Soma faz baixa contábil de R$ 3 bi na Hering: ‘Não pagamos caro’, diz CFO
Dona da Farm e da Animale tem quarto trimestre positivo do lado operacional, mas impairment por conta de mudanças tributárias rouba a cena
Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 25 de março de 2024 às 23:35.
Última atualização em 26 de março de 2024 às 11:35.
Com resultados positivos num fim de ano difícil para o varejo, o Grupo Soma entregou um quarto trimestre em linha com as expectativas do mercado, mas a questão tributária voltou a roubar a cena.
Desta vez, por conta de uma baixa contábil de R$ 2,9 bilhões (ou R$ 1,9 bilhão, considerando a valores líquidos), referentes à reavaliação dos ativos da Hering – que contava incentivos fiscais que caíram com a MP das subvenções e a reforma tributária.
O mercado já esperava um impairment na casa de R$ 1 bilhão a R$ 1,5 bilhão, mas a correção foi substancialmente maior.
“O mais importante é destacar que essa reavaliação não tem efeito caixa”, aponta o CFO do Grupo Soma, Gabriel Lobo. “Do ponto de vista operacional, a avaliação dos ativos da Hering segue exatamente a mesma desde a aquisição, a mudança veio das questões tributárias que na época não estavam no nosso radar.”
Ele rechaça a ideia de que o Grupo Soma teria pagado demais pela Hering, adquirida em 2021 por R$ 5,1 bilhões – bem mais dos R$ 3,4 bilhões oferecidos à época pela Arezzo, com quem hoje está em processo de fusão. “Pagamos o valor justo na época”, diz.
Na transação, 70% do pagamento foi feito na forma de ações do Soma — que em seguida fez um follow on cujas ações saíram a R$ 19,20. Hoje, os papéis são cotados a R$ 7,24.
A reavaliação dos ativos no balanço do fim do ano não interfere no aproveitamento da amortização do ágio que o Grupo Soma terá com a incorporação da Hering, prevista para acontecer este ano.
Cerca de R$ 1,2 bilhão poderão ser aproveitados como Imposto de Renda (IR) a partir de 2025.
“Isso não estava no radar quando compramos a Hering, simplesmente porque com as subvenções não pagávamos IR. Agora tem um ágio que se torna utilizável. Na prática, apesar da foto no balanço, o efeito não é negativo”, diz Lobo.
Na visão do CFO, o mercado ainda não precifica os valores a serem extraídos na transação. Além da amortização do ágio, há mais R$ 400 milhões em créditos tributários que já vem sendo utilizados.
“Tem outra tese [tributária] que ainda não está no balanço e na qual estamos na ponta credora e que pode ajudar mais à frente”, diz, sem dar mais detalhes.
Céu azul ex-Hering
Do lado operacional, o Soma entregou um lucro líquido ajustado de R$ 113 milhões no quarto trimestre, alta de 14% em relação aos últimos três meses de 2022. A receita líquida consolidada avançou 10,4%, para R$ 1,45 bilhão, e o EBITDA subiu 13%, para R$ 238 milhões – tudo em linha com o previsto pelo consenso dos analistas.
Depois de um primeiro semestre marcado pela desaceleração na demanda, a companhia reviu a rota, reduziu estoques e conseguiu operar com níveis mais enxutos de capital de giro, aponta Lobo. No quarto trimestre, a geração de caixa foi de R$ 60 milhões, seguindo os R$ 123 milhões dos três meses anteriores.
O bom desempenho foi puxado principalmente pelas marcas ex-Hering, que tiveram alta de 16,3% na receita, para R$ 892 milhões, com uma margem bruta de 66%, avanço de 2,3 pontos percentuais.
O destaque ficou por conta de Farm e Animale, que representam a maior parte do faturamento e cresceram ambas 10% frente ao quarto trimestre de 2022, para R$ 187 milhões e R$ 396 milhões, respectivamente.
NV ficou na ponta negativa, com alta de 1,9% no faturamento, depois de queda no trimestre anterior por conta de problemas com cadeia de fornecimento que causaram rupturas na entrega da coleção. “A NV está melhorando, mas ainda não está no seu ponto ótimo”, diz Lobo.
Turnaround em progresso
Maior ativo e uma história de turnaround dentro do portfólio, na Hering o avanço na receita líquida ainda foi tímido, de 2,7%, marcando ainda um descompasso no canal B2B.
Nas lojas próprias e no digital as vendas cresceram cerca de 20%, enquanto o sell-in para multimarcas e franquias – principal canal da marca – a queda foi de 4%.
“Estamos com uma assertividade grande nos canais próprios, com o conceito de megaloja e ajustes especialmente no feminino. Mas isso leva tempo para chegar no B2B”, diz o CFO. Um sinal positivo, aponta o executivo, é que sell-out das franquias, que mostra a venda para o cliente final, avançou 7%.
Uma das prioridades da Hering para o ano é o adequação de sortimento para as franquias, com recomendações de compra mais assertivas pensadas por região e público.
A Hering também deu uma baixa de R$ 43,6 milhões referente a estoques de tecidos da época da pandemia que estavam sendo utilizados para produção de peças de segunda linha. O valor, que equivale a 3% do custo da marca no trimestre, acabou poluindo o resultado – mas trata-se de um efeito não-recorrente, diz Lobo.
“Ao longo do ano fizemos um processo de análise de rentabilidade da indústria da Hering, SKU por SKU e concluímos que é uma operação com margem e retornos para o acionista saudáveis”, afirma. “Mas essa linha em específico estava prejudicando a rentabilidade.”
O efeito puxou para baixo da margem bruta – mas ela já foi retomada no quarto trimestre, disse a companhia no comentário do balanço, dando um raro guidance para provar seu ponto. No primeiro trimestre, a margem deve voltar para o patamar de 44% a 45%, até 3,4 pontos percentuais superior à registrada nos últimos três meses do ano.
De olho na integração das operações – uma promessa desde a aquisição da Hering –, o Soma começou a fazer pilotos de camisetas da Foxton e algumas peças da Farm nas unidades da empresa de básicos, que acabaram de chegar ao centro de distribuição. “Temos muito potencial para capturar na integração da produção”, diz Lobo.
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.