É (quase) tudo sobre regulação: a tese da Miles para a Sabesp
Para gestora, modelo que incentive eficiência é crucial para destravar valor na privatização da estatal paulista
Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 22 de agosto de 2023 às 15:28.
Última atualização em 30 de agosto de 2023 às 14:29.
Um novo modelo de regulação vai ser crucial para destravar valor da Sabesp no processo de privatização, aponta a Miles, gestora com cerca de R$ 1 bilhão sob administração que acompanha há anos a empresa de saneamento no detalhe.
Em uma carta enviada hoje aos cotistas, a Miles aponta que com um modelo regulatório que privilegie ganhos de eficiência, a Sabesp pode chegar a ser negociada a mais de 1,5 vez sua base de ativos regulatórios – o dobro do múltiplo atual.
“O modelo de regulação que incentiva a eficiência é também o que leva a menores tarifas, tornando mais atrativa a aceleração de investimentos e consequentemente colaborando para a universalização dos serviços”, apontam os gestores.
Com um alinhamento de interesses entre investidores e consumidor, eles consideram “alta” a probabilidade de um bom desfecho para a Sabesp.
Hoje, a regulação das tarifas da Sabesp é, em teoria, baseada num modelo de incentivos – mas a baixa maturidade do setor de saneamento no Brasil traz dificuldades de se estabelecer benchmarks que permitam a construção de uma estrutura de custos de uma “empresa de referência”.
Na prática, isso faz com que a regulação aplicada se aproxime de um modelo de custo por serviço. “Para a projeção dos custos regulatórios da Sabesp, o regulador analisa os custos históricos da companhia e aplica ‘glosas qualitativas’ (cortes) sobre os que considera não necessários para a prestação de serviços, explica a Miles.
No fim das contas, isso faz com que a Sabesp sempre esteja atrás do estabelecido pelo regulador: não espaço para que a companhia tenha desempenho mais eficiente que os parâmetros regulatórios e, na mesma linha, não há incentivos para redução de tarifas.
A Miles defenda que seja usado um modelo regulatório parecido com o da distribuição de energia elétrica, em que as empresas são incentivadas a entregar eficiência. Grosso modo, na composição das tarifas, a Aneel estipula uma estrutura de custos considerada ideal para a concessão em questão.
A empresa que performa melhor que os parâmetros regulatórios pode carregar parte dessa eficiência para os ciclos tarifários seguintes.
Hoje, enquanto as boas empresas de distribuição negociam acima da sua base de ativos regulatórios (na média, com um múltiplo de 1,5x RAB), as empresas de saneamento têm um retorno abaixo do EBITDA regulatório – no caso da Sabesp, de 0,75x RAB.
“Caso a Sabesp atingisse um nível de eficiência similar ao das distribuidoras de energia, com o mesmo grau de previsibilidade, e tivesse regras claras sobre a manutenção dessa eficiência entre os ciclos, entendemos que ela deveria negociar com prêmio de valuation em função da enorme oportunidade de crescimento da sua base de ativos”, pondera a Miles.
Ao contrário das distribuidoras de energia, cujo serviço já está universalizado, a Sabesp ainda tem um amplo espaço para levar saneamento a mais paulistas.
O Governo de São Paulo anunciou um plano de investimentos da Sabesp até 2029 de R$ 66 bi, enquanto a Miles estima a base atual de ativos da empresa em R$ 75 bilhões.
Apesar de ver o cenário de regulação que estimule a eficiência como o win-win, a Miles vê pouco potencial para downside para a Sabesp mesmo se ele for frustrado.
Segundo a gestora, mesmo em cenários mais pessimistas – em que a privatização não evolua, mas a estatal consiga implementar medidas que reduzam ineficiências ou que a privatização ocorra com a regulação atual – há potencial de valorização, com os múltiplos podendo girar entre 0,9x e 1,2x a RAB.
“O múltiplo atual precifica o pior cenário para a empresa, em que ela não é privatizada nem entrega turnaround algum”, diz a Miles. “Achamos esse cenário bem improvável uma vez que a nova gestão da Sabesp tem anunciado uma série de medidas concretas na direção de tornar a empresa mais eficiente.”
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.