Logo Exame.com
economia-brasileira

Abrir na pressa e voltar o isolamento seria fatal, diz Pércio de Souza

Pércio de Souza, da butique de negócios Estáter, teme que a reabertura econômica pós-quarentena seja realizada no Brasil ainda no meio da onda de contágio

PÉRCIO DE SOUZA: "Não faz sentido uma política única para todo o país”
FOTO: GERMANO LUDERS

20/08/2011 (Germano Lüders/Exame)
PÉRCIO DE SOUZA: "Não faz sentido uma política única para todo o país” FOTO: GERMANO LUDERS 20/08/2011 (Germano Lüders/Exame)
GV

Graziella Valenti

28 de abril de 2020 às 11:31

Pércio de Souza, sócio-fundador da butique de negócios Estáter Gestão e Investimentos, está debruçado sobre mais um nó empresarial, como é praxe de sua função de assessor das transações corporativas mais cabeludas já realizadas no Brasil. Mas, dessa vez, o problema afeta a todos: como organizar a retomada da atividade econômica e social após a paralisação gerada pela estratégia de isolamento da população usada contra a pandemia da covid-19. Embora também ansioso pela reabertura dos negócios, ele está preocupado com a pressa nas decisões e com risco da falta de planejamento.

A avaliação de Souza é que o custo de entender melhor a situação e postergar um pouco mais a reabertura é “marginal”, comparado ao risco de fazer o movimento na hora errada, ter de retomar o isolamento, e acabar de vez com a confiança das pessoas para voltarem ao seu cotidiano pré-coronavírus. “Não pode fazer sem planejar. A questão da confiança é a mais problemática e pode ter consequências duradouras”, enfatizou ele, em entrevista ao EXAME IN.

O número de mortes diárias no Brasil aumentou para um intervalo entre 300 e 400 nos últimos dias, indicando uma aceleração da curva do país. Ao mesmo tempo, governadores e prefeitos começam a dar data para a reabertura do comércio país adentro e a adesão à quarentena pela população diminui. Algumas cidades, inclusive, já começaram a reabrir. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou uma retomada gradual a partir de 11 de maio.

Além do problema da confiança, Souza apontou que há também o custo econômico efetivo de uma retomada frustrada. Ele explicou que, para voltar a operar, tanto fábricas quanto empresas de serviços precisam recompor equipes e se reabastecer. Todo o capital empenhado nesse movimento pode ser perdido se o momento estiver equivocado e o isolamento for retomado. O custo é especialmente relevante para os pequenos e médios empreendedores, que são os mais sensíveis.

“Esse período, em que já estamos parados, deveria ser usado para o planejamento detalhado da reabertura, inclusive com diferenças regionais, conforme a situação de cada localidade. Não faz sentido uma política única para todo o país”, afirmou ele. “É importante ter definido tudo que será feito na parte da saúde, um estudo meticuloso de capacidade de leitos de UTI, do uso da estrutura privada e pública, além de políticas para aglomerações e todo protocolo de convivência social.” Na avaliação dele, não se trata de esticar indefinidamente o isolamento, mas de organizar a volta minuciosamente.

O executivo, engenheiro de formação, gosta de resolver problemas difíceis, mas está habituado a construir caminhos para grandes transações financeiras, como a chegada do Casino ao Pão de Açúcar, a compra do Grupo Ipiranga por três empresas diferentes, e fusão entre ALL e Rumo, entre outras.

Contudo, desde o fim de março, montou com um grupo multidisciplinar que inclui médicos e economistas para estudar junto com o Instituto Estáter (que há dez anos se dedica ao desenvolvimento educacional de crianças e jovens) o novo coronavírus e seu comportamento nos diversos países. Após reunir, compilar e organizar uma enormidade de dados sobre a pandemia em todo o mundo, está convencido que pouco se sabe sobre a doença e como o vírus reage nas diversas sociedades. Daí a preocupação.

Ele reforçou que tem dois objetivos principais com a iniciativa do instituto: minimizar o impacto da covid-19, principalmente, nas classes mais carentes e estimular o debate para um plano de retomada seguro.

A partir dos dados levantados, esse grupo começa agora a trabalhar no desenvolvimento de sugestões para serem apresentadas nas próximas semanas sobre como promover a reabertura dos negócios e retomar o convívio social.

Semelhanças com EUA

No caso do Brasil, Souza destaca um ponto de semelhança do país com os Estados Unidos. Segundo ele, os dados apontam que a dimensão continental desses países pode fazer com que a curva até o pico seja mais longa. Isso porque estados e regiões estão em momentos diferentes da curva da epidemia e muitas localidades estão atrasadas em comparação com as primeiras cidades onde a doença apareceu. Na opinião dele, isso pode levar a uma falsa sensação de controle da situação.

Enquanto muitos já estão atentos e preocupados com uma possível segunda onda de contaminação, Souza teme que a reabertura seja realizada aqui no Brasil ainda no meio da primeira – o que traria as consequências danosas para confiança e para os negócios. Os próximos dias, na avaliação dele, serão cruciais para um planejamento organizado da reabertura, pois pode indicar com qual país do mundo a curva de mortes aqui mais se assemelha.

Em seus estudos, Souza procurou dar mais atenção às estatísticas de mortes. Isso porque os dados sobre contaminação são mais imprecisos. Assim, a comparação do comportamento dessa curva no Brasil, em
comparação com a de outros países, é fundamental para as definições de próximos passos.

Para o fundador da Estáter, é crucial que o preparo para a reabertura dos negócios contenha esforços para derrubar alguns mitos criados durante a pandemia. Assim, destacou a importância de deixar clara a mensagem para população de que os dados apontam que a covid-19 tem uma taxa de letalidade para jovens saudáveis similar à da gripe comum e que o Brasil pode sofrer menos por ter menos da metade da proporção da população acima de 60 anos – 13% do total. “É preciso, naturalmente, ter cuidado com todos”, disse, mas enfatizando a diferença da letalidade entre as diferentes faixas etárias da população.

Em seu levantamento, o fundador da Estáter também comparou o comportamento das taxas de mobilidade com as curvas de contaminação e mortes em diversos países. Encontrou, com essa análise, mais perguntas do que respostas. As cidades mais afetadas foram também aquelas com maiores índices de redução de mobilidade: Milão, Paris e Madri tiveram queda de 80% da circulação de pessoas. Na opinião dele, não está claro que o isolamento é a única e melhor resposta aos problemas, o que indicaria espaço para adoção de diferentes graus de restrição.

Outro ponto essencial a ser considerado, no caso do Brasil e que também se verificou nos Estados Unidos, é o cordão de separação entre as classes A/B e as C/D/E que foi produzido pelo isolamento. Essa distância, segundo ele, pode ter levado ao atraso na curva do país, pois se trata de uma doença que se espalhou pelo mundo via classe A, o que faz aumentar as preocupações com uma aceleração das mortes nas próximas semanas.

A partir de todos os dados que coletou, Souza, junto com o grupo de especialistas, buscou traçar para o Brasil exercícios sobre a necessidade do aumento de capacidade dos hospitais. O levantamento apontou que o sistema privado de saúde tem condições para absorver a demanda, enquanto que o sistema de saúde pública SUS está substancialmente defasado em número de leitos.

Nos últimos dias, ganhou espaço no noticiário o colapso do sistema de saúde em Manaus, capital do Amazonas. Os dados organizados pela Estáter demonstram que as regiões Norte e Nordeste tem a maior carência de leitos de UTIs no sistema público – ambas com uma média inferior a 10 leitos por 100 mil habitantes. Para se ter uma ideia da diferença, na saúde privada, a média nacional é de 41 posições de unidades intensivas para 100 mil habitantes, sendo de 44 e 43, nas regiões citadas.

 

O simples direcionamento de leitos da saúde privada para a pública está distante de resolver a questão, apontou Souza, porque esses indicadores são de proporção. Em números absolutos, a população atendida pelo sistema privado é muito inferior. Das 210 milhões de pessoas do país, menos de 27% tem assistência privada de saúde. Mas, nesse segmento, a estrutura brasileira de unidades intensivas é maior do que a americana e a alemã.

Com a organização dos dados, o Instituto Estáter fez projeções a respeito de como deve se comportar a demanda por UTIs em cada região do Brasil. Como premissa, segundo Souza, foram usados parâmetros do que ocorreu na Itália. Embora haja uma grande diferença entre o perfil populacional das nações e da situação do sistema de saúde, a escolha se deve à percepção de que os dados lá estavam mais bem compilados e, portanto, mais próximos da realidade.

Foram traçados dois cenários, um mais otimista e outro mais pessimista. O resultado é que na média o Brasil precisaria ter, dedicado apenas para a covid-19, entre 14 e 20 leitos de unidades intensivas a cada 100 mil pessoas – o que significa a necessidade de mais do que dobrar a estrutura atual do sistema público.

Para Souza, a questão da infraestrutura é essencial como parte do planejamento de reabertura, pois ele não acredita na possibilidade de eliminação do vírus, ou seja, no desaparecimento completo da doença. Medidas claras são mais importantes do que nunca.

Para quem decide. Por quem decide.

Saiba antes. Receba o Insight no seu email

Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade