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A tragédia das intervenções: de Bolsonaro a Paes

Para o sócio da Farallon Capital, atuação dos governos reflete falta de debate público maduro sobre função de estatais

Daniel Goldberg: "não percebemos que a intervenção desastrada de hoje leva à tarifa alta de amanhã" (Germano Lüders/Exame)
Daniel Goldberg: "não percebemos que a intervenção desastrada de hoje leva à tarifa alta de amanhã" (Germano Lüders/Exame)
GV

Graziella Valenti

24 de fevereiro de 2021 às 18:12

Estávamos em abril de 2019. Na esteira de uma campanha eleitoral repleta de promessas de “mais Brasil e menos Brasilia” e de libertar o empreendedor da burocracia e da regulamentação excessiva, o governo Bolsonaro sancionava a Medida Provisória (MP) da Liberdade Econômica, que tentava impor limites ao próprio poder regulador do governo. Apenas 30 dias depois da promulgação da MP,  a tabela de fretes  — um dos preços mais importantes em uma economia de mercado — completava seu aniversário de um ano. Apesar de ter sua equipe econômica se manifestando formalmente contra a tabela, hoje o governo Bolsonaro se tornou, na prática, o guardião da prática absurda de regulamentar quanto o empresáro deve pagar ao transportador para transportar suas mercadorias. O medo da volta da greve dos caminhoneiros e suas consequências de curto prazo para a atividade econômica no Brasil estaria na raiz da decisão. O mesmo se disse da recente decisão do governo, como acionista controlador da Petrobras, de pedir a remoção do seu CEO por aumentar o preço da gasolina e do diesel.

Antes da recente crise da Petrobras, a desastrosa intervenção do governo Dilma no setor elétrico também veio embebida de promessas e adjetivos: redução de custo brasil para os grandes grupos industriais, alívio para o consumidor de energia elétrica, que deixaria de sofrer com “aumentos abusivos”.

No Rio, Eduardo Paes tem consciência de que o rompimento de contrato com a Linha Amarela e a consequente encampação da operação por uma prefeitura sem recursos para pagar qualquer tipo de indenização à concessionária é desastrosa para o ambiente de investimentos da cidade e para a solvência de longo prazo do município. Usualmente sensato e sofisticado, o prefeito sabe que ninguém investe em uma concessão municipal se o prefeito puder decidir, depois de jogado o jogo e assinado o contrato, que um ativo pode ser tomado à força e relicitado. Mas a pressão dos usuários pela redução de preços e pela continuidade do “benefício da cancela aberta” aparentemente justificou uma mudança de direção. No último fim de semana, com apoio da guarda municipal, o município do Rio deu início à tomada da operação, no melhor estilo bolivariano. Entusiasmados com o precedente aberto pela municipalidade, a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro já havia aprovado a autorização para o governo anular uma outra concessão, a chamada Rodovia dos Lagos, operada pela CCR.

O roteiro de todas essas intervenções é parecido: um governante atende aos pleitos de um grupo bem definido (caminhoneiros, usuários de rodovia, consumidores industriais de energia) e, sob aplausos, adota medidas cujo custo é múltiplas vezes o valor do benefício, mas espalhado no tempo e dividido entre milhões de pessoas que sequer entendem que estão “pagando a conta” do voluntarismo econômico. Assim como no caso das reservas de mercado, regimes tributários especiais  e subsídios, a intervenção populista é muito difícil de combater. Os que ganham com a intervenção sempre gritam mais alto do que os que perdem.

O eleitor carioca não julgará Eduardo Paes pelo eventual fracasso da próxima rodada de concessões,  e muito menos pelo aumento da percepção do  “risco Rio de Janeiro”. O nexo causal entre as intervenções praticadas pelo prefeito e a desorganização da vida econômica no Rio é muito remoto e pouco palatável para o debate político. Da mesa forma, o eleitor não culpará o governo Bolsonaro se o programa de privatização de refinarias da Petrobrás fracassar à luz dos riscos de que a política de preços de derivados contnue a ser marcada por preços domésticos controlados. O investidor sabe que ninguém compra uma refinaria se acha que será obrigado a vender diesel abaixo do custo de importação, mas no debate político esse tipo de consideração tem cara de nota de rodapé.

No mundo da política identitária e das respostas em 140 caracteres ou menos, discussões em torno de efeitos de segunda ordem, custos e benefícios de longo prazo vão ficando relegadas a um círculo cada vez menos relevante. E o populismo vai ficando cada vez mais tentador.

No espaço público, as intervenções logo são resumidas à uma polarização simples e falsa:  “concessionários versus governo” ou “Petrobras versus Brasil”. Não percebemos que a intervenção desastrada de hoje leva à tarifa alta de amanhã.

Enquanto o debate público não amadurecer,  governos de esquerda, centro e direita continuarão a abusar do intervencionismo ingênuo, que agrada a uma parcela do eleitorado no curto prazo mas prejudica a todos no longo. A receita do populismo continuará a ultrapassar fronteiras partidárias e ideológicas. E a sociedade continuará a culpar os políticos pelos seus males sem perceber que,  como sempre, os políticos apenas seguem os votos.

*Daniel Goldberg é sócio-gestor da Farallon Capital na América Latina, ex-presidente do Morgan Stanley e ex-secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça

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