Stuhlberger vê Trump ‘paz e amor’ em relação à China – e aposta na inflação nos EUA
Fundo Verde fecha posição vendida na moeda chinesa e vê ‘piquenique à beira do vulcão’ no Brasil
Publicado em 28 de janeiro de 2025 às 18:01.
Última atualização em 28 de janeiro de 2025 às 18:26.
Em meio aos diversos ruídos nos primeiros 10 dias de Donald Trump de volta ao comando dos Estados Unidos, a postura mais paz-e-amor do presidente em relação à China foi a maior surpresa, avalia Luis Stuhlberger, CEO do lendário fundo Verde.
“Ele claramente está repensando com uma calma que não é do estilo dele a agenda de tarifas. Isso foi uma grande surpresa, pelo menos para aquilo que o mercado precificava”, afirmou durante conferência promovida pelo banco UBS.
Nesse cenário, a gestora desfez sua posição vendida no renminbi, que carregou ao longo de 2024, no começo do ano.
SAIBA ANTES: Receba as notícias do INSIGHT no Whatsapp
O gestor diz que ainda há pouquíssima clareza para operar, dada a postura imprevisível do presidente – mas em meio à fumaça “o que sobrou dos Trump Trades” no mercado de inflação americano.
“Existe um mercado muito grande de inflação americana e ele está posicionado muito errado em 2,5%, para o curto e médio prazo. Antes de o Trump assumir, isso chegou a 2,65%, 2,70% e depois voltou”, afirma.
Segundo ele, tanto as tarifas que devem vir em algum grau para outras economias, como a Europa, México e Canadá, como a tendência de internacionalização de produção nos Estados Unidos e a menor oferta de mão de obra por conta das políticas imigratórias devem ter um efeito inflacionário mais forte, que ainda não está nos preços.
“Está muito difícil de se posicionar nesse início de governo, mas das variáveis macro, me parece a melhor, até porque não tem carry negativo”, disse Stuhlberger, que tem uma posição grande na tese. “É a coisa que está mais errada no pricing.”
Batendo no mais fraco
Precursor da indústria de multimercados no Brasil, o gestor acha que é provável que Estados Unidos e China cheguem a algum tipo de acordo em relação à imposição de tarifas – num cenário em Pequim tem um grande poder de negociação frente a Washington em relação a outras economias.
“A China não é uma potência que pode ameaçar a hegemonia americana, mas pode causar muitos problemas no supply chain americano”, explica.
Outro fator é que Trump quer terminar a guerra contra a Rússia e, para isso, vai precisar dos chineses. “A guerra com a Rússia custa para a Otan uma fortuna. Acabar com isso teria o benefício muito grande de uma baixa significativa nos preços do petróleo e poderia jogar a inflação americana para baixo.”
O palpite educado do gestor é de que haverá alguma imposição das tarifas contra os chineses, mas numa magnitude bem abaixo da que foi ventilada durante a campanha, de forma mais gradual.
“A China já tem tarifa, colocada no governo anterior. Me parece que o Trump pode ir na direção de equilibrar as tarifas com o resto dos países que ainda não tem. Isso não estaria contrariando o mandato dele.”
O cenário é diferente para outras economias, como México, Canadá e a Zona do Euro.
“O Trump é claramente aquele cara que chega no bar à noite, pega o cara mais fraquinho e dá uma surra nele, mas deixa o lutador de jiu-jitsu para depois”, disse, arrancando risos da plateia.
Ainda que deva haver tarifas, Stuhlberger aposta numa racionalidade maior do segundo governo.
“Ele vai colocar tarifa no Canadá e no México, mas duvido que chegue nos 25%. É um tiro no pé, mas o Trump está ouvindo Elon Musk, está mais bem cercado de pessoas desta vez do que no último mandato”, pondera.
“Apesar de ele se imprevisível, esse time é bom e sabe que se colocar tarifa muito grande no México e no Canadá, as empresas americanas que produzem lá vão ter problemas e a moeda desses países vai depreciar tanto que, no limite, vai ficar mais caro para o americano.”
E o Brasil...
Falando sobre a economia brasileira, Stuhlberger, para a surpresa de ninguém, segue pessimista. “Se você pensar francamente no quadro macro do Brasil, realmente a gente nunca esteve tão perto de estar [numa situação ruim] como estamos hoje. Na crise da Dilma, a dívida era 60% do PIB, agora é 85%.”
Por ora, com os juros contratados pelo Banco Central a 14,25% e os futuros já apontando para 15% e 16%, pode haver menos volatilidade – mas dentro dos patamares já muito depreciados de câmbio e dos ativos financeiros.
“Com esses juros, vira o piquenique à beira do vulcão. É hora de comprar dólar? Não sei. O mercado vê o dólar indo a R$ 6,20 e de repente R$ 5,80 não parece mais tão ruim assim, o difícil é o R$ 7”, pondera.
Elogioso à postura de Galípolo na condução da política monetária, ele aponta um menor poder de fogo do Banco Central para conter o câmbio. “Nossas reservas não têm tanto dólar para vender, dá para fazer swap, mas aumenta o preço do cupom cambial.”
No médio prazo, contudo, ele vê uma situação insustentável, especialmente por conta da trajetória explosiva dos gastos do governo.
Para o gestor, a promessa do governo de isentar de Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil vai ser levada a cabo – e, na sua visão, sem uma garantia de recomposição de arrecadação com a tributação dos mais ricos, o que tende a agravar o cenário.
Ele cita que os déficits nominais devem se aprofundar este ano, com a Selic alta, PIB menor e sem arrecadação extraordinária.
“A NTN-B 2035 está pagando 7,85%. É sustentável isso? Não porque os juros reais não serão 8% nos próximos dez anos. O Brasil quebra antes. Alguma coisa vai ter que acontecer. Seja uma mudança de governo, uma mudança de mentalidade desse governo.”
Saiba antes. Receba o Insight no seu email
Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade
Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.
Rebecca Crepaldi
Repórter de finançasJornalista formada pela Unesp, mestranda em Jornalismo Científico na Unicamp e especializada em Jornalismo Econômico pela FGV. Tem mais de 5 anos de experiência em redação com passagens pelo G1 e Estadão.