Valid, empresa que emite RGs e CNHs no Brasil, compra startup de olho no setor privado
Companhia desembolsou R$ 20 milhões pela FlexDoc, que presta serviços de autenticação para a Caixa Econômica Federal
Karina Souza
Repórter Exame IN
Publicado em 23 de maio de 2023 às 08:56.
Última atualização em 23 de maio de 2023 às 14:19.
A Valid é mais uma daquelas empresas presentes no dia a dia de qualquer brasileiro, mas cujo nome não traz uma associação imediata entre criador e criatura. A companhia, avaliada em R$ 1,09 bilhão na B3, é a principal emissora de documentação civil do Brasil: hoje, 80% do mercado brasileiro de CNHs e 60% do de RGs estão sob seus cuidados. Da captura biométrica (em lugares como o Poupatempo, em São Paulo, por exemplo) até a entrega da documentação aos cidadãos, é a Valid que cuida de tudo. Em números, são ao todo, mais de sete milhões de documentos emitidos por trimestre. Com uma trajetória tão consolidada no setor público -- e resultados recorde neste início de 2023 -- a empresa se prepara, agora, para aumentar a presença no setor privado.
A companhia concluiu nesta terça-feira (23) a aquisição da FlexDoc, startup especializada em automação de processos e validação de usuários de forma digital. Traduzindo, é uma empresa que tem a tecnologia necessária para checar se uma pessoa é quem diz ser quando alguém faz um cadastro biométrico (exemplo, enviando uma foto de si mesmo e de um documento para abrir uma conta em um banco). Para incorporá-la, a Valid desembolsou R$ 20 milhões, que vieram do caixa da companhia, por 100% do capital da startup. Além disso, vai pagar, ainda, uma parcela adicional de R$ 20 milhões condicionada a critérios de lucratividade em 2023 e 2024 -- período em que os fundadores continuam à frente do negócio.
A companhia não divulga o potencial de receita a ser trazido a partir da nova aquisição, mas dá uma ideia de quanto vale esse mercado. Hoje, nas contas da Valid, o segmento de onboarding digital (desse tipo de cadastro inicial, resumidamente) só no sistema financeiro vale R$ 700 milhões no Brasil. “Buscamos ter uma posição relevante, de 20% a 30% desse mercado”, diz Ivan Murias, CEO da Valid, ao EXAME IN.
É uma alternativa para completar o ciclo de crescimento orgânico pelo qual a empresa passa. Neste primeiro trimestre, a Valid teve resultados recorde para um período de três meses, com um lucro líquido de R$ 65 milhões. Com mais de 4 mil colaboradores e atuação em 15 países, o resultado na última linha do balanço veio, mesmo, do crescimento em receita da empresa em cada uma de suas três divisões.
Hoje, além da vertical de identificação (ID), a companhia ainda conta com uma de Pagamentos -- a maior em receita -- em que oferece soluções para pagamentos e transações digitais financeiras, desde a produção de cartões ao ecossistema de pagamentos e emissão de boletos físicos e digitais. Por fim, tem ainda a vertical Mobile, focada em vender soluções para o mercado de telecomunicações, como chip e gestão de assinaturas. A geração de receita entre as três é equilibrada e, daqui para frente, a ideia é que, para continuar crescendo, a companhia possa promover mais oportunidades de interação e de ofertas conjuntas. É esse ponto que a aquisição visa reforçar.
Mais setores, com maior demanda por segurança
A companhia acredite que será possível expandir rapidamente os produtos que vêm com a aquisição, combinando uma oferta a ser agregada entre as verticais de ID e de Pagamentos, uma vez que um dos principais nichos em que a companhia deve entrar, no setor privado, a partir da aquisição, é o setor bancário.
Um dos pontos que fez a diferença para a FlexDoc chamar a atenção da Valid foi a forte interação com um nicho que a companhia já queria se aproximar, o bancário, por meio de um cliente que mistura componentes públicos e privados: a Caixa Econômica Federal. Resumidamente, a FlexDoc foi uma das principais responsáveis por autenticar boa parte dos benefícios distribuídos ao longo da pandemia dentro do banco.
Apesar de a oportunidade ficar mais clara dentro desse nicho, hoje, a Valid mira ainda outros mercados. São eles: a indústria de telecomunicações — já que a companhia vende 10% dos chips comercializados mundialmente --- seguros e assistência médica. A ideia é, no futuro, que metade da receita venha do setor financeiro e, a outra metade, a partir dos outros três setores.
"Ainda existe muito processo manual dentro das empresas. E, ao colocarmos mais tecnologia nisso, conseguimos capturar alguns serviços hoje realizados de forma manual dentro de empresas e trazermos mais eficiência. É nisso que apostamos como diferencial", diz Murias.
Importante dizer que a Valid mira, em todos esses mercados, o processo de autenticação de abertura de contas, o chamado 'onboarding'. Apesar de ter um CEO que veio do varejo, não é a intenção da companhia autenticar transações, por exemplo — como fazem outros players de mercado, como a ClearSale.
Para ganhar espaço em meio a um mar de concorrentes (como o unicórnio Unico, por exemplo), o que a Valid aponta como diferencial é a escala que consegue trazer a partir dos negócios que já tem dentro de casa, combinada a uma tecnologia desenvolvida de forma 100% nacional pela startup.
"Hoje, os cidadãos que usam benefícios nem sempre têm celulares de última geração, o que é um problema para ferramentas externas. Softwares de reconhecimento facial de fora, de um modo geral, tendem a negar fotos de baixa resolução, enquanto para um motor desenvolvido localmente, a capacidade de análise é maior ou combinada a fatores humanos", diz Murias.
O privado sem esquecer do público
Todas essas inovações e novos mercados não significam que a companhia vai deixar de lado o setor público. Mas ao contrário. A Valid acredita que eficiência também para o setor público pode ser colhida a partir de um maior uso de certificações biométricas.
Sendo uma das patrocinadoras da conferência Egov, realizada na Estônia, a companhia faz coro ao argumento também defendido pela Unico de que o país europeu é um caso de sucesso -- e que os resultados podem ser replicados para o Brasil.
"Fica claro, cada vez mais, que para melhorar o NPS de um governante, transformar a jornada do cidadão é algo muito poderoso. A gente tinha um conceito de digitalização que é abrir um portal na internet e jogar as secretarias lá. E não é isso. Acreditamos que dá para elevar alguns graus de potência de tecnologia, mas precisa de orquestração de pensamento", diz Murias.
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Karina Souza
Repórter Exame INFormada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.