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Natura &Co ainda não sabe o que fazer com dinheiro de venda da Aesop

Ativo que tinha oportunidade de expansão foi vendido e agora ficam os mesmos velhos desafios de canal e crescimento

Aesop: valor da empresa foi multiplicado por 25 durante uma década de gestão Natura &Co (Aesop/Reprodução)
Aesop: valor da empresa foi multiplicado por 25 durante uma década de gestão Natura &Co (Aesop/Reprodução)
Graziella Valenti

Graziella Valenti

Editora Exame IN

Publicado em 4 de abril de 2023 às 12:16.

Última atualização em 4 de abril de 2023 às 18:48.

A Natura &Co (NTCO3) vai ser caixa líquido após a venda da Aesop se concretizar, uma transação de R$ 12,5 bilhões, mas ainda não sabe o que fará com tanto capital novo. Haverá mais dinheiro do que vencimentos. Nas contas do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame), essa sobra de dinheiro será da ordem de R$ 1,6 bilhão. Nem mesmo se isso vai se transformar em um evento dividendo extraordinário está decidido. “Vamos iniciar um estudo e não há uma definição nesse momento”, afirmou Fabio Barbosa, presidente do grupo, em teleconferência para jornalistas nesta terça-feira, dia 4. Ontem à noite, a empresa divulgou a assinatura de um contrato vinculante com o grupo L’Oréal para vender a marca australiana por US$ 2,5 bilhões – 25 vezes o valor da aquisição há dez anos, por US$ 105 milhões.

Tem sido comum a Natura &Co dar algumas mensagens trocadas para investidores. Na apresentação de hoje, Barbosa reforçou que o movimento teve como objetivo a redução da alavancagem do grupo e não há uma revisão de estratégia. Em meados do ano passado, quando assumiu, a missão de Barbosa era mudar todo o projeto da Natura &Co, de uma plataforma de marcas globais que visavam sinergias entre elas, para uma gestora de portfólio. Nesse novo modelo, era essencial a revisão dos investimentos a serem mantidos, uma vez que o papel da holding é definir a melhor alocação de capital. A The Body Shop era então candidata à venda, mas decidiu-se pela Aesop por ser o ativo em torno do qual havia mais interesse, dado que o negócio tem maior potencial de crescimento – o maior dentro de todas as bandeiras da Natura &Co, aliás.

A despeito de ter “dinheiro sobrando”, como pontuou o executivo, após a transação, o direcionamento da gestão continuará sendo por melhoria das margens e ganhos de eficiência. No ano passado, o grupo gastou R$ 640 milhões em processos de transformação, reestruturação e integração, um montante 25% maior do que em 2021.

A respeito dos ativos para além de Natura e Avon na região da América Latina, onde há o melhor desempenho, Barbosa reforçou que a The Body Shop passará por uma revitalização da marca, para reposicionar o negócio - com investimento que foi aprovado antes da venda da Aesop. “A marca envelheceu. E percebemos que lojas que foram repaginadas estão com vendas melhores.” Em moeda constante, a receita da The Body Shop encolheu 13,5% no ano passado. O executivo atribuiu ao desempenho às mudanças de hábitos dos consumidores em relação às lojas físicas e sua localização e também à questão da marca. “A dinâmica ainda está um pouco confusa”, disse ele, sobre a melhor presença de lojas.

Quanto à Avon International, que se transformou em um calcanhar de Aquiles, a Natura & Co já começou a bater em retirada de alguns mercados. Começou pela Índia, onde segundo Barbosa, houve a decisão de sair do país. A expectativa é que seja mantida operação – e focada apenas em cosméticos – em cerca de 9 a dez países. E, em alguns outros, é possível que a operação seja transformada em uma relação de franquia.

As transformações na Natura &Co passam também pela governança. O conselho passará por uma alteração importante na assembleia deste ano. O movimento vai enxugar a composição de 13 para 9 membros. Junto com esse anúncio, a empresa também informou a aprovação de uma remuneração global 32% inferior ao que foi aprovado em 2022.

No mercado, o que é dado como certo é que a Natura &Co vai encolher e virar uma operação de Natura e Avon na América Latina. Mas, mesmo aí, as projeções não são as maiores maravilhas. Existem muitos desafios e o principal é o de canal, como EXAME IN já apontou diversas vezes.  A falta de um plano para o dinheiro denota, inclusive, o quão maduro está o negócio.

Há investidores relevantes que, entre o fim de 2022 e o começo de 2023, saíram da base de sócios da empresa, justamente pela perspectiva de venda da Aesop. O único ativo com potencial de expansão seria vendido integralmente. Quando o plano era uma oferta pública inicial (IPO) ou um spin-off, para dar mais liberdade e mais capital para a gestão da marca australiana, os investidores entendiam que a empresa iria sim destravar valor para os acionistas. Agora, vender integralmente, zerar a dívida e não ter plano, não é uma conversa sedutora de investimento.

Dividendos?

Barbosa disse que o pagamento de dividendos está sendo avaliado, mas que não há nada “especial” em torno desse tema e nenhuma definição. A Natura &Co encerrou dezembro com R$ 13,3 bilhões de dívida bruta. A companhia tinha, então, cerca de R$ 6 bilhões em caixa. O impacto tributário da venda da Aesop, que será paga integralmente em dinheiro, ainda não está claro.

O executivo afirmou que será avaliada a melhor estrutura de capital para companhia. Apesar da taxa de juros muito elevada, em geral, a estrutura ótima de uma empresa é manter alguma dívida. Do contrário, a companhia tem excesso de receita de financeira, o que faz o lucro aumentar e o pagamento de impostos ser excessivamente elevado.

Em 2022, para se ter uma ideia do peso de carregar uma dívida elevada, a Natura & Co teve despesa financeira líquida de R$ 1,9 bilhão – ante a R$ 1,03 bilhão em 2021. A queima de recursos influenciou e muito para que o prejuízo chegasse a R$ 2,8 bilhões, ante um lucro líquido de R$ 1 bilhão no ano anterior. Antes disso, a perda de margens foi a principal razão da última linha no vermelho, pois o Ebitda consolidado do grupo encolheu mais de 45%, para R$ 2,1 bilhões.

De acordo com cálculos do Goldman Sachs, a desalavancagem pela qual a companhia passará, em razão dessa venda, fará com que o fluxo de caixa livre alcance o breakeven ou até mesmo fique ligeiramente positivo, comparado a uma queima de R$ 600 milhões que era calculado para 2023 antes do anúncio.

Quanto vale a Natura?

Nos cálculos de Luiz Guanais, analista do BTG Pactual, a Natura &Co, após a venda da Aesop, deveria valer cerca de 33% mais na bolsa. Isso porque o correto seria haver uma transferência de valor da dívida para capital. A companhia terminou o dia ontem avaliada em R$ 21 bilhões na B3. Há pouco, as ações subiam quase 5,5%.

Para essa estimativa, o analista considerou um múltiplo de EV/Ebitda de 7,5 vezes. Esse múltiplo é o valor de empresa no mercado somado a sua dívida líquida sobre o Ebitda acumulado em 12 meses. O indicador usado por Guanais é o mais recentemente atribuído pelo mercado à companhia. Historicamente, a empresa negociava mais próximo à média global do setor, em torno de 15 vezes.

Para se ter uma ideia comparativa, a L’Oréal negocia a um EV/Ebitda, de 2022, de quase 20 vezes. É o maior prêmio do setor. A companhia vale cerca de US$ 230 bilhões e hoje, após o anúncio do negócio, as ações tinham alta pouco superior a 1%.

No relatório em que avaliou a transação, Guanais relembra a trajetória de internacionalização da Natura &Co, com a aquisição (nessa ordem) de Aesop, The Body Shop e Avon. Foi essa estratégia que levou o grupo ao endividamento atual, a despeito de a empresa, durante a pandemia, ter feito duas emissões de ações, uma privada e outra pública, levantando um total de R$ 8 bilhões em dinheiro novo.

Guanais, do BTG, aponta que o movimento de internacionalização, entretanto, não ampliou o retorno do negócio. Ao contrário. Derrubou pela metade. O retorno sobre o capital investido, conhecido pela sigla ROIC, que historicamente era da ordem de 30% caiu para 15,5%. Por isso, Barbosa afirma que não há planos de novas aquisições e elas não estão consideradas nos estudos para uso dos recursos. "Disciplina de alocação de recursos" é o mantra do executivo.

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Graziella Valenti

Graziella Valenti

Editora Exame IN

Criadora do EXAME IN, espaço dedicado à cobertura de negócios, com foco em mercado de capitais. Na EXAME desde março de 2020, ficou 13 anos no Valor Econômico, oito como repórter especial, sete anos na Broadcast, do Grupo Estado.

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