Logo Exame.com
Votorantim

Em Nova York, a Votorantim faz um roadshow diferente

Reservas Votorantim, de ativos ambientais, quer vender os primeiros créditos de carbono da Mata Atlântica

Legado das Águas: Área preservada no Vale do Ribeira (SP) está no grupo desde 1950 (Leandro Candisani/Divulgação)
Legado das Águas: Área preservada no Vale do Ribeira (SP) está no grupo desde 1950 (Leandro Candisani/Divulgação)
Natalia Viri

Natalia Viri

20 de setembro de 2023 às 10:45

Com um faturamento de mais de R$ 50 bilhões, a Votorantim tem negócios que vão do alumínio ao setor bancário, passando por cimento, mineração e energia. Mas, nesta semana, a empresa, forjada na indústria pesada, está se reunindo com bancos e empresas em Nova York para promover um novo negócio que está na fronteira da nova economia: seus ativos ambientais.

Em meio à Climate Week, a companhia começa a apresentar hoje a potenciais compradores os primeiros créditos de carbono gerados no país na Mata Atlântica. Trata-se de 91 mil créditos de carbono batizados de C+, gerados no Legado das Águas, uma área de mais de 30 mil hectares de Mata Atlântica preservada no Vale do Ribeira, em São Paulo.

A metodologia, chamada de PSA Carbonflor, é inédita, foi criada ao longo de três anos pela Votorantim em parceria com a consultoria Eccon e passou por um amplo processo de consulta pública para validação.

“É uma metodologia brasileira, que leva em consideração as particularidades brasileiras, nem sempre contempladas nas metodologias internacionais”, afirma David Canassa, diretor da Reservas Votorantim.

A empresa foi criada há três anos para reunir as reservas ambientais do grupo, que hoje somam mais de 130 mil hectares de mata nativa preservada – com algumas áreas que datam da gênese do grupo, na década de 1950.

Além da Amazônia

Os créditos de carbono podem parecer uma solução óbvia para se monetizar a floresta em pé, num momento em que várias empresas procuram formas de compensar suas emissões de gases de efeito estufa.

Mas, na prática, quando se trata de preservação florestal, os créditos de ‘desmatamento evitado’ (o chamado REDD+), são praticamente uma exclusividade da Amazônia, onde a pressão pela derrubada da floresta é grande.

A questão é um conceito importante chamado de ‘adicionalidade’: é preciso provar que, na ausência do incentivo econômico dado pelo crédito, possivelmente a floresta seria derrubada para dar lugar a outra atividade econômica.

Como a lei da Mata Atlântica é extremamente rigorosa para dar licenciamento para abertura de novas áreas, era praticamente impossível conseguir certificar um crédito de REDD+ na região. A Votorantim viu nesse vácuo uma oportunidade.

“A questão é que custa manter a floresta em pé e se não tiver proteção, não tiver investimento, no Brasil, vai ter algum desmatamento, não importa o que diga a lei”, diz Canassa.

Além disso, com o processo de aquecimento global, naturalmente as florestas vão perder biomassa. Um estudo do IPCC, o Painel de Cientistas da ONU para Mudanças Climáticas, estima que essa perda possa ser de 10% a 40% num período de até 100 anos.  “Vários aspectos contribuem para essa perda, mas o mais visível deles são os incêndios florestais”, explica o executivo.

Esse ponto é crucial para a nova metodologia, que traduziu em equações a perda que haveria de vegetação por conta do processo de aquecimento global. Ela parte da premissa mais conservadora, de perda de 10% em 100 anos, e traduz isso em toneladas de dióxido de carbono que deixam de ser lançadas na atmosfera ao se evitar esse processo.

Grosso modo, para se chegar ao cálculo, são considerados diversos serviços ambientais bastante específicos (como proteção de nascentes e preservação da fauna dispersora de sementes) que garantem a preservação da área, e contam ‘pontos’ para a manutenção da floresta – e consequentemente do carbono estocado nela.

“A promoção de biodiversidade e outros serviços ambientais são considerados co-benefícios em outros tipos de crédito. No PSA Carbonflor, eles fazem parte intrínseca da metodologia”, aponta Yuri Rugai, sócio da consultoria Eccon, que participou da formulação, que envolveu ao todo uma equipe de mais de 50 pessoas. (A sigla PSA vem de ‘Pagamento por Serviços Ambientais’, uma modalidade que foi aprovada e regulamentada por lei no Brasil em 2021.)

Desafios

Como se trata de um mercado voluntário, o sucesso de uma nova metodologia depende da confiança e da adesão dos participantes. Idealmente, a Votorantim quer trabalhar para posicioná-los como ‘premium’, com prêmio de preço em relação ao desmatamento evitado por conta de todos benefícios associados. Além disso, há uma questão matemática: a nova metodologia gera menos créditos por hectare que uma área de REDD+ na Amazônia.

“O preço quem vai dar é o mercado. O que queremos neste primeiro momento é que as pessoas se interessem, escutem a metodologia junto conosco, para que o Legado das Águas seguem o primeiro case e outras aplicações possam acontecer em lugares onde as metodologias atuais não possam cumprir seus objetivos”, diz Canassa.

Os novos créditos vêm a mercado num momento de crise de credibilidade no mercado de carbono, com vários projetos florestais sendo questionados quanto a sua integridade – ou seja, o que realmente entregam de emissões evitadas – e com preços mais deprimidos.

“O mercado de carbono é negociado como uma commodity e tem seus altos e baixos. Mas não temos dúvidas de que a demanda por créditos veio para ficar e que esse ativo vai se valorizar. Esse é um jogo de longo prazo e a Votorantim é paciente”, diz Canassa.

O escritório de advocacia Pinheiro Neto, que trabalhou em aspectos jurídicos da metodologia, deu o primeiro sinal de confiança e fechou um acordo para compra de parte dos créditos para compensar suas emissões.

“Este projeto pode ajudar a criar um ciclo virtuoso, viabilizando novas fontes de receita sob a modalidade de pagamento por serviços ambientais, a partir da preservação florestal”, destaca Paula Amaral Mello, sócia responsável pela área ambiental.

Além dos créditos da Mata Atlântica, nas conversas com investidores, a Votorantim vai apresentar nesta semana suas outras iniciativas na Reservas. Algumas delas são soluções que já tem seu caminho bem pavimentado, como o arrendamento de terras para compensação de reservas legais – em que proprietários de terras com déficits de reservas podem alugá-las de terceiros para se adequar à legislação – e ecoturismo.

A empresa também mira o mercado de créditos de reflorestamento, que vem ganhando cada vez mais interesse dos compradores. A holding está em fase final de estudo para implantar um projeto piloto de 3 mil hectares em reflorestamento com espécies nativas na Mata Atlântica. A depender do sucesso, pode partir para um modelo de mais escala.

Outras iniciativas são pioneiras como o PSA Carbonflor. A Reservas Votorantim foi a primeira empresa a conseguir certificar um projeto de carbono de desmatamento evitado no Cerrado, na área do Legado Verdes do Cerrado, em Niquelândia (GO), e vem trabalhando para vender os créditos do bioma que não tem um reconhecimento tão grande quanto o amazônico fora do país.

Para quem decide. Por quem decide.

Saiba antes. Receba o Insight no seu email

Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade

Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.