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Tok&Stok e Mobly: salvação ou casamento de crises?

Notícias de negociação entre as empresas ganharam força nesta sexta-feira; o que uma união significaria para o futuro?

Tok&Stok: empresa tentou ir à bolsa diversas vezes, sem sucesso (Tok&Stok/Divulgação)
Tok&Stok: empresa tentou ir à bolsa diversas vezes, sem sucesso (Tok&Stok/Divulgação)
Karina Souza

Karina Souza

10 de março de 2023 às 20:51

A batalha do sofá virou cama de casal. Se, em 2020, as empresas do setor de móveis e decoração disputavam o holofote para ver quem faria IPO primeiro, hoje, o assunto é a conversa entre Tok&Stok e Mobly para uma possível união de negócios. De acordo com o Pipeline, o Bradesco BBI foi contratado pela empresa da fachada verde, enquanto a startup é assessorada pelo Itaú BBA. O tema desperta curiosidade. Principalmente porque a possível candidata a compradora, nesse contexto, está longe de passar por um momento promissor: está avaliada a um preço muito próximo ao que tem em caixa, de acordo com os últimos relatórios disponíveis.

Segundo as informações publicadas em setembro (a Mobly divulga o relatório anual somente no fim deste mês), a companhia tem R$ 219,5 milhões em caixa e R$ 300 milhões em liquidez, somando os recebíveis do cartão de crédito. Hoje, vale R$ 306 milhões na B3. Ao longo do último ano, tomou uma série de iniciativas para reduzir o consumo de caixa -- que deram certo, fazendo com que a empresa passasse de uma queima de R$ 30 milhões para R$ 2 milhões. Demissões, reformulação do plano de inaugurações, renegociar contratos e devolver centros de distribuição foram ações colocadas em prática para 'colocar a casa em ordem'. Isso sem falar em alterações de contratos com fornecedores e prazos de pagamento.

Diante dessa situação, considerando na conta as dívidas que a Tok&Stok tem hoje, a transação teria de acontecer a um valuation muito atrativo para se tornar efetiva, como afirmou uma fonte ao EXAME IN. Há até mesmo quem diga, explicitamente, que a startup de móveis não deveria entrar no negócio. Mesmo com o benefício claro de sinergias a serem aproveitadas entre ambas as empresas: a varejista da fachada verde poderia se beneficiar do conhecimento em vendas digitais da Mobly e, esta, da capilaridade de lojas físicas que a companhia tem, por exemplo.

A visão é a de que se trata de um preço alto a se pagar. A Tok&Stok, para lembrar, foi alvo de uma ação de despejo movida pelo fundo imobiliário Vinci Logística recentemente, após o calote de R$ 21 milhões em aluguel do centro de distribuição ocupado por ela, em Minas Gerais. Some isso à crise Americanas (e a um mercado mais restrito para a negociação de dívidas) e está aí o cenário perfeito para o caos. Para lidar com ele, a companhia prevê fechar 30 lojas neste ano , bem como acompanhar de perto a operação para reduzir o consumo de caixa intenso e realizar demissões no seu quadro corporativo.

Do lado da negociação de dívidas, a varejista de móveis contratou recentemente a Alvarez & Marsal para fazer o meio de campo com os bancos, negociando até mesmo o endividamento de curtíssimo prazo. "Se a companhia não conseguir negociar o que deve muito rápido, entra numa recuperação judicial mês que vem", diz uma fonte próxima à empresa ao EXAME IN. Hoje, a Tok&Stok tem R$ 300 milhões em dívidas de curtíssimo prazo (mês que vem) e outros R$ 350 milhões em dívidas com outros credores.

Para se livrar da RJ, a Tok&Stok vislumbra a perspectiva de uma fusão. Que, de brinde, ainda é uma forma de a SPX (sócia que entrou no negócio ao 'herdá-lo' do Carlyle) e de os sócios franceses, Ghislaine Dubrule e Régis Dubrule, conseguirem sair do negócio em curto prazo.

Como a Tok&Stok chegou até aqui

Os problemas da Tok&Stok estão principalmente relacionados à falta de uma estratégia única (e eficaz) para manter a companhia de pé. Nos últimos seis anos, a varejista teve cinco presidentes diferentes, cada um com um estilo e um direcionamento próprios para a companhia.

O crescimento da empresa, mesmo na pandemia, também não era dos maiores. Em 2020, momento de demanda aquecida para o setor com a euforia do isolamento social, a empresa mostrou que crescia cerca de um dígito ao ano desde 2017. E que devia estrear na bolsa no vermelho, com um prejuízo perto dos R$ 50 milhões.

De lá para cá, a empresa andou de lado, com uma receita na casa dos R$ 1,6 bilhão em 2022. E Ebitda negativo. Consome caixa com dívidas que vão do banco ao fornecedor. Em detalhes para entender como a empresa chegou até aqui: a margem bruta da companhia se deteriorou nos últimos anos, com inflação de móveis alta e sem conseguir repassá-la para os produtos, um desafio enfrentado por todo o setor. Esse é um dos pontos para entender a falta de rentabilidade. O outro tem a ver com um erro de cálculo pós-pandemia. A empresa se preparou para um crescimento que não veio e, com isso, aumentou desde o quadro corporativo até a quantidade de lojas e estoques.

Além disso, já partindo do Ebitda negativo, a companhia tem uma série de investimentos realizados ao longo dos últimos anos (tecnologia, por exemplo), que tornam a situação toda muito mais dramática.

A "maldição" do setor

A situação atual da Tok&Stok lembra muito um outro caso recente no país, o da Etna, que teve as portas fechadas no último ano, depois de tentativas frustradas de negociações inclusive com a própria Tok&Stok (cuja falta de recursos prejudicou a negociação).

A Etna tinha, contra si, o fato de apostar em megastores, enquanto o setor como um todo apostava em estabelecimentos menores e no mundo digital. Uma tentativa também abraçada por ambas as empresas alvo de notícias e especulações hoje: a Mobly nasceu online e, a Tok&Stok, reformulou seu conceito de lojas de olho em alugar espaços menores.

Nada disso parece suficiente, entretanto, diante de juros altos e de um poder de compra corroído ao longo dos últimos dois anos pela inflação. Mais focado em outras categorias de produtos (e em serviços e experiências, com o fim da pandemia), o consumidor deixou para segundo plano uma eventual nova troca de itens de casa.

 

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Karina Souza

Karina Souza

Repórter Exame IN

Formada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.