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Saúde

Instituto Estáter: estratégia de isolamento é ineficaz contra covid

Com equipe dedicada à coleta e organização de dados globais, Pércio de Souza diz ser urgente apostar em campanhas de conscientização

Coronavírus: como aposta de médio e longo prazo, isolamento não resolve e tem efeito perverso, para instituto (Getty Images/Getty Images)
Coronavírus: como aposta de médio e longo prazo, isolamento não resolve e tem efeito perverso, para instituto (Getty Images/Getty Images)
GV

Graziella Valenti

26 de novembro de 2020 às 11:19

O estranho ano de 2020 está perto de terminar e tudo indica que a covid-19 será a 3ª doença mais letal no Brasil. Deve representar 13% das mortes. Nesse momento, são 170 mil mortos pelo vírus. Nessa triste estatística, as doenças cardiovasculares são as mais mortais, com 388 mil óbitos, seguidas do câncer, que já provocou o falecimento de 245 mil pessoas até agora. Sempre que os dados sobre a covid-19 mostram piora no contágio, aumenta a perspectiva da quarentena, do lockdown. Ficou consolidado na cabeça das pessoas — não só aqui, mundo afora — que essa é a forma de combate ao vírus.

Só que quem olha os dados de perto tem tranquilidade em afirmar que o isolamento e a redução forçada da mobilidade da população não são e não deveriam ser encaradas como uma saída definitiva contra a pandemia. Muito menos, a única. Ao contrário, os dados mostram que pode provocar o efeito pêndulo que tem levado países poupados inicialmente pela infecção, fruto de um lockdown precoce, a serem assolados no momento da flexibilização.

“A politização e interferência de debates ideológicos têm impedido uma avaliação pragmática da melhor forma de enfrentar a infecção. Esta radicalização tem levado a análises simplistas onde se isola a variável ‘lockdown contra SARS-CoV-2’ e se despreza as outras variáveis da equação”, comenta Pércio de Souza, empresário, sócio-fundador da boutique de fusões e aquisições Estáter e presidente do Instituto Estáter, que tem uma equipe dedicada ao assunto desde março deste ano.

O pior de tudo, para ele, é que esse contexto impede uma análise crítica em busca da resposta para a pergunta: isso está mesmo funcionando? “Isso para não destacar que estão quase que impedidas as considerações sobre o impacto nas outras áreas da saúde, nas crianças vulneráveis que perderam escola, efeitos psicológicos e as consequências na economia real.”

Sem conseguir perceber se a estratégia é ou não eficaz, governos e sociedade civil, de forma geral, não trabalham naquilo que, para Pércio, deveria ser a grande questão: campanhas de informação e conscientização. Não se trata, pura e simplesmente, de evitar o lockdown, mas de abordar suas falhas e atacar os problemas.

A análise dos dados da evolução pandêmica, tanto no Brasil como no exterior, demonstra que países e regiões que foram bem-sucedidos pelo lockdown precoce no início do ano estão agora entre os que mais têm sofrido neste segundo semestre. “A falsa sensação de dever cumprido pelo isolamento é seguida de um relaxamento crescente que leva a descuidos e a intensificação da infecção. Estudos recentes mostram que a conscientização e informação são mais importantes para a prevenção do que o isolamento. E isto está faltando”.

O lockdown foi adotado inicialmente como ferramenta para controle da velocidade de disseminação da doença, com objetivo de evitar sobrecarga do sistema de saúde, lembra Pércio. Mas, com o transcorrer do tempo, passou a ser encarado como “única alternativa”, quando na verdade não tem provado ser.

“O que precisamos como política pública é uma campanha constante de informação e conscientização em todas as esferas: federal, estadual, municipal e sociedade civil organizada. As pesquisas demonstram que os principais focos de transmissão têm sido nas celebrações fechadas, de um modo geral, e em casa. Crianças e professores não vão à escola, executivos fazem home office, idosos deixam de ir a restaurantes, todos saem à rua com máscara. Com a sensação de dever cumprido, quando se confraternizam com amigos, fazem reuniões familiares ou vão para festas e celebrações, relaxam e se contaminam. O mesmo se repete no passo seguinte: em casa, abraçam e beijam pais e avós, dando sequência ao ciclo da transmissão”.

O levantamento das informações vem sendo coordenado pelo Instituto Estáter, que tem se destacado na coleta e organização de dados desde o início da pandemia, com uma equipe dedicada. Pércio conta que, nas últimas semanas, para entender o aumento do contágio e das hospitalizações na Europa, Estados Unidos e mesmo no Brasil, decidiu-se fazer uma análise mais granular. Ou seja, buscar dados por províncias e cidades, e não apenas o consolidado de cada país.

Neste trabalho, comparou-se as regiões mais e menos afetadas em diversos países no 1º semestre com a situação atual. Com isso, a dinâmica do atraso na curva do contágio fica evidente na comparação entre países e também dentro deles, com dados detalhados. Na Itália, por exemplo, onde a situação foi dramática na região Norte em abril (como Lombardia e Emilia Romana), os óbitos por semana nesse momento estão em patamar equivalente a 45% do pico. Já no Sul, nas localidades menos afetadas no primeiro semestre, os falecimentos semanais estão em 230% do seu pico no 1º semestre. Na Espanha, onde a curva já está arrefecendo, essa fotografia se repete. Nas províncias de Madri e Catalunha que lideraram as infecções no início do ano, o pico dos óbitos semanais ficaram por volta de 30% do pico anterior.

“O que se vê em todos os países é que as regiões que foram menos afetadas no início do ano, protegidas pela estratégia do lockdown, agora estão passando por disseminação mais intensa do vírus pela abertura e liberação das atividades”.

É possível ver isso na Europa, mas há exemplos vizinhos também. Na Argentina, que fez um lockdown severo no início do ano, em 6 de julho o número de óbitos acumulados por milhão de habitantes estava em 35, enquanto o Brasil estava em 313. Agora, o país de origem do craque Messi passou o Brasil nesse indicador: está até dia 23 de novembro com 840 mortos por milhão de habitantes, enquanto o Brasil aparece com 810.

Na Europa, a República Tcheca também foi objeto de lockdown rígido e o retrato traz a mesma informação. Em julho, enquanto o consolidado europeu era de 440 falecimentos a cada milhão de habitantes, o do país sustentou um acumulado de 30 a cada milhão de pessoas. O que houve a partir do 2º semestre? O número disparou e agora está acima da média europeia que subiu para 660 até 23 de novembro. Padrão semelhante aconteceu nos estados americanos como Texas, Florida, Califórnia, entre outros, que viram os números crescerem substancialmente após o relaxamento no final de junho.

Estes exemplos são o que Pércio chama de efeito pêndulo. Ele defende uma campanha constante de conscientização como arma para controle da pandemia. Além de mais barata, na opinião dele, teria mais chances de evitar os picos e ser a estratégia mais adequada para o achatamento da curva — e ainda tende a ter efeitos colaterais muito menores do que o lockdown. "Esta campanha é urgente, porque seguindo o padrão do que está ocorrendo lá foram deveremos ver uma intensificação da contaminação também no Brasil", diz ele.

Quando questionado se o que defende é a imunidade de rebanho, Pércio é enfático. “Não se trata disso.” Para ele, a grande questão é que o controle da curva gerado pelo lockdown acabou perdido — restaram apenas os efeitos colaterais. Quando a situação finalmente é colocada sob controle, pela falta de campanhas de conscientização que levam a uma conduta despreocupada da população, a consequência do isolamento é perversa.

Raiz do problema

O Instituto Estáter tem liderado campanhas, principalmente de informação e acompanhamento de grupos de risco na população vulnerável, desde o início da pandemia. Pércio aponta que embora os protocolos hospitalares e tratamento tenham evoluído substancialmente, ainda há um problema que se mantém: mortes pela hipóxia silenciosa que levam pacientes a óbitos sem sequer passarem pelas UTIs. Na Espanha e Itália onde consegue-se acompanhar nível de hospitalizações e óbitos semanalmente, pouco se evoluiu neste quesito — seguem acima de 80%.

O problema é também complexo no Brasil pelo grande peso das populações vulneráveis que têm mais dificuldade de atendimento nos hospitais. O Instituto, em conjunto com a Sociedade Brasileira de Infectologistas (SBI), promoveu a campanha Alert(ar) que apoia a atenção básica de municípios brasileiros em um programa para conscientizar esses grupos de riscos da população vulnerável e organizar a oximetria proativa para evitar mortes sem assistência decorrentes da hipóxia. O trabalho tem mostrado resultados  nas regiões nas quais tem sido aplicado. A SBI está realizando os primeiros estudos sobre esse desempenho.

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