Alfredo Setubal: com Itaúsa, queremos ser relevantes para o Brasil, para além do banco
Confira a primeira parte de entrevista exclusiva de Alfredo Setubal ao EXAME IN. Segunda parte será publicada amanhã.
Publicado em 16 de agosto de 2022 às 12:02.
Última atualização em 17 de agosto de 2022 às 07:38.
A Itaúsa (ITSA4), holding conhecida por ser uma das controladoras do banco Itaú Unibanco (ITUB4), mudou seu papel na economia brasileira. E de forma relevante. Nos últimos anos, o negócio fez uma guinada e uma profunda diversificação de portfólio. O movimento mais recente foi a compra de 10,3% na CCR, em parceria com o grupo Votorantim, um passo de R$ 2,9 bilhões.
Além desse investimento, adicionou a sua plataforma de investimentos, que além do banco tem há 70 anos a Dexco (antiga Duratex), diversos outros ativos não financeiros. O objetivo desse movimento, contou o presidente Alfredo Setubal, em entrevista exclusiva ao EXAME IN, é que a Itaúsa tenha um papel cada vez mais relevante na economia brasileira, para além do setor financeiro.
No portfólio, agora estão negócios como Alpargatas, dona da Havaianas, NTS, de infraestrutura para gás, a Copa Energia, fruto da compra da Liquigás pela antes Copagás, a Aegea, de saneamento, além da CCR e da Dexco. A empresa tem ainda uma participação na XP Investimentos, que Setubal vê como um colchão de liquidez para a estratégia do negócio, por meio da venda dos papéis, já que se trata de uma posição "não estratégica".
Essa diversificação fica clara, inclusive, no fluxo de dividendos recebidos pela Itaúsa. Em 2015, dos R$ 2,8 bilhões de proventos que a empresa recebeu de suas investidas, apenas cerca de R$ 100 milhões vieram de outros negócios, além do banco. No ano passado, esse volume alcançou R$ 600 milhões.
O objetivo da Itaúsa com os investimentos é transformar os negócios não financeiros em grandes plataformas de crescimento e consolidação em seus respectivos setores, assim como foi feito com o banco. Dessa forma, a tendência é que a participação dos resultados que venham além do Itaú cresça de forma significativa ao longo do tempo.
Os proventos historicamente pagos pela Itaúsa e a solidez de seu portfólio de ativos atraíram uma grande base de investidores, fazendo dela um expoente do processo de crescimento do mercado de capitais brasileiro. A companhia tem quase 1 milhão de investidores pessoas físicas, que estão distribuídos por 93% dos municípios brasileiros. Essa presença entre o pequeno varejo de investimentos levou a empresa a adotar, a partir desse trimestre, uma nova de apresentar o balanço de resultados, com muito mais dados e uma fala aberta ao público, transmitida pelo YouTube, de Setubal, que também respondeu perguntas dos espectadores.
Os números anunciados ontem à noite, mostram um lucro líquido recorrente de R$ 6,85 bilhões no primeiro semestre deste ano, uma expansão de 29% em relação a igual período de 2021. O retorno sobre capital alcançou 20,5%, 1 ponto percentual a mais do que nos primeiros meses do ano passado.
Confira a seguir a entrevista que Alfredo Setubal. Nela, o executivo, que raramente concede entrevistas individuais, fala sobre esse processo de transformação e o futuro da Itaúsa.
A Itaúsa mudou muito nos últimos anos seu portfólio de ativos. Como foi essa decisão?
Alfredo Setubal: Temos que historiar um pouco para contextualizar. A Itaúsa, até os anos 80, tentou uma diversificação na área industrial, com Itautec, Elekeiroz e Duratex, que hoje é a Dexco. Mas na verdade o que aconteceu no Brasil é que o setor industrial foi massacrado pela taxa de juros. O grande beneficiário disso, claro, foi o setor financeiro. E o Itaú foi o grande consolidador da indústria financeira. E o Bradesco também. Foram os que ficaram até o fim da curva, que começou em meados 90 e foi até 2010. A indústria no Brasil ficou muito pequena por conta disso.
De fato, é só olhar a participação da indústria no PIB.
Setubal: Sim, é 10% do PIB. Nos outros países é 15% a 20%. Tem algo muito errado nisso. Mas, voltando, o Itaú fez todo esse movimento de consolidação. E, em 2016, quando a gente comprou as operações do Citibank, o Banco Central disse ‘chega’ e que não aprovaria mais nenhuma transação ligada ao setor financeiro. Então, isso nos levou a pensar. O Brasil estava mudando. E decidimos que, se o banco não poderia crescer mais, teríamos de usar os recursos em outras frentes. Foi a partir dessa premissa que começamos a olhar outras oportunidades para usar os dividendos que recebíamos. Em 2016, vim para cá exatamente para fazer isso. Iniciar essa análise.
Foi, assim, então, que começou a diversificação?
Setubal: Sim, mas eu não chamo muito de diversificação porque o banco é tão grande, que nunca vamos conseguir diversificar [nessa proporção]. A Itaúsa tem uma fatia de 38% no Itaú, que é enorme. Então será sempre a maior participação, a mais relevante. O que estamos fazendo aqui é um portfólio de empresas não financeiras, que tenham boas marcas, que possam crescer e tenham geração de caixa. E que sejam líderes ou muito relevantes em seus setores de atuação, de maneira que esse portfólio seja relevante como um todo. Não necessariamente individualmente olhando as peças. De forma que a Itaúsa, como um todo, seja relevante para a economia, para além do setor financeiro. É assim que enxergamos nossa estratégia.
Mas, de qualquer forma, é uma mudança relevante de portfólio. E qual o prazo para isso?
Setubal: Sempre longo prazo. Não somos private equity para ficar cinco a sete anos. Não é nosso mandato. Entendemos que nossos investidores também esperam isso. Não estamos aqui investindo em startups, tomando riscos desnecessários. Fazemos uma alocação de capital mais prudente possível, para que a gente possa no tempo criar valor. E isso tem acontecido. Se olharmos, o fluxo de dividendos das companhias não financeiras vem crescendo.
Mas, apesar de não escolherem empresas de alto crescimento, os negócios têm mostrado uma expansão relevante, como Alpargatas, por exemplo. Como é feita essa escolha?
Setubal: O banco é a maior plataforma de serviços financeiros. E queremos fazer um pouco do que fizemos com o Itaú com as outras empresas. A Dexco, já é, mas queremos transformar ainda mais, em um grande player de material de construção, de varejo de construção. Estamos investindo para que seja nossa plataforma nesse setor. A Alpargatas, queremos transformar em uma grande empresa de moda, de calçados. Vendemos todos os penduricalhos, como jeans na Argentina, Mizuno e Osklen, que não davam retorno. Compramos [a Alpargatas] a Rothy’s, que essa sim é uma startup. Por isso resolvemos fazer não com dívida (é uma empresa no exterior, com descasamento de moeda), mas sim com capital. Por isso, subscrevemos nossa participação no aumento de capital na Alpargatas, junto com a BW [da família Moreira Salles] e vedemos o restante no mercado. A ideia é que, consolidando esse passo, a gente faça outras aquisições.
E também fizeram os investimentos em energia e infraestrutura.
Setubal: Sim, na Copagás. Nós é que financiamos a compra da Liquigás. Entramos para que ela fizesse essa aquisição. Nós até nos juntamos a ela porque era a única que podia comprar a Liquigás no Brasil. Lá, financiamos parte em capital e o restante alavancando bastante a companhia. Agora ela está pagando esse investimento, diminuindo esse investimento. Quando compramos, chegou a ter endividamento de 6 vezes Ebitda. E hoje está em menos de 4 vezes. Nós já mudamos o nome da empresa para Copa Energia. Porque queremos transformar o negócio em uma plataforma de energia, não ser só GLP o produto dela, até porque em gás não há mais o que ela fazer. Vamos entrar em alguns segmentos, como renováveis.
Em saneamento vocês escolheram a Aegea. Por que esse setor e essa companhia?
Setubal: Porque é a maior plataforma de saneamento do país, com todo o investimento e oportunidades que existem no setor. Ela gera caixa para isso. Ela será cada vez mais a grande plataforma do país nesse setor, que terá um grande desenvolvimento. O que vai acontecer no país em saneamento é uma revolução. Daqui a sete ou oito anos, as empresas vão cumprir as suas metas, será outro país. Haverá impacto na saúde pública e na educação. Até aumentaríamos nossa participação na companhia, se pudéssemos. A Aegea pode ser também uma grande consolidadora do setor. E há um lado social que também nos atraiu. Melhorar a situação de milhões de pessoas no país pesou muito na nossa decisão. Ela terá impacto enorme em muitos municípios e também na Baía de Guanabara [RJ], porque os lotes que ela conquistou no leilão de Cedae são os que mais poluem.
Bom, e agora entraram em CCR, o que foi uma surpresa. É uma empresa relevante, mas que vem de um cenário que enfrentou muito desafios. Por que escolheram esse negócio?
Setubal: Porque não há dúvida de que é a única grande plataforma de mobilidade do país, com aeroportos, estradas, metrô. Tem grandes ativos. Renovou a concessão para a Dutra. Tem endividamento relativamente baixo. Essas empresas são grandes geradoras de caixa, apesar de terem investimentos relevantes a fazer. E tudo isso também desenvolve o país. E a NTS é a grande distribuidora de gás, com a ligação para o gasoduto. Agora, sabemos que, tirando a Copa Energia, Dexco e a Alpargatas, as demais são todas concessões. Como o setor industrial está arrasado, o que tem de oportunidades no país hoje é infraestrutura. Onde tem todo potencial de crescimento e investimento e uma rentabilidade razoável. Não é uma super rentabilidade, mas é muito boa, para um setor com riscos relativamente baixos.
Mas justamente por serem concessões, são setores também muito dependentes de políticas públicas. Isso não preocupa a Itaúsa?
Setubal: Sim, mas são diversificadas, tanto em ativos, mas também de risco de governo, porque está distribuída em concessões municipais, estaduais e federais. Claro que avaliamos tudo isso. Algumas tem a dependência de preço. Vimos agora o governo de São Paulo que congelou tarifas, mas já fez um plano de como vai compensar isso.
E como é feita a gestão da governança disso tudo? Qual é o papel da Itaúsa nessas companhias?
Setubal: Nenhuma dessas empresas nós controlamos sozinhos. Nem mesmo o banco, que co-controlamos com a família Moreira Salles, desde a fusão com o Unibanco. Nos demais, temos acordos de acionistas, que nos coloca sempre com um ou dois assentos nos conselhos de administração. A primeira coisa que nos preocupa muito como empresa aberta é governança. Atuamos muito forte nisso, e em controles e transparência. Na estratégia, sempre procuramos nos associar a operadores, pessoas que tenham conhecimento nos setores.
Grande parte do mercado, principalmente pessoas físicas veem a Itaúsa como grande pagadora de dividendos. O dividendo deve diminuir um pouco pelo custo do crescimento?
Setubal: Teve três anos, 2017, 2018 e 2019 em que o banco pagou muito dividendo. O payout da Itaúsa entre 2009 e 2016 foi da ordem de 40%. Depois, entre 2017 e 2019, chegou a 80%. E muito em função das distribuições de resultado do banco. Naquela época estava sobrando capital. Aí veio a pandemia, teve que fazer provisões e o Banco Central limitou a distribuição de dividendos. Agora estamos em uma outra realidade. O banco está gerando capital, mas a carteira de crédito está crescendo muito. ‘Onde se aloca capital?’ O grosso do capital do banco é alocado hoje na carteira de crédito. O Banco Central exige muito capital para dar crédito. Por isso essas empresas novas crescem pouco no crédito, porque não têm capital. Sem capital não cresce a carteira e o banco está com uma carteira de crédito de R$ 1,2 trilhão. Uma loucura. O Nubank tem R$ 10 bi. A gente tem R$ 1,2 trilhão.
O banco segue crescendo bastante, mesmo sem aquisições.
Setubal: Então, o que o banco está gerando capital, mas está sendo consumido pelo próprio banco, por essa fase de expansão orgânica. É a mesma coisa que a Dexco e a Alpargatas. Então, nesse momento, as empresas e nós, não pagamos dividendos como entre 2017 e 2019, mas patrimonialmente está crescendo. O banco está pagando menos dividendo, mas o patrimônio da Itaúsa está crescendo por equivalência patrimonial. É um tade-off entre caixa e patrimônio, mas já se estabiliza. Passa por essa fase, as empresas diminuem investimentos e passam a pagar dividendos. Estamos passando por um momento de transição, criação de portfólio, banco crescendo e empresas crescendo. Senhores investidores, empresas todas estão em expansão. É um trade-off entre patrimônio e caixa. Mas já já vem dinheiro, com as empresas passando a gerar mais caixa. O mercado se acostumou com níveis pré-pandemia, que eram irreais.
E tem mais diversificação ainda para fazer?
Setubal: Nesse momento, vamos dar uma paradinha para ver o que podemos fazer. A Itaúsa é uma holding pura. Ela não gera caixa. Ela gera recursos com os dividendos que recebemos. Como fizemos temos esses investimentos e essas empresas estão em processo ou de desalavancagem ou de expansão, recebemos ainda poucos dividendos. E para comprar essas empresas, fizemos dívidas. Claro, se surgir uma oportunidade muito interessante, temos capacidade de nos alavancar mais. Mas nesse momento queremos desalavancar e consolidar esses investimentos todos. Aegea e CCR são muitos recentes. Em CCR, não teve o closing.
Mas o financiamento da CCR está praticamente todo resolvido?
Setubal: Sim. Fizemos metade em dívida, com a emissão de debêntures, e metade em caixa. Vendemos ações da XP para esse investimento.
E a venda de ações da XP? Quais os planos?
Setubal: No caso da XP, desde o primeiro dia, dissemos que não era um investimento estratégico. O que queremos fazer é investir em empresas não financeiras. Vamos usar os papéis da XP para amortizar dívida, fazer novos movimentos. É um colchão de liquidez e vamos alocar conforme as oportunidades. Hoje, uma boa alocação de capital para a XP, é reduzir a despesa com juros que está muito alta. Para uma empresa que só gera caixa pelos dividendos que recebe, precisamos reduzir essa dívida. A prática da Itaúsa é distribuir o que ela recebe do banco. E com os outros dividendos, pagar as nossas despesas. Só que hoje elas estão muito altas por causa das debêntures.
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