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Enxurrada de moeda puxa PIB, mas distorce ativos e alimenta até o bitcoin

Pesada aquisição de ativos e sinal de meta de inflação flexível são senhas para baixo risco e ativam montanha-russa do bitcoin

Bancos centrais alertam para riscos oferecidos por criptomoedas, mas reconhecem benefícios de moedas digitais
Bancos centrais alertam para riscos oferecidos por criptomoedas, mas reconhecem benefícios de moedas digitais
AB

25 de maio de 2021 às 16:41

A queda do bitcoin no último mês e a volatilidade adquirida pelo ativo são espantosas e contaminam o humor de investidores que o juro zero, ou perto disso, afastou ano após ano da renda fixa. O juro negativo afastou os poupadores dos mercados convencionais cada vez mais para longe e os levou até mesmo aos criptoativos. Sim, é isso, caro leitor: o Federal Reserve ajudou, indiretamente, o fluxo para o bitcoin crescer.  O Fed não atuou sozinho. Os bancos centrais das principais economias têm atuações quase sincronizadas desde a crise de 2008/2009, quando perderam o principal instrumento de gestão monetária, a taxa de juro, e passaram a conviver com deflação, inflação muito baixa e taxas de crescimento econômico idem por pelo menos uma década.

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A expansão monetária tem sido produzida repetidamente pelo Fed desde a crise financeira global e sobretudo a partir do início da pandemia do novo coronavírus no início de 2020. A enxurrada de moeda jogada nos mercados – com repique sobre taxas de câmbio como transmissoras do choque monetário para outras economias – tem seu lado positivo. Estimula o crescimento econômico que é potencializado também por intensa expansão fiscal – trilionários pacotes de ajuda a empresas, setores e à população. Em contraponto, a dose excessiva desses estímulos eleva o risco de inflação que já bate à porta das famílias norte-americanas e, como consequência, traz a perspectiva de aumento da taxa de juro.

Inflação mais alta, dinheiro mais caro é mais que retórica. Causa e efeito estão nos livros. Na prática, o dinheiro despejado a granel nos EUA, com reprise em outros países especialmente europeus, tornou-se motor para um desarranjo de preços dos ativos financeiros e instrumento para especulação. E não apenas com criptomoedas, mas também com commodities já pressionadas por demanda maior que a oferta – comprometida pela pandemia que truncou cadeias de produção.

Menor risco, maior especulação

Com a Covid-19, o Fed reduziu sua taxa básica para zero e comprou ativos. O seu balanço quase dobrou em pouco mais de um ano: subiu de US$ 4,1 trilhões em fevereiro de 2020 para US$ 7,8 trilhões, atualmente. Como o dólar é uma moeda de reserva, aquele estímulo monetário se transmite para a economia mundial através da valorização da grande maioria das moedas. O resultado foi um alívio nas pressões inflacionárias em boa parte dos países, permitindo manter baixas as taxas de juros. Poucas economias escaparam desse movimento. Brasil, Turquia, Argentina e Peru são as exceções. Todas as demais moedas valorizaram ante o dólar, afirma o ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore, da A.C. Pastore & Associados.

Em estudo divulgado nesta semana, o economista chama atenção para o fato de o Fed ter ido além da expansão do seu balanço ou da injeção de moeda na economia. O BC americano deu importante e perturbadora sinalização aos mercados. Através da adesão ao regime de meta de inflação flexível, o Fed indicou que não se preocuparia com a inflação acima da meta. Foi dada a senha para a mobilização de investidores.

“Ao comprar aceleradamente Treasury Bonds, Mortgage Backed Securities e outros ativos, o Fed praticamente eliminou os riscos nos mercados, gerando um irresistível convite à especulação e à geração de bolhas nos preços de todos os ativos. Uma demonstração dessa anomalia é o comportamento das criptomoedas, que não são nem moeda e nem um ativo com algum ‘lastro’, e que apesar disso vêm explodindo [em negociação]”, avalia Pastore, para quem não surpreende que na última reunião de política monetária do Fed tenham surgido advertências de que é necessário pensar seriamente em reduzir as medidas extraordinárias de política monetária.

Após mais um tombo no fim de semana, ante sinais de alerta da China contra ativos digitais, o bitcoin abriu a semana em alta, mas ainda cerca de 40% abaixo do preço recorde – superior a PolíticaUS$ 62.000 – alcançado em meados de abril. A arrancada do bitcoin começou no último trimestre do ano passado, com a moeda saindo de US$ 15.000 a US$ 20.000 para as alturas, ao cair no gosto de celebridades, empresários e investidores maiores e menores em busca de maior rentabilidade e diversificação de carteiras viabilizadas por fundos especializados.

Cabo de guerra dos bancos centrais

Não à toa, neste início de semana, representantes de bancos centrais colocaram em primeiro plano a intenção de lançar moedas digitais. Nem o Brasil escapou. O BC publicou diretrizes para a criação de uma moeda digital no futuro. Não cravou data para sua emissão, mas prevê seu uso em pagamentos de varejo e como extensão da moeda física, com distribuição intermediada por custodiantes do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro. Outras diretrizes são segurança jurídica; aderência a todos os princípios e regras de privacidade e segurança determinados pelo sigilo bancário e de proteção de dados.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, que participou hoje do evento CEO Conference Brasil 2021, promovido pelo BTG Pactual (do mesmo grupo que controla a EXAME), comentou que muito se discute atualmente no mundo sobre como regular os criptoativos, mas considera a discussão irrelevante. Segundo ele, o ponto central é que o “network” dos criptoativos está estabelecido.

Lael Brainard, diretora do Fed, informou que a instituição avança nos estudos para adotar um dólar totalmente digital para atender à demanda do público que segue em direção aos pagamentos digitais. Embora Jerome Powell, presidente do Fed, já tenha dito publicamente não ter pressa em colocar o dólar digital na rua, as discussões ganham corpo. Afinal, as autoridades monetárias não querem deixar o protagonismo da emissão e controle de moeda e as criptomoedas vão na direção contrária – de mercado aberto – desde sua concepção. Na mesma linha de Brainard, do Fed, que também mencionou os riscos oferecidos pelas criptomoedas, Andrew Bailey, presidente do Banco da Inglaterra, alertou que as criptomoedas e ativos semelhantes são um perigo para o público. A despeito do comentário, a instituição, em parceria com o Tesouro britânico, anunciou, há um mês, a instituição de um grupo de trabalho para estudar a criação de uma moeda digital do Banco da Inglaterra.

Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, crítica feroz do bitcoin e das criptomoedas, informa insistentemente desde o ano passado a intenção de o BCE também aderir a um euro digital. Na sua avaliação, o euro digital não substituiria a moeda física, mas traria benefícios, como maior agilidade para as instituições financeiras e maior segurança. “O sistema e o meio de pagamento vão mudar e serão guiados pela preferência do consumidor”, afirma. O que a presidente do BCE não disse é que o futuro chegou. Até para os bancos centrais.

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