meio ambiente.
Apresentado em outubro, o mais recente relatório do grupo de trabalho de direitos humanos da ONU trata justamente do setor extrativista e sua atuação para uma “transição energética justa”. Entre os pontos de atenção, observa Olawuyi, está a responsabilidade com o chamado “passivo residual”, isto é, as estruturas que ficam para trás conforme as empresas vão abandonando os combustíveis fósseis e passando para as novas fontes de energia. “Cabe também aos Estados desenvolverem planos estratégicos nacionais para a transição, com um arcabouço legal claro e segurança jurídica”, acrescenta.
Leia abaixo os principais pontos da entrevista.
Quando se fala em transição energética justa, qual o papel das empresas?
O que defendemos no relatório sobre a transição justa do setor extrativista e direitos humanos é a necessidade de as empresas terem pelo menos em mente os direitos humanos ao conceberem programas de transição energética. Não podemos fugir do fato de que a transição energética terá impactos significativos em alguns direitos humanos. Enquanto as companhias são chamadas a abandonar os combustíveis fósseis por causa da emergência climática, isso também resultará em perda de empregos, fornecedores perdendo a capacidade de suportar suas fábricas e pessoas dependentes dessas cadeias também com dificuldades financeiras, por exemplo.
Há ainda questões relacionadas a como a transição energética pode piorar a apropriação de terras, especialmente com a procura de minerais essenciais na transição em muitas partes do mundo, o que já está suscitando muito debate e preocupações.
Mas como as empresas podem, de maneira prática, incluir esse olhar em seus planos de negócios?
A saída responsável na transição energética começa com um começo responsável. Não pode haver uma saída responsável se as empresas estiverem mais preocupadas com lucro do que com as pessoas e o planeta. Então isso começa com um processo de ‘due diligence’ rigoroso em questão de direitos humanos para entender quais as implicações dos investimentos em mineração, agronegócio, etc. É preciso ter um plano de execução responsável, estando atento às vulnerabilidades, incluindo as de gênero.
Há a necessidade de as empresas garantirem que os relatórios sobre os programas de transição sejam precisos e evitem o ‘greenwashing’. O que observámos no nosso relatório é que essas questões de direitos humanos não são suficientemente colocadas, o que está levando a alguns dos desafios, como a falta de transparência e a falta de responsabilização das companhias.
Exato. Já temos visto muitos relatos, inclusive de povos indígenas da América Latina, sobre impactos negativos da exploração de minerais.
Se o pensamento for apenas em maximizar lucros, no final as empresas perderão dinheiro. É uma questão de quando se deseja tratar a questão dos impactos: antecipando e mitigando riscos ou tendo de gerenciá-los? É no início ou quando já há litígio ou protestos? Penso que há um forte argumento comercial para gerir esses riscos no início, com um planejamento estratégico de direitos humanos.
Quais são as principais questões ou dificuldades?
Um ponto está na responsabilidade com o passivo residual. Ou seja, quem vai ser responsável pela estrutura que fica nessa saída de uma matriz energética? Quem vai responder pela infraestrutura deixada para trás? E as empresas devem se responsabilizar para não deixar esse passivo para as comunidades locais.
Mas isso não é tão simples, certo?
Sobre essa saída responsável vemos alguns gaps que fazem essa visão ser mais complexa, como, por exemplo, os planos nacionais ou legislações sobre as empresas que não mencionam a responsabilidade dessa mudança. Como as empresas podem saber o que é esperado delas quando o arcabouço legal falha em explicar isso? Negócios precisam de uma atmosfera de clareza e de previsibilidade legal.
Então, convocamos os Estados a liderarem pelo exemplo garantindo leis claras e segurança jurídica para que as empresas saibam o que fazer para seguirem com uma transição energética responsável. Cabe também aos Estados desenvolverem planos estratégicos nacionais para a transição e já vemos alguns exemplos positivos, como a iniciativa do Reino Unido de descomissionamento. [Em 2021, a Autoridade de Transição do Mar do Norte (NSTA) -- que até 2022 se chamava Autoridade de Petróleo e Gás -- anunciou um plano de estratégico com regras para o fim do uso de estruturas da indústria de óleo e gás. A previsão é de que os custos do processo de desuso dessas estruturas somem 16 bilhões de libras esterlinas no período de 2021 a 2030, com pelos menos 1782 poços sendo desativados].
*A jornalista viajou a convite do Pacto Global da ONU no Brasil
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Raquel Brandão
Repórter Exame INJornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado