Shopify e as ações de "über voto": afinal, qual é o limite para o poder de fundadores?
Companhia perdeu 73% do valor de mercado desde o início do ano; expectativa é que CEO consiga promover mudanças para levar a empresa de volta aos trilhos
Publicado em 7 de junho de 2022 às 19:34.
Última atualização em 10 de junho de 2022 às 17:55.
Qual é o limite para o poder de um fundador dentro de uma companhia? À primeira vista, trata-se de alguém com conhecimento inigualável a respeito do negócio, mas esse conhecimento justifica um executivo como esse ter direito a 40% dos votos, mesmo que tenha apenas 1,1% dos papéis? Para os acionistas da Shopify, que fornece uma plataforma de e-commerce a vendedores, sim. A proposta de permitir que Tobias Lütke, fundador da companhia, tenha direito a um "über voto" foi aprovada nesta terça-feira. No detalhe, ele já tinha ações Classe B (as chamadas "ações de supervoto", que garantem dez votos por papel) e, agora, conta também com uma nova classe de founder share, que permite que a ele e sua família, em uma posição combinada, terem 40% do poder de voto na empresa — mesmo que a participação dele seja diluída ao nível de 1,1%. A condição é mantida enquanto ele tiver cargo relevante dentro da empresa (CEO ou conselheiro, por exemplo) e é intransferível. Caso o executivo deixe a empresa, a nova classe de ações deixa de existir e ele passará a contar somente com os papéis que tem em mãos.
Não foi uma decisão unânime, entretanto. Em abril, quando a proposta foi divulgada, firmas como a ISS e Glass Lewis (agências de recomendação de votos em assembleia de companhias abertas) foram contrárias à proposta porque não viram como uma medida em prol das boas práticas de governança, uma vez que ela interfere de forma significativa na balança entre poder e risco — já que a exposição econômica do fundador pode ficar muito pequena e, mesmo assim, ele manter grande parte do poder de voto. Aparentemente, a visão foi de uma minoria, enquanto a maioria dos acionistas decidiu apostar suas fichas na capacidade de Lütke.
A aprovação dos novos direitos do CEO vem em um momento extremamente delicado para a Shopify. As ações já despencaram 73% só neste ano, aproximadamente US$ 125 bilhões, com a volta dos consumidores às lojas físicas e a concorrência mais acirrada com a Amazon — que estaria trabalhando em um projeto, o “Project Santos”, para estender aos vendedores do marketplace mais ferramentas de tecnologia, como escreve Brad Stone, repórter especial de tecnologia da Businessweek.
No trimestre, as ações caíram abaixo dos níveis pré-pandemia após a divulgação de resultados, em que a companhia não entregou as estimativas de receita e lucro estimadas. Na data da divulgação, 5 de maio, as ações estavam cotadas a US$ 413,64, 2% abaixo do registrado no dia em que a OMS declarou estado de pandemia por causa da covid-19. Nesta terça-feira, as ações fecharam em um patamar ainda mais baixo, em US$ 380,74.
Em meio a um cenário turbulento, o literal "voto de confiança" para Lütke representa, neste momento, a expectativa de que o CEO seja capaz de colocar a companhia nos trilhos novamente. Via de regra, é uma perspectiva adotada principalmente para ações de tecnologia — como Meta e Alphabet, por exemplo — reavivada com base no que a Ford fazia em tempos bem mais antigos.
Ainda assim, não é garantia de sucesso na certa. Os perrengues pelos quais a Dell passou há mais de cinco anos podem ser um exemplo disso. A vida da fabricante de computadores ficou difícil com a adesão cada vez maior de consumidores por smartphones e tablets — em detrimento dos PCs — e, após perder market share especialmente a partir de 2007, mesmo com o fundador de volta ao cargo de CEO, a companhia fez um acordo para sair da bolsa em 2013. Hoje, ao investir em ofertas que vão além da venda de computadores — como armazenamento em nuvem, por exemplo —, a companhia conseguiu ter algum crescimento de vendas na pandemia, com o home office. Em cifras, o lucro saiu de US$ 2,6 bilhões em 2019 para US$ 5,1 bilhões em 2020.
Ainda no setor de tecnologia, o caso da BlackBerry também pode ser mencionado. Os fundadores canadenses Jim Balsillie e Mike Lazaridis viram o auge e a queda da empresa de smartphones — esta última principalmente influenciada pela popularização dos iPhones ao redor do mundo.
Na contramão, o "olho do dono" e o poder de voto, é claro, ajudaram outros impérios a serem construídos. A Meta (ex-Facebook) pode ser considerada, em certa medida, um exemplo disso. Tirar Mark Zuckerberg do comando da empresa — mesmo com todos os desafios enfrentados de credibilidade nos últimos anos — pode parecer um movimento estranho diante de investidores. Do lado mais polêmico da coisa, a lógica pode ser replicada a Elon Musk e a Tesla, por exemplo.
Ainda é cedo para dizer em qual grupo Lütke vai estar. Por enquanto, uma coisa é certa: os investidores ainda confiam que ele pode trazer o melhor para dentro da companhia. O tempo vai dizer se a decisão foi a mais acertada ou não.
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