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As livrarias que crescem no vácuo de Saraiva e Cultura

Apostando no local e sem megalomania, Leitura e Travessa ocupam espaços deixados pelos fechamentos das principais marcas do país  

Travessa, no Shopping Iguatemi (SP): Expansão se acentuou após 2017, quando carioca chegou à capital paulista (Leandro Fonseca/Exame)
Travessa, no Shopping Iguatemi (SP): Expansão se acentuou após 2017, quando carioca chegou à capital paulista (Leandro Fonseca/Exame)
Raquel Brandão

Raquel Brandão

27 de dezembro de 2023 às 17:49

Na contramão da crise das livrarias, Travessa e Leitura vêm abrindo novas lojas, muitas vezes substituindo os espaços vagos em shopping centers por marcas como Saraiva e Cultura – duas das últimas empresas do setor a pedir falência ou recuperação judicial, numa longa lista a qual se somam Laselva e Fnac. 

Com perfis bastante diferentes (a Travessa tem 14 lojas e a Leitura mais de 100), ambas apostam na mesma tese: quem colocou suas fichas no gigantismo das megalojas e na tentativa de competir com o e-commerce ficou pelo caminho por oferecer um serviço menos qualificado e personalizado. 

A livraria precisa ser ‘raiz’, com cada ponto de venda focado na região onde está inserida e o perfil de seus clientes. 

“Charles Darwin falava que a sobrevivência não seria dos mais fortes, mas dos que estão melhor adaptados. No nosso caso, é bem isso mesmo”, aponta Rui Campos, sócio da Travessa, nascida nos anos 1970, em Ipanema, no Rio de Janeiro.

Em agosto, a livraria inaugurou uma nova loja no Shopping Villa Lobos, ocupando o espaço que antes era da Livraria Cultura. Antes disso, em 2022, chegou ao Shopping Iguatemi, preenchendo a lacuna que tinha sido deixada pelo fechamento de uma grande unidade da Cultura. “É quase impossível imaginar um shopping que não tem uma livraria. Todos querem ter uma”, diz Campos.

Na Leitura, das 105 lojas, pelo menos 20 são em shopping centers em que outra livraria saiu, conta Marcus Teles, presidente e sócio da livraria criada no centro de Belo Horizonte em 1967 pelo irmão, Emídio Teles. 

Com o plano de chegar a 110 lojas até o fim deste ano e abrir outras dez unidades em 2024, a Leitura já é a maior rede de livrarias do país. Mas mantém a operação muito na palma da mão. Todas as lojas são da família fundadora, mas muitas têm sido abertas em sociedade com funcionários com mais tempo de casa e melhor desempenho – e sempre com capital próprio, nunca com dívida.  

Na hora de tomar decisão sobre o fechamento de uma unidade, não tem meio-termo: se não está lucrativa, é chegada a linha final. “Tem mais de 30 anos que fechamos uma loja por ano. Tem que ter coragem de fechar as lojas que erraram. Importante é consertar a rota”, afirma Teles. 

A empresa não abre o faturamento, mas diz que 60% de suas vendas vêm de livros e 30%, de itens de papelaria. A expectativa é de vender 10 milhões de livros neste ano.  

Do fim dos anos 90 até a primeira metade da década de 2010, o mercado de livrarias viveu uma efervescência, com inaugurações se multiplicando e abertura desenfreada de megalojas. A Saraiva chegou a ter mais de 100 lojas em 20 Estados brasileiros. 

A chegada de concorrentes online, em especial a Amazon (e sua política de preços bem abaixo do mercado), levou as livrarias para uma aposta alta nas vendas pela internet, muitas vezes precisando entrar na disputa pelo bolso do cliente para preservar suas fatias de mercado.  

Mas a estratégia cobrou um preço alto. As crises macroeconômicas deterioraram o poder de compra dos consumidores. Em 2018, a Laselva teve sua falência decretada, depois de quase cinco anos de recuperação judicial. Naquele mesmo ano, a Fnac, que chegou a ter um dos maiores pontos comerciais da Avenida Paulista, decidiu sair do Brasil.  

A Livraria Cultura e a Saraiva também se viram em meio a problemas financeiros tão grandes que acabaram arrastadas para processos de recuperação judicial. Cinco anos depois, no começo deste mês, a Saraiva teve seu pedido de falência decretado. Já a Cultura conseguiu reverter o pedido de falência na Justiça e ainda conta com duas lojas, incluindo a icônica unidade do Conjunto Nacional, na Av. Paulista. 

“Na Leitura, vimos os caminhos do mercado e resolvemos ir por um caminho diferente”, diz Teles. O modelo de negócios está centrado em uma estrutura de custos enxuta e com foco em manter a rentabilidade. O grupo, por exemplo, chegou a fechar em 2014 sua operação online, criada em 1997. 

Naquele momento, a disputa era predatória, com grandes varejistas online praticando preços muito baixos, numa forma de utilizar o produto para atrair os clientes para o site. A operação online da Leitura só voltou a funcionar em 2019, especialmente integrada com as lojas físicas. 

E embora venham em ritmo intenso de crescimento de lojas, tanto para Leitura quanto para Travessa, a expansão geográfica não é mandatória na estratégia. “Gosto de brincar que temos 14 lojas e nosso projeto é ter 15. Somos muito tranquilos”, diz Campos, da Travessa.

Em quase 50 anos de existência, os últimos anos de vida são os que têm sido marcados pela aceleração de inaugurações, especialmente desde a chegada da carioca em São Paulo, em 2017. Esse crescimento levou a um faturamento em 12 meses de R$ 110 milhões ao fim de setembro.

A margem do negócio do livro é pequena, observa Campos. “Uma livraria que tem 4% a 5% de margem tem que agradecer”, explica. O negócio tem uma administração cara e complexa, em especial pela necessidade de ter uma equipe de livreiros qualificada. 

Se os últimos anos do setor foram de crise, ambas vêem muito potencial na nova geração de leitores.  A loja mais recente da Travessa, no Villa Lobos, por exemplo, tem mais destaque para literatura infanto-juvenil, o segmento que mais tem crescido em venda de livros. 

A Leitura aposta em eventos, como contação de histórias, e espaços exclusivos, como o dedicado a animes e mangás.  “Hoje as crianças e os jovens não dependem só da lista de livros da escola, eles consomem mais conteúdo e descobrem o que querem ler. E a livraria é também o espaço de descoberta”, diz Teles.

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Raquel Brandão

Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Jornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado