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Vale muda regras e agora já pode recomprar papéis dados na privatização

Debêntures participativas, que serão alvo de oferta pública do BNDES e do Tesouro, passaram por mudança de regras

Vale (VALE3)
Vale (VALE3)
GV

19 de março de 2021 às 17:09

A Vale, a maior companhia da bolsa brasileira e uma das maiores mineradoras do mundo, conseguiu aprovar novas regras para as debêntures que foram emitidas na privatização, e que no lugar de juros pagam royalties sobre as vendas de minério. Esses papéis entraram para o radar dos investidores porque o BNDES anunciou em março que promoveria no segundo trimestre a venda de seu estoque desse ativo, por meio de uma oferta pública secundária que pode movimentar em torno de R$ 13 bilhões. Há uma grande expectativa do mercado.

Com a alteração feita nesta sexta-feira,19, em assembleia de debenturistas, a partir de agora, a mineradora pode recomprar esses títulos quando julgar adequado, desde que siga as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O banco de fomento e a União Federal, que serão os vendedores na oferta, têm pouco mais 214,3 milhões de debêntures, de um total emitido de 388,6 milhões. Do estoque que os vendedores têm, 1/3 é do BNDES e 2/3, do Tesouro Nacional.

Tudo que se sabe, até o momento, é que a oferta pode ser da totalidade ou de parte do saldo. Há muito tempo o mercado tem interesse por essa reserva do banco, por causa da remuneração prevista: 1,8% das vendas de determinadas minas. O Bradesco BBI lidera o sindicado de bancos que vai trabalhar na operação.

Votaram a favor da mudança detentores de 287,8 milhões de títulos e contra, 1,967 milhão, de acordo com informações da própria empresa. Pelos números, foram a favor donos de mais de 70% das debêntures em circulação.

No mercado, há grande expectativa de que a Vale compre esses títulos, uma vez que o custo implícito neles é muito maior do que o custo de capital médio da companhia. Até a assembleia de hoje, a mineradora não tinha essa opção, pois a escritura dos papéis não a incluía — e se trata de tema que deve estar das regras do jogo.

A recompra voluntária de debêntures só passou a ser permitida pela CVM a partir da reforma da Instrução 620, em março do ano passado. Essa opção passou a ser liberada para uso em janeiro. A Vale alega que essa modificação feita agora não possui relação com o interesse do BNDES de vender os títulos e têm reiterado, sempre que possível, que neste momento não tem interesse em readquirir os papéis, por uma questão de “estratégia de alocação de capital”. De acordo com a mineradora, o objetivo da modificação foi apenas uma adaptação à regra nova da autarquia.

Os investidores desses títulos, contudo, insistem na opinião de que a mineradora é a principal potencial interessada. E que, se quisesse, poderia inclusive solicitar à CVM uma dispensa para atuar na ponta de compra na oferta.

Em 2018, essas debêntures — que foram dadas, sem custo, aos acionistas vendedores na privatização da Vale — eram negociadas no mercado secundário por R$ 10. Desde então, o preço subiu, acompanhando o aumento dos royalties e, portanto, o retorno implícito. Em agosto do ano passado, quando já circulava no mercado o interesse do BNDES em realizar uma oferta pública, o valor estava em R$ 30 e, no fim de fevereiro, bateu R$ 60. Nos últimos dias, tem oscilado entre R$ 58 e R$ 59.

Os investidores de mercado desses títulos gostaram apenas em parte da mudança feita nesta sexta-feira, 19. A adição da possibilidade de recompra é considerada positiva. É sempre uma perspectiva de liquidez, uma vez que os títulos não têm prazo de vencimento.

A proximidade da possível oferta do BNDES tem feito muita gente ficar atenta aos passos que estão sendo dados. Nesse sentido, muitos acreditam que a Vale deveria indicar um prazo a partir do qual os as debêntures podem ser recompradas — e que isso deveria ter ficado claro na escritura modificada. Segundo especialistas em mercado de dívida, não ter prazo algum afeta o cálculo do valor justo para os papéis. Nos títulos tradicionais de dívida, seja debêntures ou bonds, há uma indicação do ano em que a recompra passa a ser possível, quando permitida.

Atualmente, com o dólar tão valorização frente ao real e o minério próximo de seus recordes históricos, os royalties pagos pela Vale oferecem uma perspectiva de retorno bastante interessante para as debêntures. No entanto, são papéis que podem ter uma volatilidade maior, em função dessas variáveis.

Muitos têm dito que são títulos de dívida, mas semelhantes a ações — que pagam dividendos — e têm variação mais bruscas de preços. A diferença aqui é que o percentual da receita a ser pago é fixo e não depende de rentabilidade.

Outro ponto que incomodou alguns foi o fato de a Vale não ter oferecido o pagamento nenhum prêmio em contrapartida à alteração, como costuma ocorrer quando emissores mudam as regras do jogo no meio do caminho.

Por isso, alguns entendem que essa modificação, da forma como foi realizada, pode prejudicar a atratividade do título. Por exemplo: a expectativa é que os preços de mercado possam cair, se houver queda do minério ou valorização do real. A Vale poderia então aproveitar o momento para lançar uma recompra. Mas é fato que caberá aos detentores avaliar se o preço compensa ou não.

Em recente entrevista sobre esse tema, Nathan Shor, gestor do fundo Quasar Latam Bonds, que possui exposição relevante a essas debêntures, comentou esperar que em 2024 haverá pagamento de royalties sobre o sistema produtivo do Sudeste. Hoje, a Vale paga apenas sobre o Norte. Os pagamentos são válidos a partir de determinados gatilhos de nível de extração.

No total, os pagamentos de royalties relativos a 2020 devem somar R$ 1,5 bilhão, ante R$ 900 milhões no ano anterior. A expectativa é que a oferta do BNDES ocorra a partir do fim de abril, quando deve ser feiro o desembolso da parcela da remuneração referente ao segundo semestre do ano passado.

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