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Linx: para proteger CPFs, conselheiros vão buscar oferta ainda maior

João Cox e Roger Ingold estão em posição inédita no ambiente de negócios brasileiro

Chuva de dinheiro: obter aumento de lances pela Linx ajudaria na reputação de conselheiros independentes (REB Images/Getty Images)
Chuva de dinheiro: obter aumento de lances pela Linx ajudaria na reputação de conselheiros independentes (REB Images/Getty Images)

Publicado em 11 de setembro de 2020 às 16:11.

Última atualização em 12 de setembro de 2020 às 09:47.

O comitê independente da Linx, formado pelos dois únicos conselheiros externos da empresa, espera conseguir negociar tanto com Totvs como Stone para obter a melhor proposta possível aos acionistas da empresa. Vão tentar novos lances. Os acionistas de mercado contam com isso e é o que está refletido no preço das ações. A Linx vale hoje na bolsa o preço da oferta da Stone: 6,24 bilhões. Portanto, isso já é o mínimo que o mercado estima obter com a transação. Além de defender os acionistas da empresa, os conselheiros João Cox e Roger Ingold, cientes da vitrine em que foram colocados pelos fundadores da Linx, vão cuidar especialmente de suas reputações e CPFs, para evitar questionamentos futuros em um negócio que era para ser um ícone sobre o sucesso de empreendedores e se tornou uma lição de como não encerrar sua carreira.

Quem indiretamente vai auxiliar o comitê nessa função é a BR Partners, de Ricardo Lacerda, que foi contratada para produzir uma opinião sobre ambas as ofertas de incorporação — um relatório que no jargão do mercado financeiro é conhecido como fairness opinion.

Embora o documento sirva especialmente para dar conforto a João Cox e Roger Ingold e, de alguma maneira, protegê-los nessa atuação (como todos os relatórios desse tipo), a expectativa é que a BR Partners provoque Totvs e Stone sobre algumas informações para fazer sua análise. E esse movimento pode ensejar novas negociações.

Não há precedente no mercado brasileiro para a situação vivida por Cox e Ingold. Mesmo raras, já houve disputas acirradíssimas por empresas brasileiras, como a briga entre Telefônica e Vivendi pela GVT, em 2009, e a concorrência pela Eletropaulo, entre Neoenergia e Enel. A questão é que esses casos eram ofertas públicas de aquisição de ações (OPAs). Mesmo pouco comuns, essa circunstância têm detalhado regramento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). É bom que se diga que todas elas também geraram debate sobre ajustes na regulação.

Já propostas de incorporação concomitantes e rivais são totalmente inéditas e sem previsão nenhuma de conduta pela CVM. Há espaço jurídico — e ausência de jurisprudência suficiente — tanto para a dupla escolher uma só oferta para colocar em votação como para levar ambas à avaliação dos acionistas, segundo especialistas. Incorporações dependem de aprovação por maioria do capital em assembleia de acionistas.

Conforme o EXAME In apurou, o trabalho do comitê ainda nem chegou perto da questão jurídica e não há uma decisão sobre como proceder. Tudo que se sabe é que a análise de cada oferta não vai considerar apenas preço, mas também seus riscos e impactos para a empresa. A Totvs pediu, ao formalizar sua oferta, que seja levada à assembleia concomitantemente com a de Stone.

Diante do inusitado caso, há quem acredite que a Linx seja a empresa ou o comitê independente, ou até mesmo algum acionista poderia consultar a CVM sobre o melhor procedimento diante da situação. A responsabilidade é enorme. Poucas vezes o trabalho de conselheiros esteve tão exposto como na Linx e com tamanha responsabilidade nas mãos. O escrutínio da atividade será enorme.

Cox é o que se pode definir como conselheiro profissional. Tem vasta experiência na posição e, nos últimos tempos, não faltaram temas difíceis na sua mesa. Ele tem assento no colegiado da Braskem, que precisa lidar com acionistas conflitantes (Odebrecht e Petrobras) e um problema sócioambiental enorme com as minas de sal-gema em Alagoas, cujo afundamento está provocando grande prejuízo ao negócio. O executivo é há anos conselheiro da Embraer, que logo no início da pandemia viu o acordo de associação com a Boeing ruir, como se não bastassem as consequências do congelamento do setor aéreo. Além disso, viveu o choque do petróleo de março na Petrobras, onde também compõe o colegiado. Até o momento, apenas na Vivara, outra empresa na qual é conselheiro, a rotina está sem muito susto.

A situação do executivo já virou até mesmo brincadeira entre profissionais desse mercado. “Se você estiver em um conselho junto com o Cox, ligue seu radar porque, daqui a pouco, a bomba chega”, afirma, descontraído, um executivo que atua em conselhos. Há rumores de que ele pode vir a renunciar de alguma das posições, dado o consumo de tempo que a situação da Linx vem demandando. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) indica como boa prática que um conselheiro não acumule mais de cinco posições. Cox estava dentro do recomendado — até tudo pegar fogo ao mesmo.

Ingold, por sua vez, foi brindado com a sorte — será? — de estar em um colegiado ao lado de Cox. A experiência do executivo envolve resolver problemas, mas principalmente dos outros. Foi presidente da Accenture Brasil e América Latina e atuou na consultoria de 1982 até dezembro de 2016.

O contrato assinado pelos três fundadores da Linx com a Stone deixou os dois conselheiros independentes em uma situação para lá de delicada. Nércio Fernandes, presidente do conselho de administração da empresa, Alon Dayan e Alberto Menache, presidente executivo da companhia e vice-presidente do conselho assinaram um acordo de exclusividade com a empresa de meio de pagamentos fundada por André Street. Assim, não podem sequer avaliar a oferta feita pela Totvs. Para tudo ficar ainda mais complicado, eles receberão um valor adicional como indenização para o impedimento de competirem no setor pelos próximos cinco anos, em um total de 185 milhões de reais — 20% mais do que terão direito pela venda de sua fatia de 14% no capital da Linx.

A Totvs não colocou nenhum adicional nesse sentido à sua oferta. Até mesmo porque já tem dentro de casa quem tudo entende de Linx. O presidente Dennis Herszkowicz é egresso da rival e sua saída deixou marcas profundas na relação com Menache. Para a Stone, que não é do ramo, a questão é mais importante. Daí, o contrato e a disposição de pagar por isso.

Mas, para fechar o quadro, a dupla de independentes da Linx teve entre 3 e 4 horas para avaliar a proposta da Stone e não foi informada a respeito da possibilidade de uma oferta pela Totvs. Tinha de decidir entre colocar em risco uma proposta que equivalia a um prêmio de 35% para os acionistas da Linx ou seguir as melhores práticas de avaliar com mais tempo e emitir um voto em separado com suas considerações. Para o CPF de cada um deles, começou ali a chuva de responsabilidades.

A Stone, apesar de brasileira, seguiu um protocolo todo americano, onde os temas sensíveis aqui no Brasil são mais rotineiros. Lá, os acionistas estão mais habituados a avaliar a "justiça completa" da operação. Importa só no final se o contrato de trio impediu a existência uma melhor oportunidade para todos. Quase nada além. O próprio presidente da empresa, Tiago Piau, admitiu que faltou sensibilidade aos hábitos e governanças brasileiros. Nada disso, contudo, muda as responsabilidade do trio de fundadores da Linx e de seus conselheiros independentes a respeito da governança da transação, que só começou a ser corrigida no meio do caminho.

Só depois de ter as duas propostas na mesa é que houve uma separação — e não absoluta — entre os assessores da companhia, agora representada pelo comitê, e dos fundadores. Cox e Ingold chegaram avaliar um contrato no qual a BR Partners poderia ser um assessor para negociação, mas o que ficou aprovado no conselho da companhia é que teriam direito apenas a um fairness opinion, que não fosse do Goldman Sachs — que atuou ao lado dos fundadores na primeira proposta.

A companhia de software fundada por Laércio Cosentino e que hoje é líder no Brasil propôs pagar ao acionista de Linx uma ação de sua emissão mais 6,20 reais por ação. A preços do momento, a oferta da Totvs equivale a 34,10 por ação. Hoje, seria uma transação de 6,1 bilhões de reais.

A Stone elevou na semana passada sua oferta (junto com a redução dos pagamentos aos fundadores), que ficou equivalente a 35,10 por ação da Linx, cerca de 90% em dinheiro: um negócio que avalia a Linx em 6,28 bilhões de reais. O aumento líquido foi de 240 milhões de reais em relação à primeira oferta.

Uma incorporação depende de um documento assinado pela diretoria de ambas as empresas envolvidas, no caso Totvs e Linx e/ou Linx e Stone: os tais protocolos de incorporação (que detalha toda a vida da operação e seu passo a passo). Para que o documento da Totvs possa ser levado à avaliação da assembleia precisa de recomendação do comitê independente e da assinatura do corpo executivo da Linx. Como Menache está impedido, outro diretor estatutário terá de colocar a mão na caneta e assumir essa conta.

Recentemente, a tentativa da Eneva de adquirir a AES Tietê trouxe um debate de bastidor, que não chegou a ser experimentado na prática: acionistas podem convocar diretamente uma assembleia para avaliar a incorporação da Totvs e assinar, eles próprios, os protocolos? Podem conselheiros, sem nenhum executivo estatutário, assinar esse documento sozinhos?

A atuação e a argumentação de Cox e Ingold no caso não apenas vão definir o futuro da Linx e de seus acionistas como também do percurso até lá e se será em campo minado ou não. Tempo não falta aos acionistas da Linx para se organizarem. A companhia não tem um controlador definido. E ainda que o acordo de não competição não seja considerado um benefício particular do trio e eles votem no encontro, os três garantem apenas 14%. Regras da CVM que facilitem o acesso a lista de acionistas e convocação de assembleia diretamente pelos sócios existem de sobra. Se quiserem mesmo uma disputa de preço, terão de brigar por ela, pois já há muita gente encantada com o modelo estratégico operacional da combinação com a Stone.

 

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