No Manchester United, a nova investida de um bilionário pé frio
F1, ciclismo, atletismo e futebol: enquanto torcedores apaixonados compram ingressos para ver o time do coração, Jim Ratcliffe compra… os times
Karina Souza
Repórter Exame IN
Publicado em 3 de novembro de 2023 às 12:09.
Última atualização em 27 de dezembro de 2023 às 17:38.
Dono da Ineos, uma gigante da indústria química que nasceu da exploração de petróleo, Jim Ratcliffe é o segundo homem mais rico do Reino Unido, com uma fortuna estimada entre US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões – mas fora da ilha é mais conhecido por sua investida no mundo dos esportes.
Nas últimas semanas, o bilionário ganhou os holofotes ao levar adiante uma proposta de compra de 25% do time mais tradicional da Inglaterra, o Manchester United, por US$ 1,5 bilhão, avaliando o clube a US$ 6 bilhões, 2,5 vezes mais do que vale hoje na Nyse.
Com um império construído com disciplina financeira, comprando a preços baixos ativos que não interessavam mais grandes petroleiras como BP, no mundo dos esportes, a motivação parece vir mais do coração. Criado nos arredores de Manchester, numa família de operários, Ratcliffe ia rotineiramente ao estádio Old Trafford com os pais e, na adolescência, chegava a escalar o muro para assistir o time jogar.
Figura polêmica – acumulando brigas com sindicatos, ambientalistas e um apoio sonoro ao Brexit –, o empresário é praticante de corrida, ciclista e ski e um entusiasta de tudo que desafia os limites do corpo humano: já fez duas expedições, uma ao Polo Norte e outra ao Polo Sul.
Em suma, é um apaixonado por esportes. E enquanto torcedores apaixonados normalmente compram ingressos ou, no máximo, camarotes para assistir seus times do coração, Ratcliffe compra… os times.
Tudo começou há cerca de 10 anos, com um investimento de nove dígitos na equipe de vela da Copa América da Grã-Bretanha. Depois, veio a compra da equipe campeã do Tour de France de 2010, com a promessa do maior orçamento do esporte, que deu origem a Ineos Grenadiers.
Naquele mesmo ano, começou uma nova obsessão: ele queria testar a teoria de que era possível ver um atleta correr uma maratona em menos de duas horas. Ao longo de alguns anos, investiu mais de US$ 20 milhões para isso, patrocinando atletas e contratando médicos, preparadores e cientistas. Há ainda investimentos nos times de futebol Nice, na França, e no Lausanne-Sport, da Suíça.
Em 2019, o projeto de corrida deu certo. O atleta Eliud Kipchoge correu 42 quilômetros em uma hora e 59 minutos. Mas os outros investimentos, por enquanto, são suficientes para chamar Ratcliffe de pé frio.
Desde que o executivo comprou a equipe do Tour de France, o time nunca mais venceu um campeonato. O mesmo aconteceu com a Mercedes na Fórmula 1. Patrocinadora de longa data, a Ineos comprou 30% da equipe em dezembro de 2020 – último ano de tranquilidade da Mercedes, que viu Lewis Hamilton interromper uma sequência de quatro anos de vitórias no ano seguinte e há dois anos perdeu o posto de melhor construtora (de longe) para a Red Bull.
“Não há uma direção estratégica clara que tenha levado às escolhas que foram feitas até aqui”, afirmou Fran Millar, ex-CEO da Ineos Sports, ao WSJ em 2019. “Jim está em um estágio na vida em que pode tomar decisões baseadas no que é mais legal e interessante de fazer.”
No Manchester, a oferta agressiva vem com uma estrutura pouco usual – o que explica, em parte, o prêmio. Apesar de se tratar de uma fatia minoritária, Ratcliffe teria grande ascendência sobre as decisões esportivas do time.
Segundo o Financial Times, pela proposta atualmente na mesa, Ratcliffe, e Dave Brailsford – o atual diretor de esportes da Ineos – sentariam junto com Joel Glazer, da família controladora do Manchester, num comitê para supervisionar os assuntos relativos ao futebol. A operação comercial ficaria a cargo dos Glazers.
A ideia é mostrar um rompimento em relação ao padrão dos últimos anos. A família americana enfrenta críticas dos torcedores desde quando comprou o time, em 2005, por meio de uma operação alavancada. (No dia em que os controladores anunciaram que buscavam novas oportunidades de financiamento para o clube, em dezembro do ano passado, torcedores soltaram fogos ao redor do estádio Old Trafford.)
O time não conquista o título da Premier League desde 2013, depois da saída do técnico Alex Ferguson – escocês que ficou à frente do clube por 27 anos e ajudou o time a conquistar 38 títulos.
Em 2014, Malcolm Glazer, responsável pela aquisição do clube, faleceu, deixando o time a cargo de seus seis filhos. De 2017 a 2022, o United ficou sem ganhar nenhum troféu.
A gestão financeira também é alvo de críticas. No ano em que os Glazers compraram o United, o clube fez a primeira dívida em mais de 70 anos, tomando um empréstimo de 660 milhões de libras. Hoje, o clube deve mais de 1 bilhão, somando dívida bruta, crédito rotativo e pagamentos de transferência pendentes, como apontam os dados dos doze meses encerrados em 30 de junho deste ano.
No que tem sido descrito pela mídia local como um processo no mínimo “atrapalhado”, os Glazers vem há mais de um ano tentando vender o Manchester United e chegaram a sinalizar uma oferta de 5 bilhões de libras por parte do xeique do Qatar, Jassim bin Hamad, por 100% do clube. Nas últimas semanas, no entanto, ela foi retirada.
A esperança dos torcedores é de que Ratcliffe, por ser fã do time, consiga trazer o United de volta a seus anos de glória. Dinheiro não deve ser um problema. Além de 1,5 bilhão de libras para garantir um quarto do clube, o empresário terá de fazer novos desembolsos para revitalização do estádio e dos locais para treinos.
Informações divulgadas na mídia britânica apontam que o bilionário pretende aumentar a capacidade do Old Trafford de 74 mil para 90 mil lugares, caso a oferta seja aceita.
Toto Wolff, diretor executivo da Mercedes, disse ao Financial Times, que Ratcliffe é alguém que "colocaria todos os recursos necessários" para uma equipe atingir seus objetivos: "Esqueça todas as besteiras, simplifique e vá em frente. Esse jeito de pensar é algo que valorizo muito em um parceiro de negócios. Nós dois odiamos burocracia e temos a visão de que, no fim do dia, decisões precisam ser tomadas".
(Colaborou André Gustavo Martins)
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Karina Souza
Repórter Exame INFormada pela Universidade Anhembi Morumbi e pós-graduada pela Saint Paul, é repórter do Exame IN desde abril de 2022 e está na Exame desde 2020. Antes disso, passou por grandes agências de comunicação.