O risco do leilão da Dutra e os desafios do pedágio proporcional
Fundador da Greenpass explica como ausência de regulação sobre inadimplência pode afetar desempenho do leilão no próximo dia 29
Publicado em 25 de outubro de 2021 às 06:30.
A rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, foi uma das primeiras estradas federais a ser concedida à iniciativa privada, em 1996. Agora, 25 anos depois, será relicitada, em leilão previsto para o dia 29 deste mês, próxima sexta-feira. Entre um leilão e outro, o fluxo de veículos saltou de cerca de 170 mil ao dia para 900 mil ao dia e a rodovia ganhou trechos duplicados e serviços. Mas apenas 15% dos motoristas hoje pagam tarifas de pedágio, segundo cálculos do governo. Os demais trafegam em trechos curtos, entre as praças de pedágio, principalmente nos trechos metropolitanos.
Esse quadro injusto, em que poucos pagam muito porque muitos não pagam nada, deve começar a mudar com a adoção do “free flow”, sistema de cobrança de pedágio com passagem livre, em que a tarifa guarda proporção ao trecho percorrido. Pórticos instalados ao longo da rodovia identificam o veículo e geram a cobrança.
O “free flow” foi instituído na Lei 14.157, sancionada em junho deste ano. A Dutra é a primeira concessão federal a prever o sistema – o novo concessionário deverá implementar pórticos nos dois sentidos da rodovia, em um trecho de pouco mais de 20 quilômetros na altura da cidade de Guarulhos, próximo a São Paulo. A obrigação de instalação está prevista no edital, mas o que não está claro é como será a cobrança para os casos de evasão do pedágio. A lei ainda precisa ser regulamentada pelo Contran, o Conselho Nacional de Trânsito. A regulamentação é essencial para que a modernidade da lei não se transforme em uma dor de cabeça para concessionárias, governos e até mesmo para os usuários.
Inadimplência
No caso da Dutra, para evitar que o assunto gerasse ruídos no leilão, a receita de pedágio no trecho sob “free flow” não foi considerada nos estudos econômico-financeiros da concessão. Uma inadimplência acima do previsto poderia gerar um desequilíbrio que justificasse a revisão do contrato — a solução foi deixar essa arrecadação de fora
Sem praças de pedágio e sem cancelas, a cobrança no sistema “free flow” pode ser feita de duas maneiras: pagamento automático a partir de uma tag instalada no veículo (como já ocorre atualmente) ou, alternativamente, por leitura e fotografia das placas. O motorista que não tiver uma tag terá sua placa identificada e receberá uma notificação com a cobrança do pedágio. Se não pagar a tarifa, estará sujeito a penalidades que ainda têm de ser definidas pela regulamentação. Em alguns países, o não pagamento pode levar até à cassação do direito de dirigir.
A inadimplência no novo modelo é uma incógnita e os indicadores hoje disponíveis não são muito animadores para se estimar possíveis perdas de arrecadação com o fim das praças de pedágio. Apenas cerca de 30% das multas de trânsito aplicadas no país são pagas no prazo. Muitos motoristas deixam para quitá-las junto com o licenciamento. Mas isso não quer dizer que elas serão pagas. Em boa parte dos estados brasileiros, mais de 40% dos veículos estavam com o licenciamento em atraso em 2019 — a projeção é de que esse percentual seja ainda maior agora, com a pandemia.
Competição e mitigação de riscos
Para minimizar o impacto nos custos e trazer maior eficiência à cobrança de pedágio de veículos que não utilizam a tag, uma alternativa já apresentada ao Ministério da Infraestrutura é a de permitir que as concessionárias enviem às Operadoras de Serviço de Arrecadação (OSA) os casos de não-pagamento da tarifa. As operadoras ofereceriam ao usuário diversos métodos de pagamento digital para que ele pudesse quitar a tarifa em até cinco dias. Se o pagamento não fosse feito, uma operadora contratada pela concessionária faria uma nova emissão de cobrança, acrescida de custos e prazo de 60 dias para quitação. Apenas depois desse período é que os órgãos responsáveis seriam comunicados para que fosse emitida a autuação.
Na alternativa apresentada, a competição entre as operadoras abriria espaço para a oferta de pacotes de pedágio, como já ocorre nos Estados Unidos. Seria possível ter cobrança de pedágio por dia, semana ou por transação, por exemplo, dando mais flexibilidade ao usuário e reduzindo, para a concessionária, as chances de perdas na arrecadação. Por conta das tags de cobrança automática de pedágio, as OSAs já tem hoje integração com as concessionárias de rodovias.
O modelo de tag segue sendo, inequivocadamente, o mais eficiente na cobrança de pedágio e é estimulado na nova legislação com a aplicação de um desconto de 5% na tarifa. Hoje, de cerca de 40 milhões de veículos que trafegam em estradas pedagiadas, aproximadamente 8 milhões utilizam tags. Com as novas concessões rodoviárias e o avanço do modelo de “free flow”, a expectativa é de que esse número triplique em três anos.
O surgimento, nos últimos anos, de modelos alternativos à cobrança de mensalidade também tem contribuído para a expansão dos sistemas de tag. Além do pré-pago, há hoje modelos em que a transação é debitada diretamente da conta corrente do usuário no banco, no cartão de crédito emitido pela instituição ou no cartão de benefícios de um funcionário ou de uma transportadora, por exemplo.
A nova legislação que instituiu o “free flow” é moderna. Para o usuário, permite uma miríade de novas soluções de cobrança de pedágio. Para concessionárias e governos, abre espaço para a adoção de tarifas diferenciadas que podem desestimular tráfego em determinados horários ou impulsionar a adoção de veículos menos poluentes, como já ocorre na Europa. Muitas das possibilidades abertas pela lei dependem, agora, da regulamentação que está por vir.
*Carlo Andrey Gonçalves é cofundador da Greenpass, empresa de soluções de mobilidade B2B.
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