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A perda de US$ 9 tri na Nasdaq e a bomba-relógio nas startups

Fundadores de companhias privadas vão ter de encarar down rounds e contratos com as chamadas 'cláusulas sujas'

Nasdaq: tombo no valor das empresas listadas deve levar à correção dos valuations de startups privadas
Nasdaq: tombo no valor das empresas listadas deve levar à correção dos valuations de startups privadas
GV

22 de maio de 2022 às 10:40

A mudança de humor do mercado com o universo da tecnologia, que destruiu nada menos do que US$ 9 trilhões do valor de mercado das empresas listadas na Nasdaq neste ano, colocou uma bomba relógio no colo de diversos fundadores de startups. Depois do ajuste de preços nas empresas abertas, a correção nas privadas que fizeram rounds de captação com valuations astronômicos parece inevitável.

E, nessa hora, o que ninguém conta é que ver o valor de tela derreter por um período pode ser o menor dos problemas que um fundador pode enfrentar. Ser empresa listada, para ele, pode ser solução — e não um problema, ainda que não seja agradável. Para se ter uma ideia do tamanho do ajuste que está por vir, a fintech sueca Klarna, famosa por levar o crediário digital para a Europa, com o buy now, pay latter, pode sofrer um dow round de US$ 15 bilhões.

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As informações são do Wall Street Journal. A companhia captou recursos no ano passado avaliada a US$ 45,6 bilhões e, tudo indica que para levantar US$ 1 bilhão agora, teria de aceitar um preço US$ 30 bilhões — mesmo tentando emplacar US$ 50 bilhões de valor.

Pouca gente sabe, mas um down round pode ter muitas implicações para os fundadores, em razão de cláusulas nos contratos com os investidores que entraram com preço elevado. São comuns as mais brandas, com objetivo de proteger os fundos e seus cotistas de desvalorizações, já que as empresas são fechadas e eles não têm como vender suas participações tão facilmente.

São duas as cláusulas mais usadas: uma anti-diluição e outra de preferência em liquidação. Na primeira, quando uma companhia faz uma capitalização por um valor abaixo da rodada anterior, o fundador (que em geral possui uma classe de ação diferente) precisa entregar parte de sua posição para fundos que pagaram mais caro, como forma de evitar a diluição da fatia deles. Portanto, os fundadores perdem parte de sua ‘riqueza’, que é usada para compensar quem apostou no negócio.

Já a cláusula de preferência em caso de liquidação, é para situações em que uma companhia é comprada por um valor abaixo de rodadas mais elevadas. É comum que fusões e aquisições se acelerem em cenários de pouco dinheiro no mercado. Nesse cenário, quem recebe mais — ou seja, o copinho que precisa encher primeiro —  são os investidores, e não fundador. E há casos em que ninguém ganha dinheiro nessas situações. Pelo menos, não de imediato.

No cenário da bonança, os investidores ficam menos gulosos nesses direitos e essas duas proteções costumam bastar. Mas, agora, diante da restrição de capital, a tendência é que as exigências avancem para as chamadas "cláusulas sujas", que são ainda mais duras. Fundadores menos experientes ficarão tentados a cair no canto da sereia, para aparentemente preservarem valor.

Nesses contratos, os investidores podem exigir atrelar seus direitos a outros parâmetros além de preços, como múltiplos, ou dividendos obrigatórios pagos na forma de ações embutidas de direitos especiais. Em alguns casos, os fundos que sugerem esse tipo de termo ficam com o direito de vetar uma abertura de capital ou mesmo a negociação de um block de papéis, a depender das condições.

Não é raro que esses contratos, que no primeiro momento parecem salvadores por manterem o valuation elevado, terminem por desalinhar completamente os investidores da base da companhia, até mesmo dos planos da gestão.

Essa dinâmica poderá fazer os fundadores de startups correrem para uma abertura de capital ao menor sinal de melhoria — para resolverem as cláusulas brandas e as mais duras. Para os investidores, a próxima temporada, portanto, vai exigir atenção redobrada para entender as motivações de uma listagem. Mas por que a bolsa?

“A única maneira de desmontar tudo isso é ir para um IPO”, diz o fundador de uma startup brasileira que listou suas ações na B3, na temporada pandêmica. Para ele, é hora de esquecer o preço na tela e olhar para dentro da operação. O dinheiro para fazer o necessário já está dentro de casa.

Quando a companhia abre capital, todos os investidores passam a ter o mesmo tipo de ação com os mesmos direitos porque a Lei das Sociedades Anônimas nem permite diferente — para além das espécies ordinária (com voto) e preferencial (sem voto). Mas, em geral, as companhias optam por fazer a oferta pública inicial listadas no Novo Mercado, onde só são aceitas aquelas com capital formado exclusivamente por ordinárias.

Para quem aproveitou a recente febre das listagens, a correção veio forte. O Nubank, por exemplo, está avaliado hoje em menos de US$ 18 bilhões — bem abaixo dos US$ 41 bilhões usados como referência no IPO, e também das duas rodadas anteriores, quando recebeu valuations de US$ 25 bilhões e US$ 30 bilhões, em janeiro e outubro de 2021.

As principais startups que fizeram IPO na B3, como Méliuz, Enjoei e GetNinjas, todas sofreram forte desvalorização. Nem mesmo Locaweb, que já era considerada mais madura, escapou: o valor da empresa caiu de R$ 20 bilhões para R$ 4 bilhões, sem alterações no plano de negócios. (Mas atingiu um ponto em que já atraiu um dos gigantes mais renomados do private equity, a General Atlantic. A gestora montou uma posição de 11% no capital aproveitando a queda no preço.)

Todas essas estão fortemente capitalizadas e com os fundadores tranquilos para tocar os negócios com foco apenas em vencer o ambiente suficientemente hostil da economia brasileira e global. Eles não precisam colocar em sua agenda como encontrar meios de proteger seu próprio patrimônio.

Para quem ficou no mercado privado e não surfou a onda dos IPOs, o desafio é triplo: crescer para entregar o já prometido, encontrar mais dinheiro e evitar um down round.

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