O que se sabe e o que falta saber sobre a fusão entre Azul e Gol
Para analistas, união tem méritos estratégicos; mas percentual de troca de ações e restrições do Cade ainda são incógnitas para o progresso da transação
Raquel Brandão
Repórter Exame IN
Publicado em 16 de janeiro de 2025 às 12:15.
Última atualização em 16 de janeiro de 2025 às 12:19.
Antes da pandemia, uma fusão entre Azul e Gol parecia um cenário improvável.
No entanto, o anúncio da assinatura de um memorando de entendimento (MoU, na sigla em inglês) pela Azul com a Abra, controladora da Gol, mudou essa percepção e animou o mercado. Analistas já classificam a proposta como tendo “mérito estratégico”.
Às 11h30, as ações da Azul saltavam subindo 5%, para R$ 4,62, liderando as altas do Ibovespa. Os papéis da Gol avançavam 8%, para R$ 1,76. O movimento ocorre em um setor que, mesmo antes da pandemia, já enfrentava desafios estruturais, e que agora, após o impacto do isolamento social, busca formas de consolidar forças.
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De acordo com o MoU, a fusão criaria uma companhia que controlaria as operações tanto da Azul quanto da Gol, mas mantendo ambas as marcas separadas. A estrutura do acordo inclui a incorporação de uma das empresas pela outra, resultando em uma troca de ações que determinaria a participação de cada grupo acionário na nova companhia.
"Espera-se que Azul e Abra combinados representem mais ações do que qualquer outro grupo de acionistas, permitindo-lhes eleger a maioria dos membros do conselho de administração", observa o time do Goldman Sachs, em relatório.
Essa estrutura de governança prevê um Conselho composto por nove membros: três indicados pela Azul, três pelo Abra Group e três independentes escolhidos conjuntamente.
Os analistas do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME) destacam que a proposta sinaliza "um movimento estratégico para consolidar dois grandes players no mercado de aviação brasileiro", criando uma plataforma robusta tanto no mercado doméstico quanto no internacional.
Segundo o relatório, a nova companhia terá uma rede combinada de cerca de 200 destinos, com possibilidades de expansão para novas rotas internacionais, especialmente para os Estados Unidos e a Europa.
O setor aéreo ainda lida com as cicatrizes profundas deixadas pela pandemia. No Brasil, enquanto a Latam entrou em recuperação judicial e conseguiu se reestruturar, Gol e Azul optaram por negociações com credores. Em 2024, no entanto, a Gol também recorreu ao Chapter 11 nos Estados Unidos, e a Azul renegociou dívidas em busca de fôlego financeiro.
Essas dificuldades financeiras foram apontadas como catalisadoras do movimento de fusão. "Muitos dos ventos contrários recentes do setor, como o aumento da alavancagem e pressões cambiais, foram uma força motriz por trás da disposição de ambas as empresas em considerar a fusão", afirma o time do BTG.
Sinergias
Os executivos da Azul indicaram que as principais sinergias do acordo estão na frente de receita. Durante uma teleconferência com analistas, a empresa destacou o potencial de expansão da malha aérea e otimização da frota como pontos fortes.
"A NewCo poderá realocar aeronaves entre rotas de baixa e alta demanda, gerando economias de até 40% por voo apenas com essa estratégia", ressaltaram. Por exemplo, é possível que as empresas passem a usar mais aeronaves da Embraer em algumas rotas mais curtas, enquanto algumas aeronaves da Boeing (aeronaves da frota da Gol e maiores em capacidade) podem ficar mais concentradas em voos mais longos.
Além disso, a Azul mencionou benefícios fiscais relacionados ao ICMS. Como a Gol opera em 55 cidades e a Azul cobre 160 destinos, a nova empresa poderia maximizar créditos fiscais na compra de combustível.
O BTG também apontou para uma "melhoria nas condições de precificação", considerando a diferença atual de preços entre os principais players do mercado.
O que falta saber
No entanto, os desafios para a concretização do negócio não são pequenos. O acordo ainda depende da aprovação do CADE, a autoridade antitruste brasileira, e da ANAC, além da conclusão do processo de Chapter 11 da Gol, previsto para abril de 2025.
Sobre a questão regulatória, o Goldman Sachs pontua: "A disposição de operar as duas marcas de forma independente pode ser um fator importante para evitar reações negativas de clientes e facilitar a aprovação antitruste." Hoje, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, afirmou que as duas companhias já controlam o mercado e "seria pior se elas quebrassem".
Embora o mercado tenha reagido positivamente ao anúncio, muitas perguntas ainda estão sem resposta.
Um dos pontos críticos é a proporção de troca de ações, que determinará a participação de cada grupo acionário na NewCo. "Isso será essencial para monitorar o avanço do acordo nos próximos meses", observou o time do BTG.
Outro aspecto a ser acompanhado é como a liderança será estruturada. De acordo com o MoU, a Abra indicará o presidente do Conselho nos primeiros três anos, com aprovação da Azul, enquanto os acionistas da Azul nomearão o CEO, também com o aval da Abra.
Por fim, resta entender como a nova companhia enfrentará os desafios do setor aéreo no Brasil, como os altos custos operacionais e a volatilidade cambial. Apesar disso, analistas apontam que a fusão pode ser uma oportunidade única para fortalecer o mercado doméstico e impulsionar o crescimento internacional.
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Raquel Brandão
Repórter Exame INJornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado