Com R$ 5,6 bi de oferta global, Natura &Co parte para reshape da dívida
Grupo já obteve R$ 7,6 bilhões em dinheiro novo, com emissão de ações, e agora parte para reduzir dívida e melhorar perfil
Publicado em 15 de outubro de 2020 às 12:30.
Última atualização em 15 de outubro de 2020 às 16:19.
É quase redundante falar que o ano de 2020 será um marco na vida de muitas pessoas e companhias. Mas, para a Natura &Co, tem sido um ano com muitos marcos, não um único. A companhia acaba de liquidar sua primeira oferta pública global para captação de recursos. Levantou nada menos do que 5,6 bilhões de reais — ou 1 bilhão de dólares. Foi a maior operação de uma empresa de produtos de consumo já realizada na América Latina e a maior oferta pública desse segmento nos Estados Unidos em 2020.
A Natura &Co levantou nada menos do que 7,6 bilhões de reais em dinheiro novo neste ano, considerando também o aumento de capital privado de 2 bilhões de reais concluído em junho. Foram as primeiras vezes que a companhia, listada na B3 há 16 anos, usou o mercado para se capitalizar. As duas ofertas públicas de ações anteriores (2004 e 2009) foram para venda de participações de sócios.
Se a transação é relevante no contexto de mercado, para a companhia é ainda mais. Ela consolida a mudança de patamar da Natura que, neste ano, consumou sua transformação em Natura &Co (já repararam que é Natura Eco?). Começou logo em 3 de janeiro, quando concluiu a incorporação da Avon, uma operação de 10, 4 bilhões de reais que a levou à posição de 4ª maior do ramo de cosméticos do mundo. Considerando o desempenho do primeiro semestre, a companhia deve fechar 2020 com vendas consolidadas muito próximas de 40 bilhões de reais. E daí, as novidades não pararam mais — e nem devem parar tão cedo.
“A oferta transforma por completo nossa estrutura de capital”, explica Roberto Marques, presidente global da empresa, em entrevista exclusiva ao EXAME IN. “Vamos usar a maior parte dos recursos para pré-pagar cerca de 900 milhões de dólares em bônus herdados da Avon e que venceriam em 2022”. O objetivo, segundo explicou o executivo, é melhorar a percepção de risco de crédito pela diminuição da alavancagem. A relação entre a dívida líquida e o Ebitda vai cair de cerca de 4 vezes para menos de 2 vezes, segundo ele. A compahia fechou junho com quase 20 bilhões de reais em dívida bruta, ou 10,5 bilhões de reais em compromissos líquidos, descontados o caixa e os instrumentos de proteção cambial.
É esperada uma natural reclassificação da empresa e a redução do seu custo de captação. Com isso, o plano é partir para renovar o perfil dos compromissos remanescentes — ou seja, os vencimentos serão alongados e com um custo menor, por meio da emissão de novas dívidas. Esses são os próximos passos para a estratégia financeira.
Os títulos que serão quitados com vencimento em 2022 têm custo de 6,5% ao ano e 7,875% ao ano. Eles refletem o risco de crédito da Avon antes da combinação com a Natura. Há anos, a companhia americana vivia desafios. Da herança, ainda restarão 462 milhões de dólares em títulos que vencem em 2023 e pelos quais a companhia paga um serviço de 7% ao ano, e mais 244 milhões de dólares que duram até 2043 e oferecem remuneração de 8,95% ao ano. Daí, a importância de uma renovação desses compromissos.
“Essa operação é emblemática porque posiciona a companhia globalmente para o mercado de capitais, em linha com a estratégia de negócios”, destaca Bruno Saraiva, co-head do banco de investimentos Bank of America (Bofa) no Brasil, um dos coordenador da oferta global, ao lado de Morgan Stanley, Citigroup, Itaú BBA e Bradesco BBI.
Em fato relevante publicado ontem, a Natura &Co informa que a venda de ações em ADR alcançou cerca de 20% da emissão, o que representou aproximadamente 30% do livro de ofertas — fica evidente o esforço de aumento da liquidez no mercado internacional. O percentual em recibos americanos ficou acima da liquidez média que está fora do Brasil. A demanda pela operação alcançou três vezes o volume pretendido. Além disso, a participação dos acionistas na chamada oferta prioritária foi recorde, na comparação com outras operações semelhantes.
Marques conta que a capitalizaçao e a realização de uma oferta global já estavam previstas para o pós-aquisição da Avon. Mas, como o processo foi finalizado em janeiro, não houve tempo: o mundo foi atropelado pela pandemia da Covid-19. Assim, a empresa aguardou o melhor momento e estudou qual seria o melhor caminho para retomar os objetivos iniciais. Antes de partir para a oferta global, fez uma emissão privada, na qual os controladores mandaram seu recado: foram os primeiros a mostrar a fé no futuro da integração e trouxeram gente de peso com eles. Quando a Natura &Co anunciou a capitalização de maio, os sócios fundadores deram uma garantia firme de aproximadamente 500 milhões de reais (o maior cheque já feito pelo trio para o negócio) e fundos de renome como Dynamo e JGP, do Brasil, e o GIC, fundo soberano de Cingapura, de outros 500 milhões de reais.
Nova fase
Além do perfil de suas finanças, a Natura &Co precisa renovar muito mais coisas na Avon. A marca centenária ainda embute desafios de revitalização de imagem. A integração e a modernização da companhia adquirida são as questões que os analistas e investidores mais estão atentos no momento. O assunto foi um dos preferidos durante o road show da oferta de ações, conforme Marques conta. Há poucas semanas, uma campanha de marketing com a jogadora de futebol Marta (que é Marta Vieira da Silva) já está no ar, com um posicionamento para a Avon que é totalmente a cara do grupo.
Com a questão financeira equalizada, a companhia vai definitivamente entrar de cabeça no processo de expansão geográfica dentro de seu portfólio de marcas e gestão industrial de toda capacidade que reúne. É definitivamente um novo momento.
Começo de tudo, o Brasil representa hoje 30% da receita da Natura &Co. A companhia está cada vez mais internacional. Os recursos da oferta que não forem usados para pré-pagamento da dívida terão três finalidades principais: acelerar a expansão geográfica das marcas de maneira orgânica e a integração com a Avon, ampliar investimentos no processo de digitalização e contribuir para o alcance da meta de se tornar um conglomerado de cosméticos livre da emissão de carbono em 2030 — o que a Natura, sozinha, já é desde 2017.
Marques explica que a fase de transição da produção da The Body Shop da L’Oréal para a Natura &Co será concluída nesse ano — há um cronograma e ainda restam alguns produtos que precisavam ser integrados. Com a estrutura global da companhia, a produção será feita em uma fábrica da Avon na Polônia.
Dentro do processo de expansão geográfica, a companhia está promovendo o primeiro piloto para uma operação parruda, que já vai nascer no conceito da omnicanalidade, na Malásia. O piloto termina ainda neste ano. Será a primeira estreia fora da América Latina — sem contar as presenças mais conceituais nos Estados Unidos (Nova York) e França (Paris). “Há todo um mapeamento fora da América Latina já para a Natura. Como ambição, seria interessante pensar em cinco a dez novos mercados para a marca entrar nos próximos cinco anos.”
O presidente da Natura &Co também diz que a companhia está atenta a como melhorar a penetração nos países asiáticos. “O Japão é o segundo maior mercado consumidor de cosméticos do mundo.” Já nos ícones ocidentais, na terra do Tio Sam e na Inglaterra, o grupo começou as vendas no conceito “at home”, das revendedoras, da marca The Body Shop.
Todos os avanços e passos estão ocorrendo de forma a também ampliar a digitalização, processo que ganhou grande velocidade dentro da pandemia e colocou a empresa em novo patamar nesse quesito, em especial na Natura, no Brasil — mas também com força surpreendente nas bandeiras The Body Shop e Aesop. As vendas pelos canais eletrônicos fizeram o desempenho do segundo trimestre, em plena pandemia, vir acima da expectativa do mercado. Em breve, a companhia vai lançar o Ecopay, sistema de pagamento com tecnologia própria desenvolvido para facilitar a vida das revendedoras na nova era das funcionalidades financeiras.
ESG
Os atributos ESG ( a sigla cada dia mais famosa para fatores ambientais, sociais e de governança) da Natura &Co foram determinantes na oferta global. Além de nascer com esse propósito, a empresa tem todo um controle e um planejamento detalhado para seu impacto ambiental e social. "Quando a Natura começa a falar sobre isso impressiona todos os investidores. Ela está muito além de apenas preencher requisitos", comenta Saraiva, do Bofa, que acompanhou de perto a venda dos papéis. "A dinâmica das operações recentes mostra que os questionamentos dos investidores sobre ESG são cada vez mais frequentes. E não é apenas pelos fundos dedicados." De acordo com o executivo, a companhia conseguiu atrair fundos altamente exigentes com a questão para a sua base de acionistas.
A exposição da Natura &Co ao mercado global de capitais e também a disseminação do conhecimento a respeito do seu perfil ESG são essenciais para todas etapas futuras do grupo, na visão de analistas de mercado. A companhia já está bem posicionada para o consumidor do futuro e agora está consolidando esse diferencial também perante toda a comunidade de investidores, o que será vital na próxima fase de emissão de dívida (mais uma globalização à frente).
Não é apenas no negócio que a Natura &Co é cada dia mais internacional. É em tudo, o que inclui a dispersão de seu capital. Após a oferta global, os fundadores — ainda chamados de controladores mesmo sem uma fatia majoritária da empresa — tiveram a participação levemente diluída de cerca de 42% para 39%, explica Marques. Quando a empresa chegou na bolsa, eram donos majoritários de um negócio de aproximadamente 8 bilhões de reais. Hoje, têm menos da metade de uma companhia avaliada em 62 bilhões de reais.
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