TerraMagna: fintech do agro tem carteira de crédito de R$ 1 bi e mira empréstimo de longo prazo
Foco é substituir o CRA como instrumento de financiamento para compra de insumos
Karina Souza
Repórter Exame IN
Publicado em 3 de julho de 2023 às 16:05.
Última atualização em 6 de julho de 2023 às 10:38.
Qual é o fio condutor de uma carreira profissional que começa como militar e termina como empreendedor? Essa é uma das primeiras perguntas que vem à mente ao conhecer Bernardo Fabiani, co-fundador da TerraMagna, startup focada em dar crédito ao agronegócio. Engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o executivo desempenhou, antes, uma função pouco usual para o posto que ocupa hoje. Foi primeiro-tenente da Força Aérea Brasileira. No caminho do público para o privado, o que ficou mesmo foi o objetivo final: encontrar uma forma de ‘fazer a diferença’ -- para já.
“Por que eu virei militar? Porque muita pesquisa de ponta ainda é feita pela Força Aérea Brasileira. Qual foi o problema, então? Eu acabei me deparando com uma realidade muito dura de falta de recursos no setor público. Em 2016, o orçamento da área em que eu trabalhava foi cortado em 75%”, diz Fabiani, em entrevista ao EXAME IN.
Ao ver a porta fechar para a ideia de construir algo significativo no setor público, o jeito foi traçar um novo caminho no setor privado. Daí, veio a ideia de fundar a TerraMagna, que reúne uma atuação no agro (setor de destaque no país) com o crédito, área em que Fabiani e o sócio, Rodrigo Marques (também ex-ITA) poderiam contribuir. Hoje, a fintech gere uma carteira de crédito de R$ 1 bilhão, que deve chegar a R$ 1,5 bilhão no fim de 2023. A meta é chegar a R$ 5,5 bilhões nos próximos três anos. . Este ano é, também, o primeiro em que a fintech opera gerando caixa. A receita é estimada em R$ 125 milhões, crescimento de três vezes em relação ao ano passado.
A empresa atua, principalmente, na concessão de crédito para distribuidores de insumos no país, captando via Fiagro (estruturado em parceria com a Milenio Capital). Em operação desde 2017 no Brasil, a fintech planeja, em meio ao crescimento da carteira de crédito, lançar uma nova modalidade de empréstimos de longo prazo, de olho em financiar insumos. “Temos um grande problema no mercado de capitais hoje. Por falta de outro instrumento, é o CRA uma das principais formas de financiamento na cabeça do distribuidor. O problema é que a ferramenta não foi criada para ser usada como é hoje”, diz Fabiani.
O racional por trás desse argumento é o de que o CRA é um instrumento de securitização, ou seja, pegar um tanto de algo teoricamente estático, comprimir, dividir o risco, cotizar e vender. Um processo que se torna ineficiente para o agro, hoje, uma vez que há mudanças dentro dos títulos que compõem esse instrumento a cada safra, sem que haja a possibilidade de aumentar, diminuir ou ajustar essa necessidade de capital ao longo do tempo.
“Uma coisa que aconteceu muito no ano retrasado, por exemplo, é que o cliente tinha um CRA e o preço do insumo disparou. Então, o tíquete de R$ 1 milhão, por exemplo, passou a financiar metade do poder de compra anterior, a necessidade de funding mudou totalmente. No limite, o que ele fez? Outro CRA. E aí carrega uma dívida enorme, desnecessariamente”, diz Fabiani. Além de um custo alto na ponta final, mais 'visível' para produtores, a própria burocracia envolvida na operação em si também torna o processo complicado para o setor. Nas contas da TerraMagna, uma operação que sairia a DI+5,25%, na verdade, custa DI+9,35%.
De olho em oferecer uma alternativa para o setor, a companhia trabalha em uma nova oferta, a ser lançada ainda em 2023. Por enquanto, ainda não há data de lançamento prevista -- mas a experiência da startup no segmento deixa claro o tamanho da carência por produtos financeiros.
Como a TerraMagna consegue fazer a ponte com o agro
Há seis anos no mercado, a empresa se dedicou a criar um modelo capaz de reunir fatores climáticos e ligados à atividade agrícola de modo geral junto com os indicadores financeiros. Hoje, nos modelos que desenvolveu dentro de casa, a fintech interpreta desde dados de satélite sobre a produção rural, até o fluxo de vendas de produtores e riscos ambientais para emprestar dinheiro com zero inadimplência.
Mesmo assim, o modelo final varia de acordo com cada região, considerando, grosso modo, as diferenças entre os quatro tipos de agriculturas no país: a do sul, ainda com um núcleo familiar muito presente, o cerrado, mais profissionalizado, sudeste com áreas menores e mais ligado à alimentação e o Matopiba.
Todo esse conjunto ainda passa longe do sistema financeiro tradicional. Afastados das instituições financeiras, produtores e distribuidores encontraram uma forma de financiar a cadeia com a própria operação, o tal crédito comercial -- na prática, os insumos são repassados entre todos os agentes, com os pagamentos feitos ao fim da safra. Hoje, 60% dos insumos de safra estão incluídos nessa categoria, em um mercado total de mais de 160 bilhões de reais por ano no país.
Um exemplo desse tipo de transação está nas operações de barter, em que, como a EXAME Agro explica: "um produtor rural adquire sementes, fertilizantes, agroquímicos, entre outros insumos, sob a condição de pagá-los ao fim da safra. E o preço é calculado mediante a previsão de produtividade da área e pago em sacas de determinado produto após a colheita".
A falta de familiaridade do setor com o mercado financeiro leva até mesmo a outras ineficiências -- nas quais a TerraMagna não pretende entrar. Um exemplo é a falta de gestão de risco, principalmente de produtores menores, de preços de commodities. "Um contrato futuro a termo, por exemplo, poderia ser muito vantajoso para esse público. Mais do que um contrato futuro convencional, que tem chamada de margem e um contrato de hedge, que carrega uma estrutura de custos muito maior", diz Fabiani.
O caminho do dinheiro
Nesse cenário, o pulo do gato da TerraMagna foi o de desenvolver um modelo único de negócio, que foca principalmente nos distribuidores de insumos para dar crédito. São estabelecimentos que, na prática, funcionam como uma 'one stop shop' para produtores, que contratam, nesses locais, desde as compras habituais até mesmo soluções de seguros para cargas, por exemplo.
A ideia de ir direto a eles -- e não aos produtores -- passa por um racional de custo e de hábito. São cerca de 600 distribuidores em todo o país, ante cinco milhões de produtores. "Além do custo de aquisição de cliente, você encontra várias porteiras no Mato Grosso que dizem 'a entrada de cachorros e de vendedores é proibida'", diz Fabiani. No fundo, não se trata de uma 'venda pela venda' mas sim de uma análise cuidadosa de como o distribuidor vai usar aquele dinheiro antes de emprestá-lo, de olho em garantir condições atrativas para eles.
Na prática, a cadeia de financiamento começa nos Fiagros que a TerraMagna usa como instrumento de captação. Neste ano, a fintech ainda deve captar pelo menos mais R$ 350 milhões, usando o mesmo instrumento.
Com o dinheiro na mão, a fintech segue para os distribuidores. “Se você olha para um distribuidor que fatura R$ 500 milhões, provavelmente o contas a pagar dele vai estar em R$ 250 milhões. Você consegue financiar isso no balanço dele? Não, mas você consegue financiar o produtor dele que adquire os insumos e a partir desse momento você pulveriza o risco”, diz Fabiani.
Tendo esse fator em vista, o empréstimo pode seguir três caminhos principais: antecipação de recebíveis, em que o distribuidor chega na TerraMagna com a quantidade de pedidos encomendados e pega o dinheiro com a fintech e o “crédito fumaça”, que consiste em uma análise do perfil do faturamento do distribuidor ao longo do ano.
"Por vezes o distribuidor vai ter uma oportunidade muito boa de insumo e não vai poder esperar fazer uma venda para um produtor. Então, a gente entra com o funding e ele tem um período para fornecer os recebíveis para funcionarem como colateral dessa operação”, diz Fabiani.
A última modalidade de empréstimo, principalmente aplicada em distribuidores menores, é a de garantia real do produtor -- ou seja, a safra do produtor. A vantagem, nesse caso, fica com o tamanho do tíquete: enquanto no primeiro caso, para um pequeno produtor, a cifra ficaria em R$ 3 milhões, na segunda em R$ 5 milhões e, nesta, pode chegar a R$ 15 milhões, em um exemplo de ordem de grandeza.
Todos os caminhos levam, no fim, à oportunidade de trazer mais acesso a produtos financeiros dentro do agronegócio. Em um mercado bilionário, 'fazer a diferença' leva tempo. Em um setor tão cheio de transformações quanto a própria carreira de um dos fundadores, é um esforço pelo qual vale a pena persistir -- e continuar crescendo.
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Karina Souza
Repórter Exame INFormada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.