Raízen: o IPO de R$ 100 bi do novo mundo 'carbon free'
Companhia teve receita líquida de R$ 115 bilhões no último ano-safra e está entre as maiores do Brasil
Publicado em 15 de junho de 2021 às 18:49.
Última atualização em 15 de junho de 2021 às 19:38.
A gigante de energia Raízen, uma sociedade entre Cosan e Shell, fará a maior oferta pública inicial (IPO) da temporada de 2021. O movimento é simbólico para além do número. É a listagem de um ativo único no mundo. A expectativa é que a operação ocorra em julho. Vai significar também a estreia na B3 de uma das cinco maiores empresas do Brasil em receita, com seus quase R$ 115 bilhões registrados no ano-safra encerrado em março passado.
A companhia vai buscar uma avaliação entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões na B3 — ou até US$ 20 bilhões, ao câmbio atual, conforme o EXAME IN apurou. E segundo investidores que já participaram dos encontros iniciais com a empresa, os controladores queriam mesmo era ver o negócio ser avaliado entre R$ 140 bilhões e R$ 150 bilhões, com as expansões em andamento já programadas para 2022.
Na prática, porém, parece que o mercado está disposto a pagar entre R$ 70 bilhões a R$ 90 bilhões. Com tantas coisas externas ao negócio — e imprevisíveis — que podem interferir em um IPO, o preço mesmo só vai dar para saber quando a companhia colocar a oferta na rua e a negociação com os investidores for para valer.
No intervalo entre R$ 70 bilhões e R$ 100 bilhões, a captação de recursos — que será exclusivamente para o caixa da empresa e para investimentos — pode variar entre R$ 10 bilhões e R$ 13 bilhões. Os controladores — em especial a Shell, que não fazia nenhuma questão da listagem da empresa e preferia não dividir o negócio — não estão propensos a grandes diluições se não julgarem o valor adequado.
Essa é, inclusive, a explicação de porque a Raízen não será uma companhia do Novo Mercado, pois terá uma estrutura formada por ações ordinárias e preferenciais. Frustou um pouco, mas ficou entendido que a Shell não aceitaria nenhum outro sócio com ações ordinárias. Para a Raízen, porém, ainda assim será a conquista da liberdade de quem tem suas próprias fontes de financiamento, sem depender dos controladores.
Atualmente, dentro da Cosan, que já é listada na B3, o mercado paga algo como R$ 50 bilhões a R$ 55 bilhões pela Raízen, segundo estimativa de analistas. Há, portanto, muito valor escondido para ser revelado nessa operação, ao se colocar o projeto da empresa dentro do contexto global atual.
A listagem da Raízen pode fazer pelo etanol brasileiro o que nenhum governo nunca fez até o momento e expor como a cana-de-açúcar pode concorrer sim como matriz energética internacional, num mundo que estará cada vez mais pressionado pela redução das emissões de carbono.
O que a Raízen evita por ano em emissão de carbono — 5,2 milhões de toneladas — é mais do que as 3,7 milhões de toneladas que a Tesla já evitou em 11 anos. Além disso, equivale a 2,5 milhões de carros a menos em circulação. E por falar em carro elétrico, Bosch, Volkswagen e Nissan estão apostando alto que os carros elétricos serão movidos por célula-combustível, a partir do etanol. E as pesquisas são, é claro, no Brasil.
Investidores brasileiros, que costumeiramente veem os empresários do setor sucroalcooleiro como usineiros, podem olhar para o ativo e considerar a avaliação salgada. Em especial, levando em conta o valor hoje atribuído ao negócio dentro da Cosan.
Mas pensar na commodity etanol, dessa vez, pode ser algo equivocado. “A commodity desse IPO é outra, é o carbono”, diz um analista de um grande banco, que acompanha a empresa há anos. A pegada de carbono do etanol é 80% menor que a da gasolina e menos da metade que a do etanol de milho. E, se for considerar o etanol de segunda geração, feito a partir da celulose da cana, a pegada é ainda 30% mais eficiente que a do etanol comum.
Após a aquisição da Biosev, em fevereiro, a companhia do grupo Cosan controla atualmente 15% da produção nacional de cana-de-açúcar. Além de ser a maior do país, é também a maior do mundo.
Para completar, a Raízen está prestes a tornar o etanol de segunda geração produto verdadeiramente escalável. Esse futuro é o grande brilho dessa operação. A segunda geração, conhecida pela sigla E2G, nada mais é do que extrair mais etanol com o que hoje é o lixo da cana, incluindo suas folhas. Esse processo, que tem como base a celulose, requer o uso de enzimas — uma tecnologia diferente da empregada no etanol comum.
Por toda sua capacidade, os mais íntimos do setor usam uma definição para traduzir o que é a cana: energia solar na forma de biomassa. A cana fornece desde energia na forma de alimento, com a sacarose, até etanol e biogás. Abastece, portanto, pessoas, carros, motores e está, inclusive, na cadeia do plástico verde, como matéria-prima do polietileno verde.
O melhor disso? Pode ser estocada, transportada e exportada, pois existe fisicamente. A Raízen exporta atualmente 90% da produção de etanol e possui contratos de longo prazo e preço-fixo. Por isso, rechaça a percepção pura e simples de um negócio cíclico. Tal qual como nenhuma outra possui ainda um nível de integração com trading e distribuição próprias que ninguém detém.
Quem conhece bem o negócio comenta que a beleza da Raízen é, ao mesmo tempo, seu maior desafio. Trata-se um ativo sem igual no mundo. Mesmo parte de dois conglomerados de capital aberto — Cosan e Shell — seu potencial é ainda desconhecido. E não havia sido publicamente explorado antes.
Seria o Brasil uma Finlândia?
Por ser um IPO “livre de carbono”, ou de baixíssimo impacto, a Raízen está concentrando os esforços de colocação da oferta fora do Brasil. A companhia mais comparável — em parte do negócio — é a finlandesa Neste, avaliada em 42 bilhões de euros na bolsa de Helsinque, e é uma das queridinhas do “carbon free”. A empresa, cuja receita líquida foi de quase 12 bilhões de euros no ano passado e o Ebitda, de 1,5 bilhão de euros, produz 3 bilhões de litros de diesel verde. É negociada, portanto, a bem mais do que 20 vezes Ebitda.
A Raízen tem reforçado ter condições, sem a necessidade de nenhum hectare adicional, de ampliar a produção em mais de 3 bilhões de litros (2 bilhões em etanol de segunda geração e mais o equivalente a 1 bilhão de litros em biogás), ou uma Neste inteira. Esse adicional soma-se a sua produção atual, que foi de 2,5 bilhões de litros na safra passada. Sem esses extras, no ano-safra terminado em março, o Ebitda da companhia foi de R$ 6,6 bilhões. Um múltiplo de 20 vezes aqui aplicado levaria o negócio a mais de R$ 115 bilhões — sem aumento de produtividade e sem Biosev, apenas sobre 2021.
Considerando o potencial adicional a ser desenvolvido com o E2G, mais a Biosev (1 bilhão de litros ao ano), que foi adquirida no começo deste ano, a capacidade total do grupo será de 6,5 bilhões de litros anuais de etanol — sem expansão de terras. É dessa forma que a empresa tem apresentado o potencial aos investidores.
Mas, para isso ser realidade, o etanol de segunda geração precisa ser viável comercialmente. Como a produção atual ainda é muito pequena, os investidores jogam com esse outro lado dessa moeda: o risco disso não ocorrer conforme o planejado.
Já são R$ 100 bi
Quando comprou a Biosev, a Raízen acertou que o pagamento seria R$ 3,6 bilhões em dinheiro e mais uma fatia de 3,5% da empresa (mesmo antes do IPO). Nas contas de alguns especialistas, isso significa que a Dreyfuss já avaliou a companhia por um valor de pelo menos R$ 100 bilhões. Isso porque a dívida atrelada ao ativo era de R$ 7,8 bilhões.
Dessa forma, considerando que R$ 3,6 bilhões foram recebidos à vista e o restante foi renegociado com bancos com ações da Raízen em garantia, é como se a empresa brasileira já tivesse alcançado a precificação pretendida mesmo antes de ser listada em bolsa — pelo menos com a Dreyfuss e seus credores.
Shell
Embora a grande estrela da narrativa do IPO seja a cana-de-açúcar, é preciso lembrar que dentro do negócio está ainda toda a distribuição de combustíveis da Shell no Brasil. São 7.300 estações de serviços, mais toda estrutura de logística no Brasil e na América Latina. Só os postos, mais as unidades Select (1.300, no total), levam a companhia a ter uma relação direta com, pelo menos, 50 milhões de consumidores por ano e cerca de 80 mil companhias. Na era do varejo e do consumidor final, trata-se de uma mina de alcance escondido. O aplicativo Shell Box é atualmente utilizado por 800 mil usuários.
Competição com alimento?
No mais recente relatório, a Agência Internacional de Energia (IEA) surpreendeu ao declarar, ela própria, que é chegada a hora de parar de usar combustíveis fósseis. É como se a agência criada para o petróleo decretasse que a utilidade da commodity para o mundo caducou, dado seu potencial poluidor.
No relatório, a IEA fala quase todo tempo das belezas da energia elétrica renovável. Mas, quando chega o momento de tratar dos biocombustíveis, apesar de reconhecer vantagens, vê problemas. O principal? Entende que o abastecimento de energia não pode concorrer com o abastecimento de alimentos no planeta.
Quando investidores questionam a Raízen sobre isso, a companhia tem a resposta na ponta da língua. "Não são comparáveis". Na visão da empresa — e de outros especialistas que entendem do assunto também — não há como comparar biocombustível de soja, canola e milho com etanol. Enquanto um hectare de terra produz 3 toneladas de biomassa a partir da soja ou da canola e 20 toneladas a partir do milho, na cana-de-açúcar esse total pode chegar 90 toneladas, sem considerar os ganhos de produtividade que já estão no radar da indústria.
Depois que os investidores entenderem todo o projeto Raízen, que só começou a ganhar o contorno e a dimensão explorados para o IPO a partir do Cosan Day deste ano, terão de fazer as contas para entender o novo mundo. Em pauta, não estão mais as políticas nacionais de combustíveis, ou os preços praticados pela Petrobras, mas o prêmio que o mundo está disposto a pagar para reduzir as emissões de carbono. Esse é o racional econômico mais importante para o valor da empresa. É esse prêmio que vai sustentar, inclusive, a viabilidade do ouro da Raízen, o E2G.
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