Healthtechs em alta: investimentos somam R$ 1,79 bilhão e M&As devem continuar
Estudo da PwC e Liga Ventures mostra que startups de saúde ainda têm mercado a ser explorado – e contam com a disposição de players consolidados para investir
Publicado em 1 de junho de 2022 às 12:00.
Faça chuva, faça sol, todo mundo precisa ir ao médico. Está aí uma afirmação que ficou (ainda) mais clara na pandemia e cujos efeitos para as empresas no setor duram até hoje. Negócios entre grandes empresas – Rede D’Or e Sulamérica, para ficar somente no mais recente – ganharam força no último ano, bem como o investimento em startups de saúde. Alice, de planos de saúde, Gympass, de saúde e bem-estar, Memed, de prescrições digitais, foram alguns nomes famosos nos últimos dois anos pelos aportes recebidos e refletem, em certa medida, o potencial que novas empresas têm dentro do setor. E o bom humor com as empresas do setor não se esgota no curto prazo, segundo a PwC e a Liga Ventures, no primeiro estudo da plataforma Startup Scanner, criada para ser um ‘hub’ de informações sobre o desenvolvimento de novas empresas no país. Em uma linha: a pandemia acabou, mas o apetite por startups de saúde está apenas começando.
O estudo, enviado com exclusividade ao EXAME IN, mostra que entre 2021 e 2022, os investimentos e M&As no setor somaram R$ 1,79 bilhão em 36 deals monitorados. Cerca de 61% desse montante foi direcionado ao Gympass, em uma rodada que contou com investidores como General Atlantic, Kaszek e Valor Capital Group, um reflexo dos tempos áureos para as startups em 2021. No último ano, segundo o estudo, as cinco categorias com maior quantidade de aportes, segundo o estudo, foram: Bem-Estar Físico e Mental (por causa dos aportes no Gympass), Prontuário, prescrição e Triagem (9% do total investido), Exames e Diagnósticos (6,14%) e Saúde no Trabalho (5,6%). Como prova do bom momento que essas empresas enfrentaram, o estudo mostra que elas aumentaram em 21% o número de funcionários durante o último ano, além de gerarem 3,8 mil empregos. Entre as startups ativas, 17,3% tiveram um crescimento no número de funcionários superior a 50%. Ainda assim, são empresas pequenas: mais da metade tem uma equipe com até 15 funcionários e apenas 6,8% do total tem mais de 100 colaboradores.
“O mercado de saúde é um ecossistema por natureza e, historicamente, muito descentralizado. Com o apetite de companhias por entender cada vez mais o consumidor, ganha força a necessidade de reunir um número de dados cada vez maior sobre os pacientes. E isso, as healthtechs conseguem trazer, além de diferentes barreiras que existem há muitos anos no setor e que ficaram mais claras na pandemia”, diz Bruno Porto, sócio e líder do setor de saúde da PwC Brasil, ao EXAME IN.
Para 2022, o que o estudo e os autores apontam é que não deve acontecer uma explosão, mas um crescimento contínuo, mais próximo do ‘devagar e sempre’. “O setor de saúde ainda tem muito potencial a ser explorado. Não tem nenhum unicórnio, não houve aposta altíssima dentro dele”, diz Porto.
Em um tempo no qual tanto se fala sobre o mau humor dos investidores com ativos de risco, de onde deve vir o dinheiro para financiar esse crescimento? Para Daniel Grossi, co-fundador da Liga Ventures, o Corporate Venture Capital deve desempenhar um papel de destaque. O volume geral de deals – não só de saúde – está crescendo há oito trimestres consecutivos, totalizando 1.317 acordos fechados no primeiro trimestre de 2022, alta de 37% na comparação anual, segundo a CB Insights.
“O que vemos é que o setor de saúde continua em uma curva bastante ascendente e está longe de atingir um grau de maturidade alto, há muito na cadeia para ser explorado. Quem deve sofrer mais, ao menos nesse primeiro momento, são startups em estágio avançado, que trabalhavam mais alavancadas por capital. Vemos uma atividade intensa em estágios pré-seed e seed, principalmente”, diz o executivo. Um exemplo fresquinho (ainda que tenha uma proporção bem menor do que a dos acordos de 2021) foi o aporte de R$ 2 milhões na Medictalks, plataforma digital de conteúdo gratuito para médicos, elevando o valor da empresa para R$ 30 milhões.
Além disso, os M&As devem ser uma alternativa cada vez mais explorada – para contornar o cenário mais hostil de captações, defende o executivo. Quem está na ponta também sente o apetite por mais fusões e aquisições. É o caso da JK Capital, boutique de M&A, que tem visto um aumento significativo no interesse de investidores, especialmente operadoras de saúde, em aquisições de healthtechs. “Esse movimento tem sido motivado principalmente por buscas de ganhos de eficiência em processos e custos, no caso de grupos estratégicos, e de potenciais casos disruptivos, de uma forma geral, além de algumas situações mais específicas de aquisição de talentos. Com a tendência de aumento das taxas de juros mundo afora, está ao mesmo tempo havendo um processo de seleção mais rigorosa dessas empresas, assim como para todo o segmento tech em geral, em relação aos deals de anos anteriores", diz Marcell Portugal, sócio da JK Capital.
Nichos mais promissores
De todo modo, trata-se de um mercado bastante pulverizado. Olhando somente para as startups ativas do estudo, a categoria (entre as 37 mapeadas pelo estudo) que concentra a maior quantidade de empresas é a de Planos e Financiamento – e, ainda assim, tem 8,3% do total de 240 empresas ativas. Gestão de Processos vem em segundo lugar, com 7,8% e, em terceiro lugar a categoria de Exames e Diagnóstico, com 6,8%. “Especificamente sobre planos de saúde, trata-se de um setor que foi dominado por players tradicionais há muito tempo. Acredito que há espaço tanto para novos players que vão trazer propostas diferentes de relacionamento quanto um movimento grande dos players tradicionais se adaptarem, digitalizarem e fornecerem experiência completa, o que também dá oportunidades às startups”, diz Grossi.
Ainda assim, elas não devem ser maioria ao longo dos próximos anos. De olho em uma visão mais ampla, ao reunir as categorias analisadas pelo estudo dentro de três grupos -- B2B, B2C e B2B2C --, o estudo mostra que a frente de serviços para empresas é a que concentra a maior quantidade de startups, com metade do total analisado pela PwC e Liga Ventures. A frente de serviços aos consumidores (como os planos acima mencionados) soma 33% do total e a frente B2B2C é a menor de todas em percentual, incluindo principalmente iniciativas de tecnologia.
Os motivos para olhar mais para o público corporativo são vários: a possibilidade de tornar a startup escalável em um tempo menor, além de não ter de lidar com regulações dentro do setor. A expectativa dos autores, levando em consideração esse cenário, é a de que os percentuais de distribuição de empresas se mantenham dentro do observado ao longo dos próximos anos.
Entrando na oferta B2B, o que se destaca é o comportamento das empresas de estarem mais próximas dos pacientes – já que, hoje, do telefone à consulta, são muitos passos fragmentados. Construir um relacionamento depende de entender o consumidor, o que, em última análise, se resume a dados. Não à toa, o maior crescimento observado pelo estudo é o de plataformas digitais, seguido por análise preditiva e inteligência artificial. Esse último grupo, sozinho, representa apenas 4,5% do total de startups ativas no setor.
Onde estão as startups de saúde
De acordo com o mapeamento por estados, metade das startups está em São Paulo, refletindo uma tendência de mercado mais ampla e não somente do setor de saúde. Em segundo lugar, está o Rio Grande do Sul (8,1%) e, em terceiro lugar, está o Rio de Janeiro, com 7,8%. “Grandes grupos de saúde ajudam a fomentar esse ecossistema e também são regiões que têm por natureza esse DNA de startups, não só de saúde mas para outros segmentos também. Sem dúvida, observamos potencial para que cresçam cada vez mais”, diz Porto.
Para exemplificar isso, fora do eixo Rio-São Paulo, as regiões com maior crescimento de startups de saúde entre 2019 e 2021, o Espírito Santo aparece em primeiro lugar (+66%), seguido pelo Pará e Rio Grande do Norte (+50% cada), Goiás (+20%) e Paraná (+16,6%).
De olho no potencial a ser explorado, Bruno Porto, da PwC, relembra um tópico essencial para as empresas do setor: a cobrança por não errarem. "Não tem espaço para 'fake it until you make it', o que cria uma segurança maior nos processos, dentro de um setor mais complexo e exigente do ponto de vista de crescimento. A pandemia, sem dúvida, cumpriu um papel em relação a acelerar as startups do setor e motivou a busca por soluções. Agora, há a necessidade de continuar esse processo", diz.
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