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Inflação

"Milagre aritmético": inflação alta aumenta espaço para despesas em 2022

O IPCA de junho, que mira 8% em 12 meses, corrige gastos deste ano e vai determinar forte expansão do teto em 2022

PIB e inflação trazem melhora no curto prazo, mas sem consolidação fiscal país não anda (Ueslei Marcelino/Reuters)
PIB e inflação trazem melhora no curto prazo, mas sem consolidação fiscal país não anda (Ueslei Marcelino/Reuters)
AB

Angela Bittencourt

10 de junho de 2021 às 16:25

Há males que vem para o bem, mas depende para quem. O provérbio “atualizado” para tempos de pandemia é perfeito para descrever a escalada da inflação e seu efeito sobre os gastos do governo em 2021.

O IPCA de maio, na maior variação em mais de duas décadas, lançou o índice a 8,06% em 12 meses e sugere grandeza semelhante em junho – mês relevante para as contas públicas em 2022. A inflação de junho deste ano corrige as despesas realizadas em 2021 para determinar o teto de gastos a ser cumprido em 2022. Com índice de 8%, o reajuste do teto de gastos aumentará R$ 119 bilhões, reduzindo o risco de descumprimento dessa regra no curto prazo.

Quem chama atenção para o efeito da inflação nas perspectivas de gastos do governo é o ex-presidente do Banco Central (BC), Affonso Celso Pastore, sócio da A.C.Pastore & Associados. Ele calcula que se a taxa de reajuste do teto de gastos fosse a meta de inflação prevista para este ano, de 3,75%, o acréscimo seria de R$ 56 bilhões para os gastos de 2022. A inflação praticamente dobra o valor.

“Isso daria algum conforto se 2022 não fosse um ano de eleições e se o governo tivesse a disposição de executar um programa consistente de política econômica”, diz Pastore que é cético a esse respeito e lembra que a mesma inflação que ajuda nos gastos, corrói a renda da maioria dos eleitores, e exige juros mais altos, penalizando o crescimento da economia e a redução do desemprego.

Essa expansão no teto de gastos pode facilitar a vida do governo no ano que vem, avalia o economista. Contudo, ela não resolve questões estruturais. O PIB em expansão acima do esperado – como se viu no resultado do primeiro trimestre e que puxou revisões para cima das projeções para o ano – traz uma melhora no curto prazo. Pastore reconhece. “Mas como nada de novo ocorreu no campo das políticas públicas, os riscos de fato não caíram”, afirma.

Pastore lembra que a reforma da Previdência, a única aprovada depois da criação do teto de gastos, apenas deixará os gastos da Previdência constantes em relação ao PIB. Eles seguem em expansão em termos reais, acima da inflação. A reforma administrativa discutida no Congresso, se aprovada, não incluirá os servidores atuais, o que significa dizer que terá efeitos apenas no longo prazo. A reforma tributária é tímida e basicamente reúne os impostos federais em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Outros riscos elencados pelo economista são a extensão do auxílio emergencial ao longo do ano [o governo já acena com o benefício até setembro] e a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, com impacto estimado de R$ 120,1 bilhões neste ano, segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado.

Milagre da aritmética

PIB maior e inflação levam à redução de projeções para um indicador de solvência de países, a relação Dívida/PIB. Ela deve sair de 89,2% observados em 2020 para 87,9%. Pastore alerta que a revisão de projeções não é um resultado de política econômica, mas um “milagre da aritmética”. Melhora para valer nas contas públicas depende, sim, da continuidade nas reformas destinadas à consolidação fiscal.

O ex-BC revê as próprias projeções à luz dos indicadores mais recentes. A expectativa de um pico na relação Dívida/PIB de 102,5% em 2029 recuou a 94,1% em 2027, primeiro ano após o término do teto de gastos. Pastore informa as hipóteses consideradas: PIB potencial a  2% ao ano; teto de gastos cumprido durante todo o período das projeções, inclusive após 2016; receita em crescimento até retornar à sua média histórica de 18% do PIB; e taxa de juros implícita da dívida pública compatível com juro neutro real de 3% ao ano.

Sinal de alerta

O ex-secretário do Tesouro e atual economista-chefe do BTG Pactual do mesmo grupo que controla a EXAME), Mansueto Almeida, foi o primeiro especialista em política fiscal a chamar a atenção para o espaço bilionário que o governo terá para ampliar as despesas em 2022.

Mansueto calcula, em um estudo para esclarecer dúvidas de investidores estrangeiros sobre as contas públicas brasileiras, que o aumento do espaço fiscal no teto de gastos vai facilitar seu cumprimento no ano que vem e nos anos seguintes, desde que não se transforme em despesa obrigatória. Em sua avaliação, o teto sozinho não é solução para a questão fiscal e defende corte de 1 ponto percentual do PIB nas renúncias para recuperar a arrecadação tributária e voltar ao trilho do ajuste fiscal definido quando da criação do teto de gastos, cinco anos atrás.

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