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Vale: estreia de nova governança tem falha em votos e veto à remuneração

Pacote de R$ 202 milhões aos administradores foi rejeitado por acionistas que votaram à distância, em contagem parcial

Escavadeira da Vale em Carajás: companhia vive auge na B3, avaliada em R$ 575 bilhões, devido à alta do preço do minério (Germano Lüders/Exame)
Escavadeira da Vale em Carajás: companhia vive auge na B3, avaliada em R$ 575 bilhões, devido à alta do preço do minério (Germano Lüders/Exame)
Graziella Valenti

Graziella Valenti

Editora Exame IN

Publicado em 2 de maio de 2021 às 13:11.

Última atualização em 16 de fevereiro de 2024 às 14:28.

A estreia da Vale como uma “true corporation”, ou seja, como empresa sem dono, foi — ou está sendo — aos trancos e barrancos. Por enquanto, nada que possa ser chamado de coroação da privatização, como se imaginava. Está mais para a barulhenta e tumultuada eleição americana.

A primeira assembleia ordinária da mineradora sob a nova governança — que vai escolher a administração agora que não possui mais um sócio majoritário ou um bloco de referência — começou na sexta-feira, dia 30, às 10 horas, e ainda não foi concluída. O desfecho ficou para segunda-feira, amanhã, dia 3.

Já se sabia que o encontro seria emblemático, mas ninguém previa a confusão que se viu até o momento. Há 16 candidatos disputando 12 vagas para o conselho de administração — órgão máximo de governança de qualquer empresa aberta, e ainda mais poderoso em uma companhia sem um sócio majoritário. É justamente essa a única definição entre os temas em pauta que ficou pendente, mesmo depois de oito horas de assembleia, com três interrupções.

Na disputa, há 12 nomes recomendados pela administração atual (sete candidatos à reeleição e mais cinco novas indicações), fruto do trabalho de um comitê de nomeação criado para esse momento, e mais outros quatro indicados por um coletivo de bilionários brasileiros — figurinhas tarimbadas do mercado como Lirio Parisotto, Victor Adler, Luis Alves Paes de Barros, por meio dos fundos Poland e Alaska, e mais a Tempo Capital, de Paulo Bodin.

O problema nada fotogênico para estreia do novo modelo de governança da empresa, após uma ampla reforma do estatuto social, está na contagem dos votos. E logo de quem, do maior acionista, a gestora de recursos Capital, dona de 17% das ações.

A Vale, que vive o ápice de seu valor de mercado, avaliada em R$ 575 bilhões, é de fato uma empresa sem dono. O valor em bolsa tem acompanhado as cotações do minério de ferro, que anda nas alturas.  Mas há dois polos de poder atualmente. Um é o grupo de ex-controladores, Previ, Bradespar e Mitsui, que se mantêm no negócio com uma fatia de aproximadamente 21% do capital total. O outro é a Capital, que solicitou a realização de uma eleição de conselho pelo sistema de voto múltiplo — quando é possível concentrar o poder de voto apenas em alguns nomes.

Os problemas de sexta-feira terminaram por escancarar o apoio da Capital ao quarteto de nomes sugeridos para rivalizar com a lista proposta pela empresa: o conselheiro profissional Marcelo Gasparino, o ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco, e ainda Mauro Rodrigues da Cunha, conselheiro de longa data e militante das boas práticas de governança, mais Rachel Maia, a ex-CEO da Lacoste e da Tiffany que se tornou nome recorrente na temporada de 2021, como um símbolo da diversidade de gênero e racial nas empresas.

A confusão e o problema

Foi uma tremenda confusão, na sexta-feira. Após a Vale exibir como estava o total agregado da contagem dos votos, em dado momento da assembleia, Gasparino, que já é conselheiro da Vale desde 2020 e assistia ao encontro, pediu a abertura detalhada da votação dos ADRs. Rodrigues da Cunha fez coro. A companhia não apresentou os dados. Em determinado ponto, Gasparino destacou que a atual administração, conselheiros de administração e fiscais, seriam responsáveis pelo resultado do encontro e por eventuais problemas.

Então, o representante da Capital, o advogado Rodrigo Mesquita Pereira, personagem recorrente de assembleias como representante de estrangeiros nas mais diversas companhias abertas brasileiras, bateu o pé e pediu para ver os dados. Quando a Vale mostrou o resultado das indicações feitas pelos ADRs, a Capital apontou que havia inconsistência, e alegou que os números não refletiam seus votos corretamente. Diante de algo tão grave, o resultado ficou para segunda-feira.

Será feita uma recontagem e a assembleia será reaberta apenas para definição do conselho. Ao longo da checagem de dados durante o fim de semana, tudo indica que houve uma inversão de nomes na cédula usada para votação pelos ADRs, em comparação ao boletim de voto à distância, o que pode ter resultado na confusão. Com essa mudança de posição, o candidato Castello Branco, que foi funcionário da Vale durante 15 anos, deixaria de ser eleito. A Vale destaca que apenas refletiu as informações transmitidas pelo Citi, que é o detentor da posição dos ADRs.

O exercício do voto, especialmente por investidores estrangeiros, envolve uma longa cadeia de prestadores de serviços e transmissão de informações. Não se parece em nada com o regime de votação em políticos, onde cada cidadão escolhe diretamente seu representante.

Em comunicado sobre a suspensão dessa votação, a Vale destacou acreditar que as divergências de voto apresentadas por alguns acionistas serão “corretamente apuradas e sanadas, assegurando a lisura e a solidez das deliberações”.

Matemática

Pelo poder de fogo da Capital, acredita-se que ao menos três nomes do quarteto indicados pelos bilionários brasileiros serão eleitos. Entre as sugestões enviadas à assembleia estava a candidatura de Castello Branco à presidência do conselho, no lugar da recomendação de José Luciano Penido, com ampla experiência como conselheiro e executivo, recomendado pela Vale. A expectativa é que Penido seja confirmado como chairman.

O quarteto dissidente fez uma espécie de road show pré-assembleia, em um esforço de divulgação. Se três nomes desse grupo forem mesmo confirmados, a estimativa é que fiquem de fora três antes classificados como independentes na lista sugerida pela Vale.

Ainda não é possível prever o resultado em detalhes, principalmente porque os dados apresentados não incluíam os votos do grupo de ex-controladores. A expectativa é que Previ, Bradespar e Mitsui distribuam os votos que possuem nos mesmos candidatos, ou seja, de que se manifestem quase que em bloco ainda. O trio tem o um só representante no encontro, o advogado Alberto Weyland Vieira.

Agora conhecedores de como votou toda a base de capital da companhia, esses acionistas podem decidir também concentrar suas recomendações.

O elemento Gasparino

Gasparino é apontado como o articulador do quarteto dissidente. O conselheiro profissional, advogado e ex-diretor jurídico da Celesc, iniciou essa carreira há cerca de dez anos, pelas mãos de Parisotto — que fez o pedido de inclusão do quarteto na disputa. Em recente entrevista ao EXAME IN, quando questionado exatamente sobre isso, limitou-se a dizer que a sugestão dos nomes foi dos acionistas.

O grupo que fez a recomendação alegou que a lista feita pelo comitê de nomeação instituído pela Vale, com 12 nomes, tinha como defeito principal falhas na independência. A mensagem implícita era que os ex-controladores continuariam excessivamente influentes.

Quando as consultorias internacionais de recomendação de voto — ISS e Glass Lewis — fizeram a análise dos nomes, não se percebeu grande eco desse debate. Ambas fizeram considerações nome a nome. E, entre gestoras tradicionais do mercado nacional, muitos entendem como natural e parte do processo, a influência persistente do ex-donos nesse primeiro momento de pulverização do capital, enquanto ainda são um grupo relevante.

Estavam presentes à assembleia donos de 80,9% das ações da Vale. Trata-se de uma participação de fazer inveja a grandes corporações.

Na reforma que fez do estatuto social pouco antes da assembleia ordinária deste ano, a Vale queria incluir um mecanismo que permitiria aos acionistas rejeitar nomes — o tal do "voto negativo". Seriam desconsiderados da disputa candidatos que recebessem mais votos contra do que a favor.

Na ocasião, Gasparino se engajou pessoalmente para evitar a iniciativa e levou o tema à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A autarquia viu um problema nessa mecânica: haveria risco de que um conselho, em um cenário de rivalidade, fosse eleito pela minoria dos acionistas e não pela maioria, o que seria contra a Lei das Sociedades por Ações. A mineradora desistiu do debate.

Na época, muito se comentou que Gasparino, já conselheiro, via na iniciativa um risco de veto ao seu nome, pois já estaria articulando a concorrência voltar a disputar uma vaga. Quando entrevistado pelo EXAME IN, ele rejeitou essa interpretação.

Remuneração

A percepção de que a estreia da Vale como empresa sem dono foi "bem mais ou menos", como definiu um gestor com posição importante em seu fundo na mineradora, tem outro motivo.  Trata-se do pacote de remuneração global aprovado, superior a R$ 202 milhões, o maior já registrado pela empresa.

A questão ficou ofuscada pela polêmica maior em torno do conselho de administração, mas nem de longe é menos importante.

Quase ninguém se deu conta, mas, quando apresentou o saldo dos boletins de voto à distância proferidos, a proposta da administração foi rejeitada. Quem garantiu a aprovação foram, de novo, os ex-controladores, donos de 1,1 bilhão de votos. Os boletins somavam apenas 19% do capital. Mas, por eles, que representam os investidores de mercado, os milhões dos executivos não estariam garantidos.

A companhia fez uma modificação na estrutura desenhada para 2021 e o peso da remuneração variável atrelada ao desempenho de longo prazo passou a ser muito mais relevante no pacote total, em especial, do presidente executivo. Embora em intensidade menor, o mesmo ocorreu com o restante da diretoria estatutária. Há diversas informações a respeito no documento oficial da proposta da administração.

Mesmo assim, entre as consultorias de recomendação de voto, a ISS, a mais influente delas, sugeriu a rejeição do pacote. O motivo alegado é falta de transparência. O relatório, contudo, não aponta em detalhe quais informações adicionais a mineradora deveria fornecer. Não é rara essa recomendação no caso de companhias brasileiras. Porém, é sim exótico ver a rejeição prevalecer. Portanto, há um recado claro à Vale. O saldo final — para saber o índice de rejeição sobre o total participante da assembleia — só será conhecido quando a empresa divulgar o mapa final consolidado da votação. Daí então será possível concluir se o resultado parcial refletia a influência da ISS ou se há uma insatisfação mais generalizada.

Resta ver como a Vale vai reagir a tudo isso para 2022.

 

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Graziella Valenti

Graziella Valenti

Editora Exame IN

Criadora do EXAME IN, espaço dedicado à cobertura de negócios, com foco em mercado de capitais. Na EXAME desde março de 2020, ficou 13 anos no Valor Econômico, oito como repórter especial, sete anos na Broadcast, do Grupo Estado.

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