Linx: com 3% do capital, Fama diz que transação com Stone “não é ética”
Gestora vê prêmio indevido para trio de sócios fundadores da Linx em detrimento aos demais acionistas
Publicado em 13 de agosto de 2020 às 03:54.
Última atualização em 13 de agosto de 2020 às 13:19.
A Fama Investimentos, uma das maiores acionistas da empresa de softwares de gestão Linx, com uma posição de 3% do capital da companhia, está de cara com a operação de combinação com a StoneCo. O gestor e fundador da casa, o conhecido militante das boas práticas de governança corporativa há mais de duas décadas Fabio Alperowitch, não teve dúvida ao sentenciar em carta obtida pelo Exame IN que a transação “fere a ética”.
O incômodo dele é com os 240 milhões de reais a mais que os três sócios fundadores da Linx, Nércio José Monteiro Fernandes, Alberto Menache e Alon Dayan, receberão a mais por um contrato de não competição com duração de três anos — um adicional aos cerca de 900 milhões de reais que terão direito pela venda da participação que possuem no negócio, de quase 14%. Para completar, no caso de Menache, que é também presidente executivo da Linx, haverá um segundo extra, de quase 90 milhões de reais, para que seja presidente do conselho de administração da divisão de software da StoneCo pós-combinação por três anos, ou seja, ele ganha para trabalhar e para não competir consigo próprio ao mesmo tempo.
Esses benefícios foram noticiados com exclusividade pelo EXAME IN ontem, após avaliação dos acordos divulgados.
Nas contas de Alperowitch, os adicionais equivalem a um prêmio de 35% no caso dos três sócios conjuntamente e de 63% no caso específico de Menache, em relação ao que os demais acionistas de mercado da Linx receberão. É como se, no lugar de ter as ações da Linx avaliadas em quase 34 reais por papel no acordo (conforme o divulgado), o trio recebesse, só ele, 46 reais por ação, segundo a carta da Fama.
Para Alperowitch, que se mostra profundamente indignado com a situação, a Linx não aprendeu nada nem dos princípios da Lei das Sociedades por Ações nem do Novo Mercado, ambiente no qual é listada. O gestor abre a carta citando os autores da lei brasileira, que data de 1976: “a diferença entre as ações de controle e as minoritárias em geral é relativamente pequena, pois, a não ser quando o controle é exercido abusivamente em benefício do controlador, não assegura vantagens patrimoniais que justifiquem a atribuição de valor muito maior às ações de controle”. A aspa citada é de Alfredo Lamy e José Luiz Bulhões Pedreira ao então ministro da economia, Mario Henrique Simonsen.
“Infelizmente, o alerta não foi suficiente para coibir uma série de transações que se sucederam nas décadas seguintes, em que controladores se apropriaram injustificadamente de um prêmio de controle excessivo, lesando os acionistas minoritários”, escreve Alperowitch, no âmbito da transação da Linx.
E ele segue lamentando: “Infelizmente, nem as boas práticas preconizadas pelos coautores da Lei das SA nem as diretrizes do Novo Mercado são capazes de coibir estratagemas criativos que são desenhados para driblar os conceitos e compromissos pré-estabelecidos. É neste contexto que lamentamos e refutamos veementemente os termos estabelecidos na transação entre Linx e Stone.”
O que mais se ouvia no mercado ontem, entre aqueles poucos que se debruçaram sobre os documentos e tomaram conhecido dos termos do contrato, era uma interrogação: “por que as empresas resolveram poluir uma operação com tanto sentido e com tantos méritos com essa conduta?”
Ambas foram questionadas pelo EXAME IN. Nenhuma delas quis dar satisfações ou explicações. Alegaram que se trata de uma transação ainda pendente de aprovação. A Linx, mesmo após Menache ter concedido entrevista a outros veículos de imprensa, respondeu, por meio de sua assessoria: “Como a combinação de negócios com a Stone ainda depende da aprovação de órgãos reguladores e dos acionistas da empresa, a Linx prefere não se manifestar por meio de entrevista até que esse processo esteja totalmente finalizado. O mercado e demais interessados serão informados sobre esse trâmite por meio dos comunicados oficiais da empresa.”
Versão 2020 da Oi 2006?
Em um primeiro momento, a união das companhias — uma operação de 6,04 bilhão de reais e capaz de gerar uma receita extra de 1,5 bilhão de reais, segundo a própria Stone — parecia o óbvio ululante e perfeito que pairava debaixo de todos os narizes e ninguém havia pensado. Mesmo com a Linx sendo uma empresa considerava alvo, a junção com Stone não tinha sido exercitada. “Como eu não pensei nisso antes?”, todos se questionavam na terça-feira 11, quase em um hino de comemoração.
No dia seguinte, com os termos apresentados, começaram aqui e acolá as queixas. Muita gente entende a importância de manter o trio Fernandes, Menache e Dayan “no cabresto”. Mas a quantia indignou, especialmente pela proporção em relação ao valor da posição em ações.
Os mais catastrofistas começam a lembrar — mais do que Qualicorp, quando o fundador recebeu 150 milhões de reais para não competir com a empresa — da Oi de 2006. Será o acordo de não competição uma espécie de “benefício particular”? No afã da indignação, surgem as teses mais diversas. Há 14 anos, os então donos da tele, GP Investimentos, Andrade Gutierrez e grupo La Fonte, tentavam garantir um prêmio para eles próprios de 80% no processo do que seria a migração da Oi para o Novo Mercado. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na época, acabou por impedir a operação — mas sem ter de fazer isso ela própria. Entendeu que esses sócios estavam sendo beneficiados de modo particular e que, portanto, não poderiam votar na assembleia sobre o negócio. O entendimento ficou registrado no Parecer 34. Nas mãos apenas dos minoritários, a reestruturação foi rejeitada.
O benefício particular é um conceito da Lei das Sociedades por Ações — a mesma de Lamy e Bulhões Pedreira — que impede acionistas que tenham ganhos diferenciados em determinados negócios de decidir sobre eles: parágrafo 1º, artigo 115.
A StoneCo vai comprar a Linx por meio de uma incorporação — que será honrada 90% em dinheiro e 10% em ações de sua emissão. Tal transação depende de aprovação de assembleia de acionistas. O trio tem em conjunto quase 14%. Falta chão até a maioria absoluta, é fato. O negócio só sairá se o mercado estiver contente. O acordo selado com a StoneCo prevê que Fernandes, Menache e Dayan estão obrigados a votar favoravelmente à incorporação. Caso a assembleia rejeite a transação, a Stone tem direito a receber 25% de uma multa estipulada em 605 milhões de reais.
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