Bolsas: sem bola de cristal, investidor perdeu capacidade de dar preço
Mesmos motivos que estão tirando dinheiro do Brasil hoje podem trazer de volta no futuro, após reflexões
Publicado em 10 de maio de 2022 às 08:45.
“O futuro não é mais como era antigamente”. A frase da música “Índios”, da banda de rock pop nacional Legião Urbana, pode perfeitamente explicar o sell off dos mercados nos últimos dias. As situações do mundo são novas, mas o comportamento do investidor, não. A clareza, que aumenta a cada dia, de que o mundo vive uma enorme movimentação de suas placas tectônicas é a explicação para a fuga dos ativos de risco. Diante de incertezas, a sequência sempre foi: primeiro vender, depois refletir e, então, comprar de novo.
Os investidores estão exatamente no ato da venda. E, dessa vez, a reflexão talvez leve mais tempo, porque as mudanças são profundas. Depois de colocarem mais de R$ 68 bilhões na bolsa brasileira em janeiro, fevereiro e março, estrangeiros agora sacam recursos. Nos primeiros dias de maio, a saída já superou todo mês de abril e beira os R$ 8 bilhões.
Nos Estados Unidos, as gigantes de tecnologia perderam mais de US$ 1 trilhão em valor de mercado (mais do que toda a capitalização da B3) em três sessões de mercado, reportou a CNBC. No Brasil, a Locaweb, representante do setor de tecnologia no Índice Bovespa, tomou um tombo de 14,5% no pregão de ontem. Mesmo com preços já castigadas, Magazine Luiza caiu mais do que 9% e Petz, uma das maiores queridinhas da leva de IPOs mais recente, encerrou a segunda-feira em queda de 11% — depois de trazer um balanço com 40% de expansão de receita. Totvs, a maior empresa de software do país, também foi dragada para a lista de maiores baixas do Ibovespa.
O desconhecimento do futuro tem na lista: a mudança que parece estrutural nas taxas de juros, uma revisão da cadeia de suprimentos global, combinada a um movimento de desglobalização, e, provavelmente, tudo isso inserido em uma nova ordem geopolítica. O que tornou tudo complicado é que ninguém sabe exatamente — por enquanto — como essas três coisas vão se reorganizar e, além disso, o que elas vão arrastar pelo caminho. Até mesmo os exercícios sobre esses temas ainda são pobres em conclusões.
Na música “Índios”, a banda comandada por Renato Russo fala da inocência com a qual os nativos receberam os portugueses e como se frustraram em seguida. É uma analogia à inocência que cada um carrega quando aceita com o otimismo cego as novas situações. Encaixa aqui também. É sobre como os mercados ignoraram em 2020 e 2021 as consequências da pandemia sobre as economias. Tudo era a digitalização e a expansão infinita que ela parecia permitir.
Agora, diante das incertezas, os investidores olham para as gigantes de tecnologia ou para as companhias cujo valor estava todo calcado em seu alto crescimento e não sabem mais valorar esses negócio. São empresas que não oferecem grandes pagamentos de dividendo para ser referência nesses momentos e não têm ativos físicos que sejam lastros ou parâmetros de segurança. Sem saber como será o futuro, os investidores perderam a capacidade — momentânea — de dar valor ao presente. Aliás, para complicar aqui, nem a qual taxa descontar o futuro desconhecido os investidores sabem.
É dessa perda de eficiência que devem nascer as oportunidades entre as big techs para aqueles que até agora estavam de fora achando tudo caro. A digitalização vai seguir e o mundo em nuvem, também. Ainda que ninguém saiba, por enquanto, quanto isso vale.
Brasil
O comportamento da bolsa no Brasil segue com um outro ingrediente: a pressão da saída do fundo soberano ADIA. Como tudo que guarda o fundo soberano de Abu Dhabi é cercado de mistério, ninguém consegue ainda cravar com certeza se essa venda está de verdade ocorrendo. Porém, mais e mais participantes do mercado acreditam que sim e que ela pode ter puxado uma fila de vendas maiores simplesmente pelo efeito manada. O mercado hoje é cheio de automações, como qualquer setor da economia, e a expansão dos ETFs é uma evidência disso.
O curioso é que, no caso do Brasil, as forças que movem as placas tectônicas globais — e que são a causa do sell off — podem ser as mesmas que trarão fluxos novos para o país no futuro. Mas, de novo, um futuro que ninguém sabe quando exatamente.
A América Latina e o Brasil, especialmente, cada vez mais aparecem na fala de grandes especialistas e investidores como o destino mais lógico para parte importante dessa dinheirama que está se movimentado. O país tem amplas vantagens nas três grandes questões que estão chacoalhando o presente e turvando o futuro:
1. O Brasil é um grande fornecedor do mundial. A lista é grande, vai de minério de ferro, passa por grãos, celulose, papel e chega na proteína animal.
2. Ainda que o cenário inflacionário esteja sem luz no fim do túnel, com alta de petróleo e energia, não há dúvida que o Brasil está na frente no clico da taxa de juros. E deveria estar na frente em seu fim, também.
3. A América Latina é uma região completamente ocidentalizada, em costumes e estruturas jurídicas, que não representa nenhuma ameaça à ordem mundial. Suas instabilidades políticas e econômicas podem, se não forem exacerbadas como na Venezuela e na Argentina, se tornarem pequenas diante da instabilidade no Leste Europeu e da opacidade chinesa.
Quando aplicada ao Brasil, a perspectiva de que o futuro possa ser diferente do que foi antigamente pode ser um bom prognóstico. O difícil é sobreviver até lá.
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