Sabesp: os avanços (e os poréns) da regulação pós-privatização
Novo modelo regulatório premia eficiência e abre espaço para prêmio da companhia em relação a distribuidoras de energia, apontam gestores
Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 15 de fevereiro de 2024 às 18:18.
Um dos passos mais relevantes para o processo de privatização da Sabesp, o novo modelo regulatório para a companhia, colocado em consulta pública hoje pelo governo o Estado, veio em linha com as (altas) expectativas do mercado – e deve dar um impulso para que as ações ganhem fôlego na oferta que deve marcar a diluição da participação estatal, prevista para junho.
Os papéis da Sabesp chegaram a avançar mais de 5% no início do pregão, antes de devolver parte da alta. Por volta das 17h, operavam com valorização de 2,77%.
O novo modelo de regulação é híbrido e reduz em muito o poder discricionário da Arsesp, a agência reguladora estatal, com os principais pontos estabelecidos no contrato entre o governo e as unidades regionais – num modelo mais parecido com o que regula outros setores de infraestrutura.
O ponto principal é o modelo de revisões tarifárias que estimula a eficiência. O primeiro ciclo de revisão tarifária vai até 31 de dezembro de 2030, e até lá tudo que a companhia entregar do EBITDA regulatório poderá ser capturado na forma de maior rentabilidade não precisará ser revertido para as tarifas.
É um modelo diferente do setor elétrico onde, grosso modo, apenas 20% dos ganhos de eficiência viram rentabilidade maior para o operador e o restante é devolvido para o consumidor na forma de redução tarifária.
A diferença é crucial considerando que o saneamento tem investimentos robustos a serem feitos ao longo dos próximos anos para atingir a universalização. A distribuição de energia já é praticamente universalizada no país, de forma que os investimentos são mais residuais, para compensar a depreciação.
A previsão é que a Sabesp precise investir cerca de R$ 75 bi até 2033, mais que dobrando sua base regulatória de ativos, hoje em R$ 70 bi.
A sinalização é que a partir dos outros ciclos tarifários esses ganhos de eficiência sejam compartilhados, mas ainda não está claro em quais percentuais. Nas contas de um investidor que acompanha de perto o processo, no segundo ciclo de revisão, 50% dos ganhos ficariam com a Sabesp e no terceiro – quando a universalização já tiver sido atingida e os investimentos ficarem mais restritos em manutenção – , esse percentual cairia para 25%, mais em linha com o setor elétrico atual.
Pelo modelo, excluindo o primeiro ciclo, de seis anos, os demais ocorrerão a cada cinco.
Outra decisão importante é que a revisão tarifária acontecerá anualmente e não mais em ciclos de quatro anos. Isso significa que a cada ano, o capex feito no ano anterior será incorporado à base de ativos regulatórios (RAB) que baliza a receita. A RAB será no modelo 'backward looking', tomando por base o investimento realizado e não mais o previsto para os próximos cinco anos, como é hoje.
"Isso é muito importante porque a Sabesp tem R$ 40 bi a R$ 50 bi para fazer nos próximos quatro anos e sempre há um medo de que esses valores não sejam reconhecidos na revisão tarifária", aponta um gestor bastante envolvido no processo. "Com a revisão anual, esse risco diminui muito."
Um ponto menos crucial, mas ainda relevante, é que a receita que hoje vão para fundos municipais, onde os recursos são carimbados para determinados tipos de investimento, devem vir totalmente das tarifas. Hoje, no caso do fundo com São Paulo, por exemplo, apenas metade do valor está embutido na tarifa e o restante sai da margem da companhia.
Entre os poréns que temperaram o bom humor do mercado nesta quinta-feira está o fato de que o poder mais restrito da Arsesp e as revisões anuais vão ser mantidas apenas até 2035, quando acaba o segundo ciclo tarifário. Depois disso, as revisões serão feitas no fim do ciclo.
"Isso é uma bandeira amarela. A partir do terceiro ciclo, a agência regulatória vai ter mais poder no longo prazo (como tem hoje), o que é mais arriscado do que o cenário debatido em que a maioria das métricas estariam no contrato 'para sempre'", aponta o analista Antonio Junqueira, do Citi, em relatório.
Outra questão são as penalidades a serem incorridas caso a empresa não cumpra o que está previsto em contrato. "Ainda não está detalhado, mas as medidas parecem ser bastante duras", aponta um investidor.
Reprecificação
Na avaliação de investidores ouvidos pelo INSIGHT, o novo modelo abre espaço para que a Sabesp privatizada seja negociada com prêmio em relação às empresas do setor elétrico
Hoje, a Sabesp negocia a 0,75 vez a RAB, refletindo o modelo atual, em que não há grande espaço para captura de eficiência e criação de valor a partir de sua base de ativos. Com o novo modelo, a empresa tem potencial para negociar "conservadoramente" a 1,6 vez a RAB, aponta um gestor acompanhando de perto o processo. Hoje, as boas distribuidoras de energia negociam num intervalo de 1,5 a 2 vezes a RAB.
"São três fatores que balizam o múltiplo das empresas de utilities. O primeiro é a regulação, e a que saiu hoje dá mais captura de eficiência para a Sabesp do que para o setor elétrico. O segundo é a quantidade de ineficiência a ser corrigida, que é enorme no caso da Sabesp, enquanto empresas como Equatorial já são mais redondas. E o terceiro é o potencial de crescimento, muito maior no saneamento por conta da demanda por universalização", pondera esse mesmo investidor.
A nova regulação fica em consulta pública até 15 de março. A expectativa do mercado é que a oferta da Sabesp seja realizada até junho. Os detalhes ainda devem ser calibrados, mas vem ganhando cada vez mais força a ideia de um investidor estratégico com pelo menos 15% de participação, e que sirva de esteio para a virada operacional, apurou o INSIGHT.
"Com um modelo que premie eficiência, é preciso alguém capaz de injetar essa eficiência", aponta um investidor, ressoando um discurso cada vez mais uníssono entre gestoras de perfil financeiro interessadas em entrar na privatização.
Equatorial e Compass, da Cosan, são apontadas como candidatas naturais ao ativos pela expertise em utilities e pelos bolsos fundos com acesso a capital barato. Votorantim, Aegea e Pátria também têm mostrado interesse, segundo fontes.
Por ora, a gestora IG4 é a única oficialmente no páreo, levantando um fundo de pelo menos US$ 1 bilhão nos Estados Unidos numa joint venture com a Water Asset Management, gestora americana focada em saneamento, para participar do processo.
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.