Linx monta arsenal pró-Stone: "não houve nenhum crime na oferta"
Operação terá cinco pareceres jurídicos e dois de consultorias de recursos humanos, sobre valor de acordos
Publicado em 23 de agosto de 2020 às 14:44.
Última atualização em 24 de agosto de 2020 às 16:39.
A Linx e a Stone estão preparando um arsenal de pareceres para lidar com a repercussão negativa do acordo de combinação das companhias, em especial a parte ligada aos fundadores da empresa de software. Já há três medalhões do universo jurídico contratados, mas no total serão cinco — três pela Linx e mais dois pela Stone, conforme o EXAME IN apurou com pessoas ligadas ao negócio. As críticas pegaram os sócios da Linx totalmente de surpresa. Pessoas próximas aos acionistas afirmam que o presidente da companhia, Alberto Menache, tem se mostrado profundamente indignado e até ofendido com algumas delas. "Não cometemos nenhum crime" tem repetido ele aos mais próximos da operação e, nos contatos com investidores, sempre frisa que nada foi escondido e as informações foram todas deixadas públicas.
A grande dúvida é saber se argumentos e interpretações jurídicas vão aumentar a percepção de justiça da transação. A questão é para lá de subjetiva. Mas a causa aqui, conforme diversas fontes ouvidas pelo EXAME IN, é saber se os ganhos dos fundadores tiraram ou não valor dos demais acionistas e se haveria uma forma de todo o processo de negociação ter gerado ainda mais riqueza aos acionistas da Linx de forma geral. "Mas o debate não pode ter viés ideológico, como muitas vezes acontece no Brasil. Tem muito minoritário ideológico", comentou um ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A transação de 6,04 bilhões de reais com a Stone fez os olhos dos acionistas de Linx brilharem. Trouxe consigo um prêmio da ordem de 35% para as ações. O pagamento será 90% em dinheiro e 10% em ações da Stone. Só que os acordos paralelos envolvidos na transação com o trio de fundadores Nércio Fernandes, Alon Dayan, e especialmente Menache deixaram um gosto amargo sobre o negócio e despertaram a atenção de todo o mercado, até dos não envolvidos — atento aos precedentes e legados que a operação pode deixar.
A reação do mercado deixou os fundadores da Linx totalmente perplexos. Menache tem dito a pessoas próximas que vem se sentindo agredido e ofendido com tudo isso e não esconde o tamanho do incômodo. Em algumas conversas, até mesmo se emociona, lembrando que começou na empresa quando tinha 17 anos e o negócio ficava literalmente em uma garagem, de acordo com fontes ligadas aos sócios.
Quando fala com sua base de investidores, o executivo tem tentado destacar que eles divulgaram ao mercado voluntariamente todas as informações e que não chamaram atenção para esses detalhes na apresentação do negócio porque acharam tudo muito natural. Na percepção deles, sequer eram obrigados a dar publicidade de todos os dados dos acordos particulares.
Ao longo de sua existência e a partir dos anos 2.000, quando partiu para as aquisições, após ser capitalizada em quase 200 milhões de reais pelo BNDES e pelo fundo de private equity General Atlantic, a Linx comprou mais de 30 companhias. A empresa vem tentando mostrar aos investidores que sempre que os executivos ou sócios eram extremamente estratégicos, as aquisições envolviam indenizações e pagamentos para garantir uma não competição. Porque o que mais faz diferença no setor de tecnologia é a combinação cérebro e dinheiro.
E, no caso da Linx, o trio sai com uma liquidez nada desprezível do negócio com Stone, sem contar o que já acumularam com a redução de participação com as vendas de ações no mercado. Têm, portanto, capital, experiência e conhecimento. Deixá-los fora do mercado tem valor para a Stone.
Com a oferta feita pela Stone, o trio receberá em diferentes proporções o equivalente 845 milhões de reais pela venda dos papéis. Eles somam 14% do capital da empresa. Até aqui, tudo igual ao que os investidores de bolsa da Linx vão receber. Mas o pacote deles inclui ainda 227 milhões de reais por um acordo de não concorrência por três anos, o que equivale a um adicional pouco abaixo de 30% do que terão direito com a alienação de sua posição. Algo que — ficou provado — o mercado brasileiro ainda não está habituado a conviver. Não apenas os investidores, mas também empresários, advogados e negociadores.
No caso de Menache, que trabalhará como conselheiro da gestão de software na empresa combinada, o ganho é maior, pois receberá um generoso pacote de remuneração de quase 90 milhões de reais por esses três anos de serviço — muito acima do que recebia como presidente executivo da Linx. Somando esse valor a sua indenização de não competição, trata-se de um extra de quase 70% sobre o que receberá com a venda de suas ações. Ficou sem sentido, na visão de muitos investidores, ele trabalhar na empresa e ainda receber para não competir consigo próprio. E esse ponto está incomodando muito. A questão fez o mercado querer entender tanto valores quanto estruturas para essas situações. A visão é que ambas até poderiam conviver, mas de forma excludente. Se Menache decidisse não mais trabalhar como conselheiro, o acordo de não competição então vigoraria, assim como a indenização.
Além dos cinco pareceres jurídicos, a Linx contratou duas empresas de recursos humanos de reputação internacional para opinar justamente sobre os valores oferecidos a Nércio Fernandes, Alon Dayan e Menache como acordo de não-competição por três anos e mostrar que estão dentro dos padrões do setor. Os documentos serão usados como argumentação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e também para tentar dar conforto ao trio sobre sua conduta como administradores e para exercerem o voto na assembleia de acionistas que avaliar a transação com a Stone. E, é claro, para tentar melhorar a imagem da transação.
No caso da Linx, a CVM está avaliando a operação do ponto de vista do risco que ela representa para o mercado e mais uma queixa da Fama Investimentos, dona de 3% da empresa. A gestora qualificou os pagamentos como "prêmio de controle disfarçado". Não está claro se o regulador pode se posicionar antes que uma assembleia de acionistas para aprovar o negócio ocorra. A xerife de mercado investiga se houve uso de informação privilegiada, já que no dia do anúncio do negócio, as ações da Linx subiram forte.
De forma simplificada, o objetivo com toda a munição de argumentos das empresas é tentar mostrar que os pagamentos adicionais ao trio e a contratação de Menache não têm nada nem de anormal, nem de irregular para o mercado — na visão deles e dos pareceristas pagos para dar opinião. Nem causam nenhum impedimento de voto a eles.
Outro ponto que deixou os investidores muito incomodados foi o trio — que se sabe não controlador, mas dono das chaves da empresa com as posições de presidente executivo e maioria do conselho de administração — ter assinado um acordo que prevê uma multa caso o acordo seja desfeito e uma outra operação seja feita, no valor de 605 milhões de reais, ou 10% da transação. Esse contrato prevê ainda que, se a operação for rejeitada em assembleia, haverá uma penalidade de 150 milhões paga pela Linx à Stone e se, em doze meses, for fechada alguma transação com algum proponente que tenha surgido agora, esse compromisso sobe em mais 450 milhões.
O argumento por trás dessa amarra é que ela dá segurança a ambas as companhias. A Stone também tem de indenizar a Linx se desistir do negócio. E a penalidade da assembleia é para evitar que a dependência dos acionistas se transforme em uma desculpa para o trio fechar negócio com outro interessado desviando da multa.
Competição
O namoro entre André Street e Alberto Menache para uma possível união das companhias começou antes da pandemia. Os dois se aproximaram e o ‘match’ foi instantâneo — a visão é que, além da lógica estratégica, a “cultura” das companhias tinha uma liga muito forte de “celeridade e ação”, segundo pessoas que conhecem o passo a passo do caso. Ao longo de sua vida, a Linx foi cortejada por diversas vezes, inclusive pela Totvs, que entrou na briga e fez uma proposta pública pela empresa muito semelhante à da Stone, mas com a maior parte do pagamento em ações.
A Covid-19 e seus efeitos fez, em um primeiro momento, todos aqueles que pretendiam fazer movimentos ousados em seus negócios colocar as barbas de molho. Em julho, segundo o EXAME IN apurou, as conversas entre Street e Menache foram retomadas. Enquanto isso, a Totvs também se preparava. Menache mostrou-se receptivo à Totvs e chegou até mesmo a instigar o Itaú BBA para receber uma proposta, na tentativa de criar competição e um melhor preço possível para a Linx — o que beneficiaria a todos os acionistas. Embora o fundador da Totvs e presidente do conselho de administração da empresa, Laércio Cosentino, tivesse falado a Menache sobre “voltar a falar”, não chegou a enviar uma proposta formal pelo lado da empresa.
A Totvs, em documentos públicos e registrados na CVM, alega que havia ficado claramente combinado entre as partes que uma oferta seria realizada após a publicação do balanço da Linx, previsto para segunda-feira, 10 de agosto. A Linx nega essa versão.
Na primeira semana de agosto, as conversas com a Stone já tinham avançado mais e Menache se encontrou com Thiago Piau, presidente da companhia de meios de pagamentos, na sede da Linx — o lugar menos suspeito, já que estava praticamente vazia devido à pandemia. A oferta no papel e mais os polêmicos anexos chegaram na quinta-feira, dia 6 de agosto. Foi então que Menache deu ciência aos demais sócios e ao restante do conselho de administração — que já tinha uma reunião prevista para dia 10. Foi só a partir de sexta-feira que houve uma correria para contratação do Goldman Sachs como assessor financeiro e dos escritórios Pinheiro Neto e White & Case, como assessores jurídicos. Até então, Menache conduziu tudo sozinho.
Foram três dias de negociação. De acordo com fontes, mais do que valores, o foco das conversas foram os contratos. A Stone foi assessorada pelos escritórios de Sérgio Spinelli, Mattos Filho e David Spok e ainda pelos bancos JP Morgan e Morgan Stanley.
Já a Totvs não conseguiu sequer entregar sua oferta, que seu conselho de administração aprovou no próprio dia 10, enquanto o conselho da Linx avaliava o acordo com a Stone e Menache e os demais sócios se preparavam para assinar o contrato de exclusividade na negociação. Mesmo assim, a Totvs decidiu tornar pública sua oferta em valor praticamente idêntico ao da Stone, mas sem acordo de não-competição ou multas negociais.
Decisão da minoria
Menache não comunicou os conselheiros independentes da companhia, João Cox e Roger Ingold, de que a Totvs também havia se aproximado e que havia um diálogo que ficara pendente devido à oferta vinculante da Stone. Tampouco participou previamente o colegiado das discussões com a Street e Piau antes que a oferta chegasse. Mas caberá a eles agora decidir qual delas é melhor. Só a eles. Fernandes, Daylan e Menache assinaram um acordo de exclusividade com a Stone.
Para que a oferta da Totvs tenha condições de ser levada à assembleia, ela precisa ainda ser formalizada como um protocolo de incorporação — o documento essencial que é votado na assembleia de acionistas. Além disso, do lado da Linx, há preocupação que a companhia de Cosentino se mostrou refratária a qualquer multa ou indenização por insucesso. Como também tem o capital pulverizado no mercado, os administradores não têm como garantir que os acionistas aprovariam a incorporação da Linx. Tudo isso, conforme o EXAME IN apurou, será considerado na análise da proposta.
Cronologicamente há um desafio. Como tudo na Stone está pronto, em tese, a oferta poderia ser colocada em votação primeiro. Surge mais um dilema, então, para os conselheiros independentes resolverem.
O 'juridiquês' e a justiça
Juridicamente, o que está em causa é se os pagamentos previstos ao trio de sócios se caracterizam como um benefício particular a eles e se os administradores agiram de acordo com seus deveres de diligência e lealdade com a empresa. E é isso que os pareceres contratados tentarão mostrar: não há benefício particular, nem nenhuma outra situação de conflito com a empresa (todos os pagamentos são feitos pela Stone) e todos agiram dentro de seus deveres para com a companhia e seus acionistas.
A Lei das Sociedades por Ações, em seu artigo 115, é muito clara que, quando há benefício particular, os acionistas não deveriam votar. Dessa forma, os sócios ficariam impedidos de aprovar a incorporação — o acordo de não competição e a contratação de Menache não são matéria de assembleia. Resta saber se o acordo de não-competição e de contratação se enquadram no que diz a legislação.
O voto do trio não tem que ser encarado como necessário. A maioria do capital é quem vai decidir e eles têm apenas 14%. Na prática, seus votos vão acompanhar o que a maioria do mercado decidir, segundo disse fonte a par do tema. Pelo lado da Linx, a percepção é que não há como se falar em benefício particular uma vez que os sócios não são controladores e não podem decidir sozinhos sobre a transação, que depende de maioria em assembleia. A lei não estabelece o benefício particular como algo possível apenas ao controlador.
Na percepção da Linx e da Stone, toda essa discussão tem uma razão: os investidores estão tentando pressionar por um aumento de preço. O que deveria estar em causa, na visão de alguns especialistas, é se Menache poderia ter extraído da competição um melhor preço para todos os acionistas. É isso que transformaria o processo em justo ou injusto, independentemente dos termos jurídicos envolvidos.
Fica a percepção de que a Stone buscou comprar a segurança de evitar uma competição pelo ativo. O debate essencial é quanto isso pode ter afetado os demais acionistas: poderiam ou não ter acesso a uma oferta maior? E, nesse sentido, a forma da negociação importa. Mais uma vez, tudo isso aumenta a responsabilidade de Cox e Ingold a partir de agora, uma vez que nenhum negócio foi definido.
O caso deve despertar no Brasil uma discussão maior sobre valor de executivos-chave e acordos de não competição. Na visão de um gestor de recursos que não tem participação em nenhuma das companhias envolvidas nessa transação, acordos de não competição são importantes e deveriam ser debatidos mais recorrentemente, inclusive fora de transações. As companhias deveriam ter políticas formais estabelecidas sobre isso previamente, defende.
Ele lembra que quando Murilo Ferreira deixou a presidência da Vale, recebeu um pacote de remuneração para evitar que fosse para outra mineradora. Ficou combinado que ele receberia um salário para ficar em casa por seis meses. Depois disso, se fosse trabalhar em outra empresa de outro setor, os pagamentos seriam suspensos. Do contrário, poderiam ser ampliados por um total de dois anos para que não caísse de forma alguma nas mãos da concorrência. Os valores públicos na época é que ele recebeu pouco menos de 60 milhões de reais, e Ferreira não tinha patrimônio para começar um negócio concorrente. Esse foi o preço apenas para que não usasse o que sabia da Vale em outra empresa do setor.
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